A Ciência é pródiga em desvendar mistérios. Como alguém disse, se num cataclismo se destruíssem todos os livros e todos os registos, e todos os humanos fossem flashados com um raio de esquecimento do tipo “Homens de Negro”, mais tempo, menos tempo, as descobertas da ciência seriam todas redescobertas. O mesmo não se pode dizer da Bíblia ou de qualquer outra crença, não baseadas na observação da natureza.
Há vários mistérios por resolver, aliás, há mais coisas que desconhecemos do que as que conhecemos. Quanto mais conhecemos, mais alargamos a fronteira com o desconhecido.
A forma como a Ciência lida com esta realidade é inventando teorias. Uma teoria é uma ideia, muitas vezes suportada por um modelo matemático, que permite não só explicar determinada classe de fenómenos naturais anteriormente descobertos, como permite fazer previsões sobre resultados de experiências futuras dentro dessa categoria de fenómenos. Teorias científicas são um feito ímpar da Humanidade, mas são ideias que não duram eternamente e que só duram enquanto não aparecer uma melhor teoria que a substitua. Quando uma teoria sistematicamente falha a suas previsões, ou se acumulam fenómenos não explicáveis pela teoria, é tempo de pensar numa nova teoria.
Uma das previsões da Teoria Quântica que mais luta deu a ser descoberta foi o bosão de Higgs, que fez correr muita tinta nos jornais e ainda deu direito a um prémio nobel. É uma história de muita alegria para os físicos experimentais e muita frustração para os físicos teóricos.
A HISTÓRIA DO HIGGS
A história começa com um pouco de contexto: de entre as partículas que todos conhecemos da escola – os neutrões, os protões e os electrões – agora, só os electrões são partículas elementares. Já há a certeza que quer o protão, quer o neutrão têm estrutura interna, pelo que não são elementares. Aliás, agora chamam-se hadrões. LHC do CERN, significa Large Hadron Collider, uma máquina gigantesca onde se fazem colidir hadrões a velocidades perto da velocidade da luz, e se observa o resultado dessas colisões.
Não se anda a fazer colidir hadrões assim por dá cá aquela palha. O processo científico é o seguinte – uma teoria faz uma previsão e depois tudo se faz para encontrar experimentalmente evidencias dessa previsão.
Em 1964 bosão de Higgs foi postulado por um físico teórico chamado Peter Higgs, que em 2013 recebeu um Prémio Nobel junto com um outro físico, François Englert, por essa ideia.
PARA QUE SERVE O HIGGS?
O papel do Higgs, no modelo padrão das partículas elementares [ver caixa no final deste artigo], é ser uma força, ou um campo que existe no vácuo por todo o Universo e que tem como função dotar de massa cada uma das outras partículas elementares que passa por esse campo.
Uma analogia para este mecanismo de Higgs seria pensar no campo de Higgs como uma pequena multidão num hall de um hotel. Se você ou eu passássemos por essa multidão, basicamente pouca interacção iria existir e sairíamos de lá com pouca massa; mas se uma celebridade quiser fazer o mesmo percurso, irá ter muito mais dificuldade e quando conseguir sair do Hall, estará gordíssima, ou riquíssima, cheia de massa.
As previsões que a teoria dá para a massa da maior parte das partículas do modelo padrão das partículas elementares é basicamente bastante boa, excepto a previsão que dá para si próprio, que é uma porcaria, aliás não é nenhuma. E esta é a razão por que foi tão difícil encontrar o bosão de Higgs. Um frustrado investigador escreveu um livro a seu respeito ao qual tentou pôr o título The Goddamn particle [A partícula maldita], que em linguagem para leigos quer dizer o-sacana-do-bosão, mas cuja editora achou que comercialmente não ficaria bem insultar o coitado e transformou a Goddamn particle em God particle e assim nasceu a alcunha da Partícula de Deus para o botão de Higgs.
A DESILUSÃO DO HIGGS
Sempre chatíssimo, este sacana deste bosão, que não tem outro nome, só após varrerem todos os níveis energéticos tecnologicamente possíveis, foi então descoberto, no CERN, em 2012, e anunciado com pompa, circunstância e champanhe, com uma massa de 125 Gev/c2, o que é uma chatice, porque implica uma massa para o Higgs equivalente ao tamanho do ovo de uma mosca, o que não dá jeito nenhum, já que qualquer outra das partículas elementares tem massas bem inferiores que podem chegar a 17 ordens de grandeza e não há qualquer explicação para esta diferença.
Uma das várias hipóteses para os físicos teóricos fecharem airosamente este capítulo da física sem ter de questionar a pertinência de todo o Modelo Padrão das Partículas Elementares, (e ter trabalho por muitos e muitos anos) seria, por exemplo, conseguirem encontrar evidências de uma tal de Supersimetria, SUSY para os amigos, que prevê um parceiro “supersimétrico massivo”, para cada uma das partículas. Passados seis anos após a descoberta do Higgs, sem um vislumbre de SUSY, francamente já ninguém acredita nesta hipótese. Já não são poucos os investigadores que afirmam que a crise da Ciência e a descoberta do bosão de Higgs foi a pedrada no charco que despoletou a crise na física teórica – experimentalistas felizes, físicos teóricos muito frustrados.
HÁ UMA CRISE PROFUNDA NA FÍSICA
A crise na física teórica não é um assunto de café, mas cada vez mais é abordado nos círculos da especialidade. Por exemplo, no primeiro dia de aulas do curso PSI, Neil Turok, director do Perimeter Institute no Canada, actualmente um dos mais prestigiados institutos de física teórica do mundo, afirmou aos seus jovens estudantes: “A Física teórica está numa encruzilhada. Podemos mesmo dizer que entrámos numa crise profunda”. A SUSY (e outras teorias), previam que o LHC (acrónimo para o Large Hadron Collider do CERN) encontrasse novas partículas. “Mas elas não estão lá”, declarou Turok, “e, portanto, para todos os efeitos, as teorias falharam”. Toda a Física tem de ser reinventada. Novos conceitos vão ter de aparecer para substituir a Relatividade, a Teoria Quântica, ou as duas, como leis fundamentais da Física. “Têm de ser cépticos, pois 99,9% do que vão estudar aqui está provavelmente errado. Só não sabemos quais dos 99,9% estão errados”. É assim que se começa uma revolução científica. Bravo!
Se algum jovem estiver interessado em estudar física, vale mesmo a pena ver esta aula. É uma lufada de ar fresco e de honestidade científica.
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PONTO G – TÃO ELUSIVO COMO O HIGGS?
Do outro lado do espectro científico, chegam também notícias sobre o também elusivo Ponto G – um local bem específico, do tamanho de uma noz, dentro do canal vaginal das mulheres que é responsável por muito prazer sexual, um orgasmo diferente dos outros e ainda um fenómeno conhecido como squirting ou ejaculação feminina.
Postulado nos anos 50 do século passado, por um ginecologista chamado Gräfenberg, o Ponto G, permanece no centro de uma polémica científica onde se discute, se ele existe ou não existe anatomicamente. Perante uma incompetência ridícula do lado da investigação científica para a qual sexualidade feminina ainda é um tabu, observa-se um inquestionável interesse do público pelo assunto.
Parece que os concelhos científicos não apreciam particularmente este tema e não aprovam este tipo de investigação, queixam-se os investigadores em blogs e entrevistas. A investigação em sexualidade tende a focar-se mais sobre disfunções do que em optimização. “Há uma real dificuldade, posso afirmá-lo com confiança, em obter financiamento para investigação relacionada com a função sexual básica”, diz Cynhtia Grahm, uma investigadora sobre sexualidade humana da Universidade de Southampton em Inglaterra e editora do Journal of Sex Reseach.
Não é fácil fazer estudos científicos sobre sexualidade feminina, embora estes comecem timidamente a aparecer. Sobre o Ponto G, já tentaram dissecar o aparelho genital feminismo, em cadáveres, e anunciaram que nada encontraram [Hoag, 2012]. Outros afirmam a sua existência [Ostrzenski, 2012]. Ainda este mês, no volume de Maio de 2018 do Journal of Sexual Medicine esta discussão continua, acesa, entre Ostrzenski e Hoag, na secção de cartas ao editor.
EU ACHO QUE O PONTO G EXISTE. E VOCÊ?
Não há nada de mal em discussões científicas. É assim que a ciência evolui. Também não há problema nenhum em ter intuições. O papel da ciência é mesmo transformar intuições em conhecimento. Intuitivamente, eu estou do lado dos que postulam a existência do Ponto G. Aliás gosto mesmo desta imagem retirada de um estudo piloto, [Maratos, 2016], só sobre uma mulher, com imagens obtidas por RMN sobre o Ponto G.
Em neurociência, há ainda poucos estudos com mulheres em situação de orgasmo, e os que há não abordam orgasmos de Ponto G. O grupo de investigadores liderado por Komisaruk [2011], já conseguiram identificar as partes do cérebro que brilham por estimulação directa de várias partes de genitália em mulheres com a cabeça metida dentro de um aparelho imagiologia cerebral, mas esqueceram-se de investigar especificamente o ponto G. Nesse estudo as mulheres tinham como instrução fazerem pequenos toques, no clitóris, vagina e cérvix (e também mamilos, que foi uma agradável surpresa deste estudo, mas a experiência só envolvia toques suavemente com os dedos ou com um dildo de plástico, não sendo suposto haver estimulação até ao orgasmo. Encontraram obviamente no cérebro, zonas de prazer diferenciadas para cada uma das três regiões estimuladas – clitóris, cérvix e canal vaginal. Sobre ponto G, nem uma palavra. Que pena.
QUE TAL UMA EXPERIÊNCIA CIENTÍFICA?
As boas notícias são, que mesmo que tenham sido encontradas evidências contraditórias na literatura científica, está postulado um ponto G, uma área do tamanho de uma noz, situado à entrada do canal vaginal, na parede frontal, junto ao osso púbico [e muitas, para não dizer todas as mulheres o sentem], que pode ser testado em casa. Prontos para uma experiência científica? Vamos a isso!
Para este sacaninha do Ponto G se manifestar, tem de haver estimulação directa no local e essa estimulação é muito mais eficaz se realizada com os dedos ou com um qualquer brinquedo sexual, abundantemente disponível em qualquer sexshop. O pénis, porque é comprido, não cumpre eficazmente essa função, de estimulação dos três a cinco primeiros centímetros do canal vaginal a não ser quando instruído especificamente para o fazer. A estimulação simultânea indirecta, no clitóris, também ajuda muito, dizem as más línguas.
De referir ainda que – e a partir de agora são puras especulações desta vossa cronista – muitas mulheres têm dificuldade em encontrar este ponto G. Primeiro porque acompanhando uma primeira sensação de prazer, aparece também uma súbita vontade de urinar, o que não dá jeito nenhum nesta situação. O papel do experimentalista será acalmar o sujeito da experiência, falando com ela e contrariar a sua reacção instintiva para parar a experiência “para não incomodar”. Se o experimentalista estiver a usar os dedos na estimulação, irá sentir o aparecimento de uma região com uma superfície mais inchada e rugosa do que o habitual. Voilá! Eis o ponto G, que não é um ponto, é uma área. A ideia então é continuar a estimular essa região, com toques suaves, pequenas festas, círculos de um centímetro de raio, continuadamente e ritmadamente, durante um período de tempo que pode ser curto ou de vários minutos. Nem sempre se consegue obter resultados à primeira, provavelmente serão necessárias várias tentativas até se encontrar a combinação ideal de predisposição do sujeito da experiência e competência do experimentalista para se atingir um clímax com sucesso, ou pelo menos uma sensação muito prazerosa.
Há reporte de experiências onde, quando o experimentalista, ou a experimentalista, até porque esta experiência pode ser auto-provocada, sente que o sujeito da experiência já atingiu um nível de excitação suficientemente alto, retira os seus dedos do local, com um movimento rápido e com alguma pressão no sentido do-interior-para-o-exterior, para despoletar um orgasmo.
Um alerta, porém, merece ser referenciado. Muitas vezes este orgasmo de ponto G é acompanhado de ejaculação feminina, conhecido na gíria como “squirting” – um esguicho de um líquido, quente, inodoro, incolor e sem sabor, que a investigação científica ainda não conseguiu caracterizar, mas em nada é parecido com urina, que aparece em quantidades elevadas que pode chegar a um copo de água.
Para obviar as consequências desagradáveis, como o depois adormecer sobre uma cama encharcada, há quem aconselhe a usar uma toalha grossa ou um resguardo descartável por baixo do sujeito da experiência, para maior conveniência e conforto.
Beber muita água e urinar antes da experiência também é uma condição facilitadora para poder comprovar experimentalmente esta hipótese científica.
Alguém colocou na internet uma imagem de uma técnica para o experimentalista que facilita a obtenção de resultados positivos. Chamaram-lhe mão-em-posição-de-cornos-de-touro, onde a base do pulso se posiciona por cima e em contacto directo com o clitóris do sujeito da experiência; dois dedos, o indicador e o mindinho, acariciam pelo exterior, a saber, os grandes e pequenos lábios, enquanto o indicador e o dedo médio, são inseridos, juntos, no interior do canal vaginal. Esta técnica permite que estes dois dedos facilmente estimulem directamente a região do ponto G.
Quem está disponível para testar esta hipótese científica?
O MODELO PADRÃO DAS PARTICULAS ELEMENTARES
A teoria chamada Modelo Padrão das Partículas Elementares da Electrodinâmica Quântica, uma das teorias principais da Teoria Quântica, compatível com a Mecânica Quântica e com a Relatividade Especial, que defende que tudo no Universo ou é matéria ou é força.
À matéria chamaram Fermiões; às forças, Bosões. Um bosão é uma partícula que transmite uma força, que implica uma energia, e qualquer energia é conversível em massa via equação de Einstein, E=mc2, onde c é a velocidade constante da luz no vácuo. Não é então de estranhar que qualquer uma destas partículas seja caracterizada quer por uma quantidade de energia, normalmente medida quer em Gev (Giga elétron Volts) quer pelo seu equivalente em massa, Gev/c2
Dentro da classe dos Fermiões há duas categorias – as duas famílias dos quarks, cada família com três gerações que prefazem 2×3= 6 quarks – Up, Down, Charmed, Strange, Top e Bottom. Os protões são constituídos por dois quarks Up e um Down. Os neutrões por dois quarks Down e um Up.
As duas famílias de leptões, também com três gerações cada uma, os electrões e os neutrinos; e para qualquer uma destas partículas de matéria existe a equivalente partícula de antimatéria, que é igualzinha mas com carga de sinal contrário e quando uma partícula de matéria choca com a sua antimatéria, aniquilam-se. Puff.
Ainda não se sabe se há uma partícula antineutrino ou se o neutrino é a sua própria antimatéria.
Agora, as partículas de força. Temos a força nuclear forte, os gluões, que é uma força fortíssima que mantém coeso o núcleo do átomo. Pouco se sabe desta força. Os gluões não só mantêm protões e neutrões unidos no núcleo do átomo, como são responsáveis por “colar” os quarks constituintes dos nucleões, dentro dos nucleões. Esta teoria chama-se Cromodinâmica Quântica.
Temos depois a força nuclear fraca, que é responsável pela radioactividade, um fenómeno em que um neutrão se transforma em protão, libertando energia. Se bem se lembram, do tempo em que estudávamos destas coisas na escola, há três tipos de radioactividade, a que liberta radiação Beta, electrões de carga negativa; a que liberta radiação Alfa, núcleos de hélio; e a radiação Gama, que liberta fotões de alta energia. Ainda não se sabe porque há radiactividade e como controlá-la, mas sabe-se que o fenómeno da radioactividade faz aquilo que os alquimistas do século XVIII queriam – transformar um elemento químico num outro. Esta teoria chama-se Electrofraca.
A força mais bem conhecida é a electromagnética – por exemplo, a luz, constituída por feixes de fotões. As forças electromagnéticas e fraca, foram unificadas na teoria electrofraca.
Há uma outra força, a gravidade, que o Modelo Padrão das Partículas Elementares, muitas vezes nem menciona, porque nada de interessante tem para oferecer – a não ser que deverá ter spin 2, seja lá o que isso queira dizer e a partícula chama-se Gravitão. Segundo a teoria, os fermiões têm todos spin ½ (aliás metade de um número ímpar) e os bosões podem ter spin inteiro, seja ele 0, 1 ou 2, com o postulado gravitão o único a tê-lo com valor 2.
E depois, em 2012, apareceu o bosão de Higgs [já agora, o único com spin 0].
LEITURAS COMPLEMENTARES:
1) Recepção aos estudantes, por Niel Turok, Perimeter Institute, 2013. [Video] – ver os primeiros 45 minutos. http://pirsa.org/displayFlash.php?id=13080001
2) The Biggest-Ever Orgasm Study Tells Us More About How Women Come, 2017. Um artigo de divulgação sobre as mais recentes descobertas da ciência. https://tonic.vice.com/en_us/article/neepb8/the-science-of-female-pleasure-still-needs-more-attention
3) Donating orgasms to science, Nan Wise, 2014. Um testemunho pessoal de uma investigadora
https://www.theatlantic.com/health/archive/2014/01/donating-orgasms-to-science/282334/
4) What your brain looks like during an orgasm, 2015. O cérebro diz tudo. https://www.vox.com/2015/4/1/8325483/orgasms-science
5) Silicon Valley wants to disrupt orgasms with science, 2016. Quando falta financiamento para a investigação científica por puro tabú. https://www.wired.com/2016/02/silicon-valley-wants-to-disrupt-orgasms-with-science/
ARTIGOS CIENTÍFICOS CITADOS:
- Komisaruk. 2011. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21797981.
- Hoag. 2012. https://link.springer.com/article/10.1007/s00192-012-1831-y
- Ostrzenski. 2012. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1743-6109.2012.02668.x
- Maratos, 2016. https://obgyn.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/1471-0528.13864
- Herbenick 2017.
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/0092623X.2017.1346530