Três meia volta, recebo na minha caixa de correio, e contando com esta já foi a nona vez, um email que me confunde, principalmente porque não percebo a escolha de assinatura – Super-herói. Não deveria ser Don Juan?
“ASSUNTO: Sou o Homem mais Romântico de Portugal… já dei provas do meu Romantismo, em Coimbra, Porto e em Lisboa.
Procuro uma mulher simpática, atraente, inteligente, de preferência com formação académica superior Licenciatura, Mestrado ou Doutoramento) com uma personalidade forte e vincada. Não há mulheres perfeitas, portanto, procuro uma mulher compatível comigo e, que tenhamos um respeito mútuo, amigos, parceiros e bons amantes sexualmente. Sou muito romântico (gosto de oferecer Serenatas ao luar à moda de Coimbra, Bouquets de flores e Jantares à luz de velas ao som de violino e piano), Amo viajar sem destino e horário certo – vou à aventura, visitar museus e monumentos, caminhadas, passear na praia… no campo, amo subir até ao cima das serras, gosto de boa gastronomia e um bom vinho de reserva. Adoro um champagne francês requintado e glamouroso, como Moet & Chandon e Dom Perignon… o resto vais descobrir por ti!!!
ASSINADO: SUPER-HEROI”
De um Super-herói, francamente, eu estaria à espera de qualquer coisa mais extraordinária, confesso. No mínimo um beijo de cabeça para baixo, à chuva, à lá Homem-Aranha.
Mas não. No seu anÚncio este cavalheiro coloca-se à disposição para satisfazer todos os clichés da suposta fantasia das mulheres que corresponde à lenda de Don Juan.
A propósito não posso deixar de recomendar o filme “Don Juan de Marco”, onde qualquer mulher se apaixona, novamente, por Johnny Depp e Marlon Brando, venha o diabo e escolha, num filme surpreendentemente divertido e romântico, que inclui a canção original “Have You Ever Really Loved a Woman” (featuring Paco de Lucia) cantada por Brian Adams, também ele, um desassossego.
Mas voltando ao anúncio, o que nosso Super-Herói propõe é um serviço, que efectivamente corresponde a uma fantasia muito comum das mulheres – ser seduzida com actos, palavras e situações, como as que se vêem nos filmes, mas que raramente os seus parceiros são capazes de concretizar, provavelmente com receio de serem surpreendidos com uma avalanche de gargalhadas ou sorrisos condescendentes.
Em contraste, e talvez como resposta à pergunta sobre qual a razão porque o homem que deu provas do seu romantismo, em Coimbra, Porto e em Lisboa, pelos vistos ainda não conseguiu ter sucesso no sul de Portugal, lembrei-me que, no Algarve, este cavalheiro tem a concorrência do famoso Zezé Camarinha, o rei das Camones.
Com os pés bem mais assentes na terra, aliás na areia, este galã da Praia da Rocha, de bigode e óculos escuros, com um curriculum lendário de mais de 1.500 mulheres seduzidas, tem uma abordagem à sedução completamente diferente. Deixarei que seja ele a explicar como aborda as estrangeiras que passando férias no Algarve procuram o macho latino: “Eu costumo dizer que sou massagista para ver se me toca alguma coisa, também lhes digo que sou astrólogo para lhes ler a sina. Se nenhuma destas resultar, digo que sou fotógrafo …” . Et voilá!
Em outros testemunhos de remarque Zezé Camarinha desvenda mais segredos de sedução em vários vídeos, uns hilariantes, outros profundamente irritantes, entrevistas na Tv e até numa página wiki da Desciclopedia, ainda muito incompleta.
Para engatar na praia, revela Zezé Camarinha, é preciso chegar cedo para mostrar o físico, dar bons mergulhos e não esquecer os alongamentos para, quando ela passar e olhar, poder meter conversa: “You are very white” como mote para se oferecer para pôr óleo bronzeador no corpo da alva Camone, e no caso de já apresentar ligeiro risco de escaldão sugerir (ler em voz alta para perceber o sentido e preocupação): “Puta crime nambar faive”. É tudo uma questão de atitude, esclarece Camarinha, e acrescenta “o homem sempre por cima”.
No entanto, até chegar aos finalmentes, ainda há muito para fazer, como passear com elas de carro até às “rotundas novas“, ir com elas comprar fruta, sempre acompanhado de muito parlapiet. À noite, recorda, é fundamental saber dançar, habilidade que não se escusa a demonstrar para quem quiser aprender, sem deixar de lamentar que “já não há slows”, e que esses é que eram bons para encostar e mostrar o interesse.
Hoje Zezé, casado, feliz e fiel, segundo ele, arrumou os chinelos de praia e estabeleceu-se numa loja que vende crepes e assim termina a lenda. “É certinho e direitinho”, dizia muitas vezes das suas técnicas de sedução, mas das muitas frases memoráveis desta nossa celebridade algarvia não posso deixar de destacar a mui citada “Thank you very nice”.
Ora aqui temos dois estilos de sedução – o romântico Super-herói, que cativa pelas promessas amplamente difundidas nos media para datas especiais, que incluem um consumo forte de flores, velas, champanhe e potenciais férias em locais paradisíacos; e um Zezé Camarinha, cujos números falam por si, que põe as mãos na massa, oferece massagens, atenção olhos nos olhos e galanteios fotográficos, tudo isto complementado com viagens até ali à esquina para comprar o que for preciso, depois de nos fazer rir o dia todo com parvoíces em qualquer língua quase-estrangeira, e à noite, ainda nos leva a dançar.
Eu por mim, em técnicas de sedução, torço pelo team Camarinha … [e aquela coisa de o homem sempre por cima, aposto que até Zézé achará a posição negociável.]
Voltando ao mundo real: há efectivamente uma crise nos relacionamentos do mundo civilizado.
Os homens já não sabem o que é ser homens. As mulheres já não sabem o que querem dos homens.
A culpa é desta coisa da “Igualdade” que anda a baralhar os relacionamentos.
Obviamente que já há duas ou três gerações que as mulheres andam a lutar pela igualdade de direitos e de oportunidades com os homens.
E claramente, “uma mulher simpática, atraente, inteligente, com uma personalidade forte e vincada” como nos define o auto-intitulado homem mais romântico de Portugal, quando escolhe um homem para estar ao seu lado e partilhar uma vida em comum, exige que esse homem respeite essa luta, que não foi fácil e ainda não terminou e aceite esses princípios, num relacionamento com ela. Isso está fora de questão.
Mas uma coisa são direitos e oportunidades, outra coisa é sedução, intimidade e sexualidade. A solução não são flores, Moet et Chandon, nem chocolate (ok, chocolate pode ser … ), a solução é encontrar um equilíbrio onde mulheres continuem a ser mulheres, pois nenhuma mulher quer deixar de ser mulher, e homens continuem a ser homens, porque também os homens não querem deixar de ser homens.
E é aqui que encaixa muito bem o Romantismo.
Romantismo é um conceito antigo, mas completamente despido do seu significado original nos dias de hoje. Romantismo vem da palavra romance e romance já desde a era vitoriana significa um estilo literário, que narra a história de um desejo, uma ânsia, um sentimento forte entre duas pessoas, que normalmente é sublimado por uma dificuldade, um obstáculo, que impede esses dois seres apaixonados de estarem juntos e entre os dois chegarem a um êxtase de felicidade e fusão. Romantismo, nos romances, é estar loucamente apaixonado.
Ser romântico, actualmente, não quer dizer isso e tudo está distorcido, inclusive no dicionário onde romântico é sinônimo de: poético, sentimental, apaixonado, arrebatado, piegas. A palavra apaixonado está lá, e arrebatado até ajuda, mas francamente piegas, sentimental e poético, embora até possa ser “romântico”, tira a graça toda à situação.
Quando um homem quer ser romântico com a sua companheira de longa data, para ser fiel ao conceito original, o melhor que tem a fazer é, num dia especial à sua escolha, idealmente fora dos dias oficiais, simular os dias de paixão frenética dos seus tempos de apaixonados.
Nesse dia, faça-a rir com mil parvoíces, leve-a àquela praia e não descanse enquanto não a deitar na areia, para lhe pôr bronzeador, obviamente. Fale-lhe nos astros e adivinhe-lhe o futuro que sonharam e agora construíram. Passe no centro comercial para comprar qualquer coisa que tenha a certeza que ela goste, que pode ser chocolate, e já agora outra para si. E no fim enlace-a em qualquer actividade inventada que obrigue a ficarem fisicamente muito juntos, como por exemplo dançar, ou simplesmente entalá-la contra a parede, onde lhe demonstre, na prática, como a paixão, a ânsia e o desejo ainda ardem por ela, nem que para isso, tal como sugerido por Zezé Camarinha, seja necessário pôr uma coca-cola dentro das calças, para que esse detalhe não lhe passe desapercebido. Isso é que é romantismo, cavalheiros!
E por falar em cavalheiros, o que é o Cavalheirismo?
Cavalheirismo é o equivalente a “Mulherismo”, que é uma palavra que acabei de inventar – é só e somente etiqueta e boas maneiras e não é exclusivo dos homens. Segurar a porta a uma senhora passar é o equivalente a deixar passar à sua frente uma pessoa mais velha ou uma criança, toda a pessoa bem-educada o faz. Andar do lado de fora do passeio é uma estratégia de protecção dos que são mais frágeis fisicamente – se vier um carro na vossa direcção, quem estiver do lado de fora leva com o primeiro embate – faz mossa, mas não mata – e faz sentido. Pedir a mão para a beijar, é distinto e diferenciado de pregar duas beijocas nas bochechas (e, na versão romântica, é para beijar pelo braço acima, se faz favor). Beijar o pé, é sinal de devoção extrema, que tradicionalmente só se aplica às rainhas, e quem de nós, mulheres, não quer ser rainha por um dia?
Cavalheirismo não passa de um conjunto de valores, quiçá démodés, marca registada do charme, que revelam a procura de um sentido estético e ético na forma de viver a vida, que tal como o design busca unir a forma à função. E viva o Cavalheirismo!
Há muita confusão sobre o que é o amor. Mas a ciência, particularmente a neuro-ciência, já nos esclareceu sobre este assunto. Em poucas palavras – o nosso cérebro reconhece três categorias de emoções relacionadas com acasalamento e reprodução. O Desejo Sexual que é como a fome e mói o juízo. A Atracção, ou paixão, que é não conseguir deixar de pensar na outra pessoa, dia e noite. E a Ligação amorosa que é um fogo lento e um compromisso de longo prazo. O desejo sexual leva à actividade sexual e esta ao orgasmo, o orgasmo produz dopamina/catecolamina, a hormona do prazer, que potencia a paixão e o bem-estar e intimidade libertam oxitocina, a hormona da felicidade, que faz crescer a ligação amorosa e reduz a da paixão.
Mas estes três sistemas podem também funcionar de forma independente. O que quer dizer que, independentemente da nossa vontade, no limite, podemos sentir estas três categorias de emoções por três pessoas diferentes ao mesmo tempo: estar profundamente ligado e feliz com a pessoa com quem partilhamos a vida; estar apaixonado por uma (e só uma) outra pessoa; e sentir desejo sexual por qualquer uma outra pessoa que passe por nós na rua ou na tv.
É assim que funciona o nosso cérebro quando o objectivo é a sobrevivência da espécie e a propagação dos nossos genes. As nossas escolhas, é outro assunto, e são da nossa exclusiva responsabilidade, porque essas já dependem da nossa vontade.
ACASALAMENTO E REPRODUÇÃO – 3 CATEGORIAS DE EMOÇÕES:
Segundo a ciência que estuda cérebros e neurotransmissores, nos mamíferos, nos quais os humanos orgulhosamente se encontram, há uma teoria que defende que há três categorias de emoções dirigidas para o acasalamento e reprodução:
– o desejo sexual ou luxúria caracterizado pela ânsia de gratificação sexual;
– a atracção, caracterizada por um aumento de atenção para um ou mais potenciais parceiros, acompanhados, nos humanos, por sentimentos de euforia, “sentimentos intrusivos” e a ânsia de união emocional com este ou outro potencial parceiro;
– a ligação, caracterizada pela manutenção de um estreito contacto social nos mamíferos, acompanhado nos humanos por sentimentos de calma, conforto e união emocional com o parceiro.
Cada categoria emocional está associada a uma constelação de relações neuronais discretas, e cada uma se desenvolve em direcção a um aspecto específico da reprodução.
O desejo sexual está associado primariamente com estrogénios e androgénios e desenvolveu-se para motivar indivíduos a procurarem a ligação sexual.
O sistema de atracção está associado principalmente com as catecolaminas, e evoluiu para facilitar a escolha de parceiro, proporcionando aos indivíduos o foco dos seus esforços em parceiros preferenciais.
O sistema de ligação está primariamente associado a péptidos, vasopressina e oxitocina, e desenvolveu-se para motivar os indivíduos para um compromisso em comportamentos sociais positivos relacionadas com responsabilidades parentais específicos da sua espécie.
Durante a evolução do género Homo, este sistema de emoções tornou cada emoção mais independente das outras, um fenómeno que contribui para a flexibilidade do acasalamento humano e explica a gama alargada de acasalamento e estratégias de reprodução contemporâneas.
[Do artigo de revisão bibliográfica, 1998. Helen Fisher, antropóloga. Lust, attraction, and attachment in mammalian reproduction
https://link.springer.com/article/10.1007/s12110-998-1010-5
E agora, deixo-vos com os quatro primeiros minutos do já recomendado filme “Don Juan de Marco” para uma pequena aula de sedução de Johnny Depp, enquanto fico a pensar como raio é que vou ligar este tema com a Física Quântica.
Achei! Quantum entanglement ou Entrelaçamento quântico.
Trailler: O amor perverso de duas partículas quânticas, que mesmo quando separadas por uma distância infinita, quando uma é observada, a outra cora de vergonha.
Einstein chamava-lhe “spooky action-at-a-distance” e não deixarei de vos contar histórias sobre este amor impossível numa próxima crónica.