Além dos pedidos de assistência alimentar, há gente a solicitar ajuda para pagamento da renda de casa, medicação, água e luz.
Mas perante este quadro de carência social, aquele responsável mostra-se, ainda assim, convicto de que é possível erradicar a pobreza entre nós.
Entrevista e fotos Ramiro Santos – Jornalista
As fragilidades das famílias vão aumentar e a sazonalidade no Algarve pode arrastar o problema por mais tempo
P – Que balanço faz dos casos de assistência alimentar desde o início da pandemia em Março do ano passado?
R – Em termos gerais o que posso dizer é que se verificou um aumento médio de 63 por cento de pessoas ou famílias necessitadas de medidas de apoio. Quem já estava numa situação de fragilidade em termos económicos e sociais, as situações de confinamento vieram em muitos casos agravar as necessidades sentidas. A maioria dos casos são agregados familiares que viram os seus rendimentos reduzidos devido à situação de desemprego e de “lay off’.
P – Falou num aumento médio de 63 por cento de pedidos de apoio, peço que me concretize em número de casos…
R – Antes da pandemia beneficiavam do apoio da Cáritas Diocesana do Algarve de forma regular, centenas de pessoas. Para ter um ideia dos casos de assistência, refiro que no primeiro trimestre do ano passado, antes da pandemia, as cáritas de Faro e de Portimão apoiaram regularmente 4.276 pessoas. Se compararmos este número com o período de pandemia o crescimento é bastante significativo: no segundo trimestre, esse número subiu para 5.439, no terceiro ascendeu a 5.708 casos e no quatro trimestre registaram-se 5.957, perfazendo um total de 21.380 pessoas que receberam assistência social. A este número de casos de assistência social há a juntar ainda 1.544 casos resgistados pelas cáritas paroquiais de S. Brás, Boliqueime, Loulé e Lagoa, totalizando o número de 22.924 de pessoas beneficiadas no ano transato. O mês de Janeiro deste ano, veio acentuar ainda muito mais esses números.
P – O Algarve é uma região marcada pela sazonalidade turística e, por isso, as situações de apoio devem ter crescido também em função do desemprego ligado ao turismo!
R – Sim, esse é um facto e não temos dúvidas de que a fragilidade das famílias vai aumentar enquanto não se verificar a retoma económica e a criação de emprego. Apesar da maioria dos casos serem de familias portuguesas, é importante notar que mais de um quarto dos desempregados no Algarve são estrangeiros, ligados também à hotelaria e restauração. Temos observado uma grande procura de pessoas que não nasceram em Portugal, sobretudo indivíduos de nacionalidade brasileira.
Além da alimentação, as ajudas mais solicitadas são para pagamento da renda da casa, medicação, água, luz e gás
P – No atendimento e apoio social também apareceram casos de violência doméstica que aumentaram com a pandemia provocada pela situação de confinamento?
R – Sim, durante este período assistimos a um aumento de violência doméstica. O problema já existia mas foi agravado e, depois de identificadas, estas situações são encaminhadas para as instituições respetivas.
P – Que tipo de ajuda é mais solicitada?
R – O tipo de ajuda mais solicitada é o apoio alimentar e pedidos de pagamento de despesas com a renda de casa, medicação, água, luz e gás.
P – Como se processa o vosso método de atribuição de ajuda?
R – A atribuição de qualquer tipo de apoio é precedida de um atendimento social, onde se caracteriza o agregado familiar e são identificadas as necessidades.
Mais de um quarto dos desempregados no Algarve são estrangeiros
P – Notaram que a pandemia trouxe para uma situação de pobreza a necessitar de ajuda alimentar um outro tipo de pessoas ou famílias que habitualmente não recorriam à instituição?
R – Nota-se claramente uma alteração do perfil das pessoas que hoje solicitam o nosso apoio e que antes não nos vinham bater à porta. Isto tem a ver com o desemprego e as dificuldades por que passam muitas das pequenas empresas da região, designadamente, restaurantes e pequeno comércio.
P – Pode-se falar de pobreza envergonhada?
R – Num quadro como o que lhe referi em que se verifica a alteração do perfil das pessoas necessitadas, existem muitos casos que antes nunca sentiram essa situação e que agora recorrem ao nosso apoio com alguma relutância envergonhada. Mas para esses casos procuramos, na medida das possiblidades, fazer a distribuição de vales de aquisição de bens essênciais, de modo a que essas pessoas possam adquirir e fazer as suas compras em qualquer estabelecimento sem que possa ser identificado como indivíduo carenciado Mais de um quarto dos desempregados no Algarve são estrangeiros.
P – Para além das campanhas que a Cáritas Portuguesa está a levar a efeito, a Cáritas Diocesana do Algarve lançou também um conjunto de iniciativas que possam ir ao encontro das dificuldades sentidas?
R – Essas iniciativas surgiram no seguimento da Nota Pastoral do Bispo da Diocese “Na linha da frente para vencer a indiferença”, onde é apontada a necessidade de reestruturação do serviço sócio-caritativo neste tempo de crise. Perante este desafio resultaram diversas iniciativas como a “Campanha Colega a Colega”, dirigida a crianças da catequese, escuteiros e outros, com o objetivo de recolha de material escolar, alimentos e produtos de higiene. Outra iniciativa é a “Campanha Vizinho a Vizinho”, dirigida a famílias que farão chegar ao conhecimento do grupo paroquial, famílias necessitadas na área da sua residência. Há ainda a campanha “Linha da Frente Universitária”, dirigida a estudantes com dificuldades em alimentação, despesas de habitação e propinas.
P – A nível nacional a Cáritas Portuguesa tem uma campanha que visa erradicar a pobreza absoluta no país, não é?
R – Sim, é uma campanha denominada “Vamos Inverter a Curva da Pobreza”, que visa dar resposta aos efeitos provovcados pela Covid 19 a quatro níveis: apoio de primeira linha, apoio de recuperação sócio económica inclusiva, apoio à capacitação da estrutura social da rede nacional da Cáritas e apoio à rede Cáritas Internacional. Trata-se de uma campanha que para além de fundos próprios também depende de donativos. A campanha visa contribuir e manter uma resposta de emergência social. O apelo que a Cáritas faz a toda a população portuguesa é que acreditem que é possível, através de mais justiça social e solidariedade, erradicar a pobreza absoluta entre nós.
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