Recentemente, nas comemorações do Dia da Cidade de Olhão, em 16 de junho, foi inaugurada uma escultura imponente de um cavalo-marinho, com 5m de altura por 1,8m de largura, a qual integra cerca de 5000 pedaços de cerâmica.
O Presidente da Câmara, António Pina, referiu que “queremos adotar o cavalo-marinho como um dos símbolos do concelho”. Esta iniciativa permite destacar a importância da proteção dos cavalos-marinhos na Ria Formosa, espécie que corre o risco de extinção se não houver um esforço para a sua preservação.
A obra foi apresentada como sendo da autoria de Isa Fernandes, designer e autora deste projeto que ofereceu ao município, tendo o trabalho sido executado por Alexandre Groza.
Esta situação leva-nos a perguntar, quem é o artista e/ou o autor desta obra?
Embora a execução de um trabalho artístico seja, em geral, realizada com grande emoção e rigor técnico, o pensamento e o planeamento da obra são fundamentais no processo de produção artística, pois sem a ideia, a conceção ou o projeto da obra, esta não pode ser realizada.
Por exemplo, uma das obras que realizei, “Cores de sons integrados: Homenagem a Kandinski” (2,8m x 0,9m), foi executada por um pedreiro que concretizou o levantamento da parede de tijolos de vidro, na sequência que lhe indiquei, e que colocou no cimo a estrutura em metal, cujas partes haviam sido cortadas nas medidas pretendidas e soldadas, criando a imagem de uma harpa.
Em geral, as obras artísticas são concretizadas por quem as concebe, mas verifica-se que, na arte contemporânea, muitas vezes quem pensa sobre o produto artístico não é quem o executa. Nestes casos, o senso comum costuma considerar que o artista é quem executa a obra.
No entanto, conforme salientámos no artigo “Qual a importância do pensamento na produção artística?”, esta perspetiva de “manualidade” do artista tem vindo a ser alterada, sobretudo a partir dos anos 60 do século passado, com a emergência da arte concetual.
Inclusivamente, por vezes, é acentuada de tal forma a importância da ideia criativa na produção artística que parece que apenas o pensamento é importante, ocorrendo quase uma desmaterialização da arte. Esta ênfase na desmaterialização encontra um dos seus exemplos mais fortes na exposição de Yves Klein, em 1958, tendo realizado uma exposição em Paris com o título “Vazio”, em que o espaço estava literalmente vazio, pretendendo expressar um “estado pictórico invisível” que estaria presente através da radiação. Todavia, este exagero na dimensão concetual sendo rejeitado o objeto artístico concreto, tornaria a arte fria e apenas teórica, sem produção, sem beleza. O próprio concetualista Mel Bochner (1970) considerava que a obsessão pela desmaterialização não tinha sentido, pois nenhum pensamento pode existir sem um suporte que o sustente.
Atualmente, em geral, os artistas procuram conciliar a componente ideia e intenção com a respetiva materialização. Neste sentido, acentuam a relevância da ideia ou do conceito que lhes levou ao objeto produzido. Por exemplo, Joana Vasconcelos afirmou, em 2011: “eu não parto do objeto; eu parto duma ideia e depois tento encontrar o objeto certo para expressá-la, dar-lhe uma dimensão física ou material”. Muitas das obras assinadas por Joana Vasconcelos não são executadas por ela. São obras de grande dimensão, muitas delas expostas permanentemente em espaços públicos, sendo executadas por uma equipa de técnicos que dominam os materiais com os quais a obra é feita.
Foi o caso da obra “Solitário”, que ilustra um anel com 7m de altura, realizado com 112 jantes douradas e coroado por um enorme “diamante” constituído por 1.324 copos de whisky de cristal.
Mas é Joana Vasconcelos que assina os trabalhos produzidos e é a sua assinatura que confere o valor financeiro da obra. Cada vez mais, o preço das obras começou a estar cada vez mais condicionado pela assinatura, havendo colecionadores que investem sobretudo nos nomes, procurando adquirir obras assinadas.
É a história ou o percurso de cada artista, a persistência e a consistência do seu trabalho, a sua identidade, que pode permitir inferir a dimensão artística do mesmo.
Isto não diminui a importância da competência técnica de domínio dos materiais por parte de quem executa a obra, podendo até haver situações em que ambos os intervenientes, quem pensa e quem executa a obra, possam ser considerados os autores, pois muitas vezes a obra executada diverge do projeto inicial, por sugestão de quem a realiza, visto dominar os materiais e aperceber-se da vantagem de certas alterações ao projeto inicial.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de agosto)