Este sábado não se podem abordar temas políticos sem restrições nos órgãos de comunicação social. É dia de reflexão e isso implica uma espécie de “silêncio eleitoral”, para que os eleitores possam refletir calmamente em quem vão votar, depois do ritmo frenético das campanhas. A Comissão Nacional de Eleições (CNE) leva o assunto a sério: “O que é recomendado é que haja o cumprimento da lei, e a lei diz que não podem ser adotados quaisquer comportamentos que direta ou indiretamente possam prejudicar ou beneficiar algum candidato em detrimento de outro”, esclarece o porta voz da CNE, João Tiago Machado, ao Expresso.
A questão não é de agora — aliás, desde 1976 que a comunicação social portuguesa tem cumprido esta lei, evitando considerações políticas sobre as eleições na sua véspera. Mas há um programa que vai ser feito “normalmente”, “tratando os assuntos da semana”, já em pleno sábado (começa precisamente às 0h): o “Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer” (antigo “Governo Sombra”). É uma exceção, porque noutros canais de televisão e rádio contactados pelo Expresso as emissões foram canceladas ou o tema das autárquicas vai ser suprimido.
“Acontece que um dos assuntos da semana há de ser o facto de estarmos à beira de eleições e isso fará parte do menu do programa”, esclarece Carlos Vaz Marques, que modera e apresenta o programa de debate político juntamente com Ricardo Araújo Pereira, Pedro Mexia e João Miguel Tavares.
A questão é delicada porque o programa, que anteriormente era emitido na TVI, ainda como “Governo Sombra”, foi alvo de uma denúncia por parte da CNE em 2017, por alegada violação da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. O programa foi para o ar em véspera de autárquicas, numa emissão especial, e discutiu assuntos relacionados com o ato eleitoral. Mas o Ministério Público acabou por arquivar o caso: não houve “promoção de candidaturas”, apenas foram “produzidos comentários depreciativos relativamente aos vários partidos”.
“O episódio desta sexta-feira será normal como temos feito nos últimos anos, como fazíamos no programa anteriormente chamado “Governo Sombra”, que foi alvo de uma queixa considerada improcedente”, lembra o moderador Carlos Vaz Marques, que descarta a hipótese de ser feita propaganda eleitoral no programa. Por isso, acrescenta o jornalista, os quatro participantes estão “excluídos de qualquer tipo de equívoco que possa haver em relação a uma situação dessas”.
Questionado pelo Expresso sobre se a Comissão Nacional de Eleições planeia agir sobre programas de debate e de comentário, João Tiago Machado responde: “Se violarem o que está na lei, temos o dever de o fazer”.
A emissão tem “luz verde” da SIC, confirma o diretor-geral de informação do grupo Impresa (que detém a SIC e o Expresso). Não é a primeira vez que o programa é emitido num dia de reflexão no canal, portanto “mantém-se a mesma lógica”, diz Ricardo Costa. O “Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer” será, no entanto, a única exceção este sábado. Considerações políticas e assuntos relacionados com as autárquicas que possam ser um fator de influência estão fora dos noticiários.
Foto D.R Tiago Miranda
Porém, quanto aos espaços de comentário, a SIC é mesmo uma exceção. O Expresso ouviu vários diretores de órgãos de informação da televisão e da rádio para perceber se há mais programas do género a abordar as eleições no sábado. A resposta é simples: não.
Na TVI, o “Lei da Bolha”, programa de análise política que é emitido todos os sábados às 23h, não vai tratar o tema das autárquicas, tal como os noticiários. “Não vai haver nada que refira as eleições porque pretendemos cumprir a lei independentemente da opinião que tenhamos sobre ela”, afirma o diretor de informação da TVI, Anselmo Crespo. E a opinião não é favorável: “Pessoalmente acho que o dia de reflexão é completamente anacrónico com os tempos que vivemos e com a era da digitalização”.
Na Renascença, não vai ser feito o “Em Nome da Lei”, um programa de debate que é emitido no sábado, ao meio-dia, adianta o diretor-geral de produção do Grupo Renascença Multimédia. O motivo é simples: normalmente estão presentes membros de partidos. “Não o vamos fazer porque iríamos trazer uns e não iríamos trazer outros, conforme o tema, o que iria ser sempre explorado por beneficiar uns e prejudicar outros”, explica Pedro Leal.
No caso do noticiário da Renascença, tudo o que tenha a ver com campanha eleitoral não vai ser emitido, já “o normal funcionamento de um processo eleitoral” vai ser noticiado “como sempre”, adianta ainda Pedro Leal ao Expresso.
A Antena 1 vai seguir uma abordagem semelhante. Tudo o que tenha a ver com campanhas, candidatos e políticos não será mencionado, mas informações de interesse público diretamente relacionadas com a eleição — e que não sejam um fator de influência — serão tratadas, avança o diretor de informação, João Paulo Baltazar.
Por último, a TSF também não vai emitir nenhum programa de debate ou comentário político, nem repetições que estavam previstas, respeitando o dia de reflexão. A garantia é dada pelo jornalista Pedro Cruz, que está agora na direção da rádio.
O Expresso também contactou a RTP, mas até à publicação deste artigo não foi possível obter respostas.
“LEI É ABSURDA E ESTÁ ULTRAPASSADA”
Esta terça-feira, a Comissão Nacional de Eleições alertou para a proibição de propaganda na véspera e no dia das autárquicas, definindo propaganda eleitoral como “toda a atividade que vise direta ou indiretamente promover candidaturas, seja dos candidatos, dos partidos políticos, dos titulares dos seus órgãos ou seus agentes, das coligações, dos grupos de cidadãos proponentes ou de quaisquer outras pessoas, nomeadamente a publicação de textos ou imagens que exprimam ou reproduzam o conteúdo dessa atividade”.
A juntar a isto, a CNE tem uma deliberação, emitida em 1982, onde adianta que “não podem ser transmitidas notícias, reportagens ou entrevistas que de qualquer modo possam ser entendidas como favorecendo ou prejudicando um concorrente às eleições em detrimento ou vantagem de outro”.
Não é pelo facto de os órgãos de comunicação cumprirem a lei que concordam com ela. Aliás, nenhum dos jornalistas em cargos de direção ouvidos pelo Expresso tem uma opinião favorável. “A questão do dia de reflexão devia ser toda ela revisitada”, começa por dizer Ricardo Costa. E explica porquê: estamos numa revolução digital e todo o consumo de informação não linear, “que é brutal”, é permitido. As notícias e as reportagens continuam disponíveis nos sites, lembra o diretor-geral de informação do grupo Impresa.
Anselmo Crespo também discorda da lei: está “datada e desajustada da realidade”. No entanto, trata-se de um debate que neste momento não está aberto, diz o diretor de informação da TVI.
Para o diretor executivo da TSF, “a lei é absurda e está ultrapassada”. O dia de reflexão já não faz sentido há muito tempo, considera Pedro Cruz. “Não podemos publicar nada mas depois vamos aos sites e estão lá as publicações e qualquer pessoa pode consultar”, nota.
A alteração da lei eleitoral não depende da Comissão Nacional de Eleições, cabe antes à Assembleia da República, lembra o porta-voz da instituição. João Tiago Machado recorda também que, em junho, houve propostas de alteração à lei. Uma delas foi apresentada pela Iniciativa Liberal e previa a eliminação do dia de reflexão. “Contudo, o diploma que saiu alterado em junho pela Assembleia da República tinha algumas alterações mas nada mexeu no dia de reflexão”. Portanto, “enquanto o quadro legal for este, teremos de o aplicar”, conclui.
Notícia exclusiva do parceiro do jornal Postal do Algarve: Expresso