O desemprego subiu 113% em relação a 2019 e é cinco vezes maior do que a média no país. A recuperação plena da atividade só daqui a quatro a cinco anos. A região precisa de uma Programa Específico de Emergência.
P – Desde o início da pandemia, em março do ano passado, qual o balanço no que respeita aos resultados na atividade turística no seu conjunto no Algarve?
R – O Algarve registou, em 2020, o pior ano turístico desde que há memória. O volume de negócios caiu mais de 800 milhões de euros durante o ano, resultante de 71% nas quebras na procura dos principais mercados emissores externos. A taxa de ocupação global média registada atingiu os 27,5% em 2020, o correspondente a 7,6 milhões de dormidas, o pior registo de sempre. Recorda-se que o Algarve, em 2019, teve uma ocupação média de 63,2%, ou seja, mais de 21 milhões de dormidas. Estes números respeitam apenas aos estabelecimentos classificados oficialmente.
P – Faz sentido dizer que a redução desses valores, fizeram recuar os resultados da atividade turística, designadamente, a hotelaria, para valores de 1984?
R – De facto, em termos globais, o número de hóspedes e dormidas recuaram em Portugal para valores de 1984.
P – E nos primeiros meses deste ano, qual foi a taxa de ocupação?
R – As unidades hoteleiras e empreendimentos turísticos ainda em funcionamento registaram uma taxa de ocupação de 5,6% em janeiro deste ano. Os meses de fevereiro e março não serão diferentes.
A Páscoa, identificada como o motor de arranque da época turística, encontra-se comprometida, bem como as estações média e alta, tanto mais que a vacinação se encontra muito atrasada.
O Algarve precisa de um Plano Específico de Emergência para Recuperar o Turismo, prometido pelo primeiro-ministro
P – O que é que representa o setor do turismo algarvio para a economia do país, no que respeita a receitas e emprego?
R – Em 2019, a oferta turística regional classificada, oficialmente gerou uma faturação total de 1.250 milhões de euros. Mas o INE considera que as receitas hoteleiras têm um efeito multiplicador na economia (comércio, restauração, rent-a-car, golfes, etc.), equivalente a sete vezes as receitas do alojamento. Por isso, estima-se que o turismo do Algarve tenha contribuído, em 2019, com bens transacionáveis no montante de mais de 8,5 mil milhões de euros, o que verdadeiramente conta para a riqueza nacional.
Note-se que nesse ano, antes da crise, o país gerou um total de cerca de 19 mil milhões de euros em bens transacionáveis, mais ou menos 20% do total das exportações portuguesas neste período. Em 2020, este valor não foi além dos 8,1 mil milhões de euros, sendo que 2,8 mil milhões tiveram origem no Algarve. Ou seja, em 2020, o Algarve produziu menos 5,6 mil milhões de euros em bens transacionáveis
Quanto ao desemprego, em 2020, aumentou 113% face ao ano anterior mas estes números não levam em consideração os trabalhadores que se encontram em layoff e em regime de formação, por exemplo. Segundo os dados do IEFP, no Algarve, em maio de 2020 estavam inscritos 23.554 desempregados na hotelaria e restauração, valor que compara com 6.707 no período homólogo.
O desemprego aumentou cerca de 5 vezes mais do que no resto do país e os níveis de pobreza cresceram de forma preocupante e descontrolada
P – Tem números quanto às empresas que fecharam temporariamente e as que estão em risco de cessar a atividade?
R – Mais de 80% dos estabelecimentos hoteleiros e turísticos do Algarve encontram-se encerrados e os restantes 20% não têm clientes.
O Algarve e o turismo estão à beira de um precipício económico e social sem precedentes.
Ao nível do alojamento local e privado, muitos empresários optaram pela cessação da atividade, assim como no que se refere aos chamados similares, como restaurantes e bares, por exemplo. Muitos destes estabelecimentos não voltarão a reabrir. Os hotéis e empreendimentos turísticos constituem máquinas organizativas muito pesadas, pelo que não podem, pura e simplesmente, cessar a atividade de um momento para o outro, atendendo à natureza dos investimentos que estão suportados em capitais alheios e outros financiamentos externos.
Caso os efeitos da pandemia se prolonguem, vamos assistir ao colapso de muitas empresas turísticas do Algarve.
P – Como vê a resposta do governo no apoio às empresas. O que é que a AHETA defende?
R – O governo esteve bem numa primeira fase, tendo tomado as medidas que a situação exigia, no pressuposto de que a crise estaria resolvida ao fim de três meses (junho de 2020).
A crise não só não se resolveu como se agravou. O governo, contudo, optou por dar continuidade às medidas que havia tomado anteriormente, considerando ainda que a economia já se encontrava na fase de retoma, optando por medidas desajustadas, ineficazes e insuficientes. Neste contexto, o governo não tem sabido estar à altura dos problemas que afectam especificamente o Algarve e as empresas do setor do turismo, tomando medidas avulso, contraditórias e a conta-gotas.
Também aqui, mais uma vez, a maior e mais importante região turística portuguesa foi deixada ao abandono, reduzida à insignificância do seu peso eleitoral e político. Não admira, portanto, que o desemprego tenha aumentado cerca de 5 vezes mais do que no resto do país e os níveis de pobreza aumentem de forma preocupante e descontrolada.
A sobrevivência das empresas hoteleiras e turísticas do Algarve vai depender, fundamentalmente, das condições fiscais e financeiras criadas pelo governo, visando manter os níveis competitivos na fase de retoma e evitar o colapso empresarial do setor do turismo no Algarve.
O Algarve precisa de um Plano Específico de Emergência para Recuperar o Turismo, tal como foi prometido na Assembleia da República pelo ministro da Economia e reiterado pelo primeiro-ministro.
Páscoa é uma amêndoa amarga e retoma plena só daqui a cinco anos
P – É possível avançar com alguma perspetiva temporal de normalização da atividade turística? A Páscoa é uma amêndoa amarga?
R – Mais do que uma amêndoa amarga, as empresas hoteleiras e turísticas regionais enfrentam um verdadeiro cataclismo económico, social e financeiro. Sem a resolução do problema sanitário não é possível restabelecer os fluxos turísticos, designadamente os oriundos do Reino Unido, historicamente o maior mercado emissor de turistas para a região.
Estamos conscientes de que a retoma será gradual, progressiva e muito morosa e só deverá verificar-se a partir da Páscoa do próximo ano. Por outro lado, a recuperação plena da atividade turística para os níveis de 2019, só irá ocorrer dentro de 4/5 anos.
As nossas perspetivas para 2021 apontam para resultados idênticos aos registados em 2020. O Algarve e o país não integram, presentemente, as estratégias dos grandes canais de comercialização e distribuição de férias europeus e mundiais para a próxima época turística, atendendo à gravidade da situação sanitária que atravessamos.