Os preços do gás engarrafado estão em máximos desde que o regulador da energia os acompanha diariamente, isto é, desde 2018. Uma situação que afeta a maioria das famílias portuguesas, e que está relacionada com os preços do petróleo nos mercados internacionais. A concentração deste mercado em Portugal e as margens praticadas também são motivo de preocupação para o regulador.
O preço do gás butano vendido em garrafa, segundo se pode consultar no site do regulador, estava a 3 de dezembro nos 2,243 euros por quilograma, numa média nacional. No caso do gás propano, atingia no mesmo dia os 2,663 euros. Desde que o regulador faz o levantamento destes dados, que começou em 2018, nunca o preço havia estado tão elevado.
“O atual nível de preços do petróleo está a refletir-se no preço final do gás engarrafado. (…) Está cada vez mais em causa a acessibilidade económica para um bem essencial, o que é de facto preocupante”, refere Pedro Silva, especialista no mercado da energia da Deco Proteste.
A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) refere, num relatório de maio de 2020, que, em Portugal, cerca de dois terços dos agregados familiares utilizam gás de petróleo liquefeito (GPL), que pode ser butano ou propano, e que chega às casas engarrafado. Este tem uma “forte implantação” nas zonas onde não chega o gás natural e, mesmo nas zonas onde esta rede existe, o gás engarrafado “continua a ser frequente para o aquecimento doméstico”, acrescenta.
No início de 2021, o preço do quilo do gás butano estava nos 1,930 euros – menos 31,3 cêntimos por quilo em relação ao corrente mês de dezembro. Nos mercados internacionais, o preço de referência aumentou 29,6 cêntimos no mesmo período. No que diz respeito aos impostos, entre o início do ano e agora mexeu apenas o IVA, crescendo proporcionalmente, uma vez que se calcula por percentagem, de 36,1 cêntimos por quilo para 41,9.
No caso do gás propano, o quilo encareceu 34,3 cêntimos desde o início do ano, com o IVA tenha a subir 6,4 cêntimos. O preço de referência a nível internacional subiu praticamente 20 cêntimos.
No último boletim publicado pelo regulador, referente ao mês de outubro, apontava-se que a botija mais comercializada em Portugal custava 27,97 euros se preenchida com gás propano (11 quilos) e 27,74 euros se no interior estivesse butano (13 quilos). Mais 4 cêntimos e 3 cêntimos por quilo, respetivamente, do que no mês anterior.
“O preço do GPL, tal como outras formas de energia, está sujeito às flutuações nos mercados internacionais”, nomeadamente do barril de petróleo, explica José Alberto Oliveira, diretor técnico da Apetro – Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas. Embora, reconhece, existam diferenças associadas a efeitos de sazonalidade e à especificidade dos respetivos mercados.
Na ótica de José Alberto Oliveira, são as cotações internacionais que justificam a subida do preço médio de venda ao público do gás em garrafas face ao trimestre anterior. Isto, apesar da descida dos custos de armazenagem, distribuição e comercialização. Ressalva, contudo, que “como aliás já se está a observar, o preço do crude desvalorizou fortemente nos últimos dias, à semelhança do que aconteceu em muitas outras situações anteriores”.
CONCENTRAÇÃO DO MERCADO PREOCUPA
A comercialização do GPL embalado é desenvolvida em regime de mercado, pelo que os preços são estabelecidos consoante a dinâmica da concorrência. Contudo, este mercado “evidencia um elevado nível de concentração” para os produtos propano e butano, lê-se no relatório já referido, que se debruça sobre os preços entre 2018 e 2020.
Os três principais operadores – Galp, Rubis e Repsol – têm uma representação sistemática superior a 85% no mercado de butano embalado. Estes três operadores são também detentores das três maiores instalações de receção, armazenamento e expedição de produtos de GPL. A integração vertical e outras alianças empresariais ajudam os operadores a acumular ganhos, indica a ERSE.
“Esta configuração do mercado culmina com a prática de margens de comercialização elevadas, as quais se revelaram particularmente altas e sem fatores estruturais que o justifiquem, no contexto de fragilidades socioeconómicas decorrentes do estado de emergência decretado” em 2020, concluiu o regulador. “Sempre que detete irregularidades no funcionamento do mercado, a ERSE atua junto das entidades competentes e do Governo”, garante o regulador, em resposta ao Expresso.
JÁ HOUVE INTERVENÇÃO. MAS AINDA FALTA
No início de 2021 entrou em vigor um regime de preços máximos na comercialização de GPL engarrafado, designadamente no período de vigência do estado de emergência, compreendido entre 18 de janeiro e 30 de abril, à semelhança do regime que vigorou em 2020 entre 17 de abril e 2 de maio. Nestes dois períodos, o governo fixou os preços máximos para o gás de petróleo liquefeito (GPL) engarrafado. Mas, desde o dia 1 de maio que voltou a vigorar o regime de preços livres na comercialização deste gás.
“As soluções tardam ou nem sequer têm sido implementadas nesta área que afeta mais de metade das famílias portuguesas”, acusa a Deco Proteste.
Entre as medidas que ficaram pelo caminho, esta entidade assinala o projeto de garrafas de gás solidárias (tarifa social para o gás engarrafado) e a imposição de um redutor universal para todas as marcas. Ao mesmo tempo, o gás remanescente nas garrafas que não é consumido quando a botija é substituída continua a ser pago.
Quanto ao plano de apoio à eletrificação de consumos, a Deco considera-o “esquecido”, pelo que “a maioria dos consumidores continuam “presos” à garrafa de gás”.
Pedro Silva vê como “necessária” uma estratégia que permita migrar parte significativa dos consumidores dependentes do GPL engarrafado para eletrodomésticos mais eficientes e menos poluidores baseados na eletricidade, sugerindo que parte dos fundos disponíveis para a transição energética revertesse para um programa de apoio à reconversão.
Mais no imediato, a Deco Proteste vê como adequada a descida da taxa de IVA para os 6%, tal como em toda a energia doméstica, “algo que teria um impacto substancial” na redução da fatura energética das famílias.
COMO POUPAR?
Apesar de o aumento de preços ser universal, “o consumidor deve procurar alternativas mais em conta”, defende a Deco Proteste. Uma forma de o fazer é pesquisar os preços nos diferentes pontos de venda, com o objetivo de encontrar melhores oportunidades de compra. Há ferramentas online que facilitam esta pesquisa. Neste exercício, alerta, os consumidores não devem restringir-se à marca que utilizam atualmente – podem trocar.
Consumos mais controlados também ajudam. Algumas dicas práticas são reduzir a temperatura ou caudal do esquentador, e também desligar o fogão um pouco antes de terminar o tempo de confeção dos alimentos, aproveitando o calor residual.
Finalmente, no horizonte mais longo, “o consumidor deve considerar alternativas mais eficientes para estes fins – cozinhar e águas quentes sanitárias -, como as placas de indução ou bombas de calor”, diz a mesma entidade. “Este tipo de aparelhos têm uma eficiência bastante superior e permitem um retorno de investimento em alguns anos”, assinala Pedro Silva.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL