A causa da ponte entre Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana tem sido marcada, ao longo do último ano, por uma sucessão de boas notícias. Não se trata de meras palavras, traduzem factos positivos, consistentes e concretos. Apesar disto, o cepticismo provocado pelas decepções do passado subsiste em muitas cabeças, incluindo as dos seus defensores. Sem esquecer o passado, salientemos o que há de novo.
Esperanças e Decepções
A “causa da Ponte” tem sido um longo processo de esperanças e grandes decepções.
Vivi pessoalmente uma fase em que parecia certo que a ponte ia mesmo tornar-se uma realidade. Foi, entre 1999 e 2002, durante o segundo governo de António Guterres. Este tinha acordado com o seu homólogo espanhol, Aznar, na cimeira de Albufeira, a construção da ponte. Pegando-lhe na palavra, a Associação Transfronteiriça ATAS desenvolveu, em Alcoutim e Sanlúcar, uma intensa movimentação pela construção da ponte que compreendeu, entre muitas outras acções, um abaixo-assinado largamente subscrito, uma manifestação no rio com os barcos a fazerem uma ponte e uma delegação a Lisboa, constituída pelo Presidente da Câmara de Alcoutim, de então, Francisco Amaral, o Alcalde de Sanlúcar, de então, Cândido Saldanha, e representantes da Associação. Recebida pelo chefe de gabinete do Primeiro-Ministro, regressou com as melhores esperanças. Na verdade, passado pouco, iniciaram-se os trabalhos para o Estudo Prévio, que determinaram a localização da ponte, em concordância com as conclusões de uma reunião de autoridades portuguesas e espanholas, entretanto efectuada na Câmara de Alcoutim, e apontou trabalhos a fazer em matéria ambiental e outras exigências de natureza técnica. Soubemos que o relatório do Estudo tinha sido entregue ao ministro competente.
Entretanto, após eleições legislativas, o Governo do PS foi substituído por um governo do PSD. Caiu um grande silêncio sobre o processo da Ponte. Para tentar saber o que se passava, o Presidente da Câmara, Francisco Amaral, e eu, na qualidade de presidente da Associação Transfronteiriça ATAS, fomos a Lisboa, desta vez à Junta Autónoma das Estradas, nome que conservava na altura,
Fomos recebidos pelo presidente e por uma engenheira sua assessora. Esta, com todo o desplante, o silêncio do seu presidente e o nosso grande espanto, informou-nos que sobre a Ponte não constava nada nos seus serviços, Não sabia nada sobre o Estudo prévio, nem sobre uma dotação do PIDDAC, que lhe referimos, além do mais, sublinhou, a obra não constava no plano rodoviário nacional. Assim, o PSD reduziu a zero o processo da Ponte, enterrando-o bem fundo.
Com o PS de novo no poder, o secretário de Estado, Paulo Campos, tentou reanimar o processo, mas a chegada da crise financeira de 2008 e a volta do PSD, com a troica, deixou tudo parado.
Durante vários anos a Ponte desapareceu do noticiário político, salvo no Festival do Contrabando, da iniciativa da Câmara Municipal de Alcoutim, já com Osvaldo Gonçalves, onde a Ponte tem sido sempre lembrada através do lançamento de uma ponte móvel entre as duas margens
Perspectivas Consistentes
O regresso da causa da Ponte Alcoutim-Sanlúcar ao noticiário político nacional foi trazido pelo Primeiro-Ministro, António Costa, durante a cimeira Luso Espanhola, de outubro de 2020. Anunciou que a obra seria incluída na Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriça, aprovada nessa ocasião.
Seguiram-se várias notícias sobre a inclusão da construção da Ponte entre as prioridades do PRR para o Algarve.
Depois meteu-se a pandemia.
Mas na primeira semana de Setembro de 2021 foi assinado em Alcoutim o contrato de financiamento inscrito no Plano de Recuperação e Resiliência para a construção da Ponte até 2025, no montante de 9 milhões de euros.
Em princípios de Outubro, a Comissão Luso/Espanhola para a Cooperação Transfronteiriça, reunida em Mérida, confirmou a prioridade à Ponte Alcoutim-Sanlúcar.
Já em meados de Outubro, a imprensa algarvia noticiou que a Comissão de Desenvolvimento Regional do Algarve tinha entregue às autoridades espanholas a proposta para a construção da Ponte, já consensualizada entre os municípios dos dois lados da fronteira. Segundo a proposta, o projecto de execução deverá ser lançado no primeiro trimestre de 2022, a contratação da empreitada até ao terceiro trimestre de 2024 e a conclusão até 2026.
Mais recentemente, o presidente da CCDR Algarve, José Apolinário, anunciou que vai ser criada uma comissão de acompanhamento do processo da Ponte, constituída por entidades portuguesas e espanholas.
Em face destas consistentes perspectivas, parece que já nada poderá travar a construção da Ponte. No entanto, há que ter em conta que os meios centralistas de Lisboa acham sempre mal-empregado e excessivo o investimento feito no Interior. Por exemplo, o Editorial do Expresso de 17 de Setembro amesquinhou a luta pela Ponte, dizendo que ela será usada nem que seja para ir comer “puntillitas” ou encher o depósito em Espanha.
A estas e outras intrigas, respondeu Osvaldo Gonçalves, Presidente da Câmara de Alcoutim, no acto de posse de novo mandato, salientando que importa continuar a intervir de forma articulada com entidades regionais e os governos de Portugal e de Espanha para tornar a Ponte uma realidade.
A Ponte é fundamental para o desenvolvimento de Alcoutim, mas é igualmente para o desenvolvimento de todo o Nordeste Algravio e, em ligação com o IC 27, devidamente concluído, para o Baixo Alentejo, também.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico