O belga, de 20 anos, é a estrela emergente do pelotão e a sua atitude evidencia que está ciente (e gosta) do seu recém-adquirido estatuto – na terceira etapa da 46.ª Volta ao Algarve, que venceu, foi mesmo repreendido formalmente pelo colégio de comissários por chegar atrasado à cerimónia protocolar que assinala a partida simbólica de cada tirada.
Seja por imaturidade, ou por excesso de confiança, o ‘miúdo’ com cara de ‘teenager’ rompe com o discurso pré-formatado da maioria dos seus colegas, e responde, amiúde em jeito de desafio ou com ironia, às questões dos jornalistas, que gravitam em seu redor quase como hipnotizados pela sua figura.
Evenepoel é um fenómeno e o seu currículo precoce comprova-o: no ano de estreia no pelotão, e no espaço de apenas dois meses, venceu a Hammer Limburg, a Volta à Bélgica, foi terceiro nos campeonatos nacionais de contrarrelógio, triunfou na Clássica de San Sebástian e sagrou-se campeão europeu de ‘crono’ – em setembro, haveria ainda de tornar-se vice-campeão mundial da especialidade.
À ‘explosão’ de 2019, que lhe valeu o epíteto de novo Eddy Merckx e o prémio de desportista belga do ano (foi o primeiro ciclista a ser distinguido desde que o campeão olímpico de fundo do Rio2016, Greg Van Avermaet, recebeu o galardão), seguiu-se a consolidação nesta época, na qual conquistou a geral das duas únicas provas em que participou (há menos de um mês, foi o melhor na Volta a San Juan).
O mais curioso é que o jovem de Deceuninck-QuickStep poderia nem ter sido ciclista; nascido em 25 de janeiro de 2000, nos subúrbios de Bruxelas, Evenepoel começou a jogar futebol aos cinco anos e era tão talentoso que foi ‘captado’ pelas escolinhas do Anderlecht, antes de rumar aos holandeses do PSV Eindhoven.
O percurso bem-sucedido nos relvados do então lateral esquerdo levou-o à seleção nacional belga, que representou nos escalões sub-15, sub-16 e capitaneou por uma vez nos sub-17. Embora o seu potencial fosse mais do que (re)conhecido no futebol, o pequeno Remco (tem apenas 1,71 metros) decidiu seguir os conselhos do pai, o antigo ciclista profissional Patrick Evenepoel, que considerava que os atributos físicos do filho eram os de um campeão velocipédico.
O ‘salto’ para o ciclismo foi fulgurante: ganhou 34 das suas primeiras 44 corridas, e, nos Mundiais de Innsbruck (2018), conseguiu algo inédito na modalidade, unindo o ouro no ‘crono’ de juniores ao título mundial de estrada, um feito alcançado apesar de uma queda e de uma demorada mudança de roda (e até de ter o ‘13’ preso ao dorsal) e festejado com um gesto ‘copiado’ de Cristiano Ronaldo – agarrou o queixo afagando uma barba imaginária, uma metáfora para o trocadilho entre ‘goat’ (cabra) e G.O.A.T (‘greatest of all time’, o melhor de sempre na tradução em português).
Com um palmarés tão impressionante, o primeiro contrato como profissional era uma questão de tempo. Como não poderia deixar de ser, a Deceuninck-QuickStep, a melhor equipa do Mundo, ofereceu-lhe em 2018 um lugar no ‘Wolfpack’, o nome pelo qual é conhecido o elenco de talentos da formação belga.
O triunfo de hoje na 46.ª Volta ao Algarve reitera o imenso potencial do jovem belga, que, ainda assim, terá um longo trajeto a percorrer para alcançar os feitos de Eddy Merckx, um ciclista (o melhor de sempre) com quem não quer ser comparado.
“Não gosto de ser apelidado de novo Merckx. Hoje em dia, tudo é diferente e nenhum corredor é igual a outro. Eu não sou o novo Merckx, sou o novo Evenepoel”, disse numa entrevista, demonstrando a autoconfiança inabalável que emana dia após dia.