Desde os primórdios da cristandade que a data da Páscoa, dia em que se celebra a ressurreição de Cristo, é fundamental para a estruturação de todo o calendário litúrgico cristão.
Mas a determinação inequívoca do dia da Páscoa para que esta pudesse ser celebrada no mesmo dia do calendário por toda a cristandade, independentemente da sua localização geográfica, constituiu um problema que só foi normalizado no primeiro concílio ecuménico ocorrido em Nicéia no ano 325 d.C.
Nesse concílio, convocado pelo imperador romano Constantino, foi determinado que o dia da Páscoa fosse celebrado no primeiro Domingo depois da primeira Lua Cheia que ocorresse no, ou logo a seguir ao equinócio da primavera, no hemisfério norte (cerca de 21 de Março). É esta a regra desde então para determinar o dia de Páscoa e, assim sendo, a Lua estará sempre em fase cheia.
Mas a determinação do equinócio, através do calendário então seguido, não garantia uma “coincidência” entre a previsão e a realidade, por imperfeição contida no mesmo. O calendário Juliano (assim designado em honra a Júlio César) em vigor ao tempo do concílio de Nicéia acumulava uma imprecisão de cerca de 11 minutos e 14 segundos em excesso em cada ano.
Por volta de 1582, a inexactidão do calendário Juliano teve como resultado que o equinócio da primavera ocorreu no dia 11 em vez de 21 de Março como se esperaria. Este desfasamento introduzia erros no calendário religioso cristão e, na prática, o dia de Páscoa era celebrado em dias diferentes em diversos pontos do hemisfério. Era preciso fazer alguma coisa para reacertar o calendário oficial.
O Papa Gregório XIII (1502 – 1585) criou uma comissão liderada pelo jesuíta matemático e astrónomo Christoph Clavius (1537-1612) para resolver o problema.
Na sua bula Inter Gravissimas, o Papa Gregório XIII consagra o trabalho matemático e institucionaliza o calendário que ainda hoje seguimos no ocidente e que tem o seu nome (calendário gregoriano). Resulta de um muito satisfatório conjunto de regras de acertos regulares nos anos ditos bissextos, o que assegura um compromisso aceitável na predição dos movimentos relativos de translação da Terra ao redor do Sol e da Lua em redor da Terra.
Acrescente-se, contudo, que a determinação do dia de Lua Cheia, para a determinação do domingo pascal, não faz uso das tabelas astronómicas, mas sim do definido nas Tabelas Eclesiásticas que, apesar de não incluírem com rigor o movimento complexo da órbita da Lua, são suficientes para permitir uma regular e uniforme determinação de um mesmo momento por toda a cristandade ocidental, independentemente da sua latitude e longitude.
*António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência, entre os quais se destacam “Íris Científica” (Mar da Palavra, 2005 – Plano Nacional de Leitura),”Caminhos de Ciência” com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011) e “Diálogos com Ciência” (Ed. Trinta por um Linha, 2019 – Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular “Ciência às Seis”, no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra. Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.