Entrevista a João Fialho, professor e investigador da British University Vietnam na área da Modelação Matemática.
«Também cá fora é necessário lutar pelo financiamento dos projectos de investigação, mas ao contrário de Portugal, a maioria da investigação que aqui vejo ser financiada é a que apresenta um alto grau de aplicabilidade ou que tem uma maior possibilidade de se tornar rentável ou comercializável.»
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?
Desde que saí de Portugal em 2012, com a família, lecciono Matemática em instituições de Ensino Superior e sou investigador em Matemática, mais propriamente em Modelação Matemática. Passámos até agora pelas Bahamas e pelo Kuwait, e encontramo-nos actualmente a viver no Vietname.
Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
A investigacao em Matemática, mais especificamente em modelação, e uma área em franca evolução nesta fase. Encontrar modelos que descrevam fenómenos em áreas tão diversas como física, desporto, biomecânica, medicina, economia, etc., é algo que sempre me motivou e entusiasma. É um constante resolver de puzzles! Em modelação, especialmente se estivermos a falar de modelação usando Big Data, o objectivo é a criação de modelos e acima de tudo previsões, utilizando ligações ou conexões entre variáveis. Hoje em dia conseguem-se estabelecer modelos que são usados em todas as áreas e a utilização deste género de modelos tem sido aplicada até nas reviravoltas surpreendentes que vimos tanto nas eleições presidenciais nos EUA, como no referendo sobre o Brexit no UK. O poder de criar modelos matemáticos permitiu aos analistas perceber as palavras e termos-chave a que o público era mais sensível e usar essa informação para inverter os resultados.
De momento estou a trabalhar em dois tipos de modelos diferentes – um na área da biomecânica, fazendo modelação de terapias utilizadas no tratamento da escoliose, e outro na área do desporto – desenvolvendo algoritmos de previsão de padrões de sucesso em remates da marca de grande penalidade. Ambos são modelos muito interessante e utilizam métodos totalmente diferentes.
Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?
Em 2012, quando saí de Portugal, o objectivo era seguir uma carreira académica, pois em Portugal tinha trabalhado no ensino e em empresas do sector privado, fazendo análise de dados e modelos matemáticos para previsões. Ao sair de Portugal, encontrei as mesmas dificuldades que a maioria dos investigadores encontram em Portugal: problemas no financiamento dos projectos de investigação. Também cá fora é necessário lutar pelo financiamento dos projectos de investigação, mas ao contrário de Portugal, a maioria da investigação que aqui vejo ser financiada é a que apresenta um alto grau de aplicabilidade ou que tem uma maior possibilidade de se tornar rentável ou comercializável. Esse foi talvez o aspecto onde penso que tive que me reajustar mais. Sinceramente, agora, parece-me uma política que faz bastante sentido.
Outro factor a realçar é o elevado grau de preparação dos nossos investigadores quando comparados com investigadores de outros países. Acho que em termos de preparação cientifica, os portugueses estão bastante bem preparados, bem acima da média.
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
No geral, o nosso grau de preparação científica é bastante alto. Contudo, a minha opinião é que, salvo algumas excepções, o nosso grau de aplicabilidade é ainda muito baixo. Acho que nos falta a noção também empresarial/financeira que a investigação pode ter.
Em Portugal, há ainda muita burocracia tanto nos concursos públicos como nos concursos a bolsas, e pouca ênfase na parte das aplicações. Deveria existir uma maior ligação entre o mundo empresarial e o mundo académico. Falta essa aplicação dos nossos resultados ao nosso panorama. Temos qualidade cientifica de vanguarda, falta a orientação para a parte empresarial. Por exemplo, porque deve um projecto cientifico ser avaliado pelo número de publicações ou patentes e não pelo lucro ou mais-valia que pode gerar? Noutros países esta realidade já existe.
Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
Estas iniciativas e organizações são sempre de louvar. O papel do investigador português deve ser divulgado. Somos investigadores reconhecidos cá fora, mas trazemos sempre a nossa bandeira connosco. Portugal tem mais para oferecer para além do futebol e essa é também a imagem que nós deixamos. É sempre positivo podermos partilhar a nossa experiência e podermos contribuir para a evolução da nossa “marca”, Portugal, tanto fora como dentro do pais.
Consulte o perfil de João Fialho no GPS – Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.
GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva