A expressão artística por pessoas sem formação em artes visuais, em particular através da pintura e do desenho, tem ocorrido ao longo dos tempos.
Inclusivamente, a história de arte, mesmo a mais recente, quando já havia ambientes formais para a aprendizagem artística, mostra-nos que muitos artistas conceituados não tiveram formação em “Belas Artes”. Desde Van Gogh, um dos principais nomes, sobretudo no desenvolvimento do movimento impressionista, a Yves Klein, que estudou na Escola Nacional da Marinha Mercante e na Escola Nacional de Línguas Orientais, não tendo formação académica em artes.
Embora para alguns a definição de artista passe por ter uma formação académica em artes, ao longo do século XX foi crescendo a aceitação de que quem não tivesse essa formação também poderia ser considerado artista, tendo surgido várias designações para enquadrar este tipo de expressão artística.
Desde logo, no final do século XIX, foi usado o conceito de “arte naïf” para descrever os artistas autodidatas que desenvolviam uma linguagem pessoal e original de expressão. O termo naïf significa ingênuo ou inocente, tendo sido usado pela primeira vez em 1866, em relação às pinturas de Henri Rousseau, após este ter exposto no Salão dos Independentes.
No entanto, verificou-se que, ao ser rotulado com o termo naïf, com o objetivo de menosprezar a sua obra, ocorreu o inverso. As críticas desfavoráveis, com o passar do tempo, acabaram por despertar a atenção e curiosidade para conhecer o seu trabalho, com a posterior aceitação do mesmo.
Assim, embora despertando a ironia da maioria dos críticos acadêmicos, as suas pinturas foram inclusivamente valorizadas por figuras de vanguarda na época, em particular os pintores Robert Delaunay, Paul Signac, Picasso, Matisse, Paul Gaugin e Kandinsky.
Feita sem muito domínio técnico, a arte naïf geralmente é praticada por pessoas que não estudaram arte e criam suas obras guiadas pelo instinto e pela sensibilidade.
O artista naïf caracteriza-se por ser autodidata, desconhecer ou recusar as regras académicas ou clássicas de composição e técnica, sendo a originalidade, a criatividade e a espontaneidade as principais características da sua produção artística.
É diferente do artista folclórico ou tradicional, como os indígenas e certas formas de arte popular, pois o artista naïfnão repete padrões fixos herdados dos ancestrais ou da coletividade.
A arte naïfmuitas vezes é associada à arte infantil, pela característica espontaneidade e liberdade criativa, mas distingue-se dela por não ser o resultado de um estágio específico de maturação cognitiva e motora.
De entre os praticantes de artes visuais sem formação académica neste domínio contam-se as pessoas com experiência de doença mental.
Para estas situações particulares também surgiram diversas designações na literatura. Desde logo, no final do século XIX surgiu o termo de “arte degenerada”, dizendo respeito às produções artísticas de “artistas rebeldes” ou de pessoas com doença mental, que se desviavam das regras tradicionais, sendo desvalorizadas e consideradas como “lixo”. Este termo teve particular destaque durante o regime Nazi, na Alemanha, em que foram consideradas como “degeneradas” todas as obras de arte que não estavam de acordo com o ideal de beleza clássico e naturalista.
Em 1947 surgiu ainda um outro conceito, a “arte bruta”, usado para procurar descrever as produções artísticas realizadas de forma completamente livre, resultando da pulsão criativa de cada artista, sem imposição de regras académicas, pois estas poderiam limitar a liberdade de expressão criativa. Jean Dubuffet foi o primeiro a usar este conceito, como título de uma exposição de obras da sua autoria. O conceito de arte bruta pretendia integrar as produções de artistas marginais, de arte naïf,de arte primitiva e ainda de doentes mentais. Em 1948, Dubuffet fundou a Companhia de Arte Bruta, à qual pertenceram diversos artistas que vieram a ter algum destaque na história de arte, como André Breton ou Michel Tapé.
Mas especificamente para enquadrar as obras de pessoas com doença mental surgiram outras designações ao longo do século XX, nomeadamente arte pura, arte visionária ou arte marginal.
No entanto, tendo em conta que a espontaneidade é comum aos processos envolvidos na produção artística em qualquer destas designações, o conceito de arte espontânea parece ser o mais abrangente e consensual para descrever a expressão artística de pessoas diagnosticadas com doença mental.
Assim, o conceito de arte espontânea designa as obras que apresentam qualidades de expressão estética, na forma de desenho, pintura ou escultura, realizadas por pessoas com experiência de doença mental.
E a arte espontânea pode ter um papel muito importante para a estabilização e recuperação no âmbito da saúde mental.