Os dois candidatos à liderança do PSD, que este sábado se decide, Rui Rio e Paulo Rangel, divulgaram recentemente as moções de estratégia global em que apresentam as principais ideias para o partido e o país, com diferenças claras sobre os cenários pós-legislativas.
As duas moções começam por se distinguir na forma. Rio, presidente do PSD desde 2018, optou por um texto curto (18 páginas), intitulado “Governar Portugal”, mais centrado em mensagens políticas, e em que remete várias vezes para a sua proposta de estratégia global de há dois anos ou para o programa eleitoral que levou às legislativas de 2019.
Já o eurodeputado Paulo Rangel apresentou uma moção que já contém “o diagnóstico e a visão” que virá a detalhar num programa eleitoral para as várias áreas da governação, se vencer as eleições diretas do próximo sábado. O texto, com 66 páginas, intitula-se “Portugal: Ambição e Esperança”.
Entre as duas moções, a maior divisão está na forma como os dois candidatos abordam os cenários de governabilidade após as legislativas de 30 de janeiro. Ambos apontam o combate à corrupção como uma prioridade e defendem políticas económicas que favoreçam o aumento do crescimento económico, a redução da carga fiscal e a melhoria dos salários aos portugueses. A recusa de “preconceitos ideológicos” entre público e privado na área da saúde ou a prioridade à infância na educação é também partilhada por Rio e Rangel.
Seguem-se as ideias essenciais das duas propostas de estratégia global em algumas áreas-chave:
ESTRATÉGIA ELEITORAL
RUI RIO
Defende que as próximas eleições se vão decidir “ao centro do espetro político-partidário” e que o PSD está em condições de governar Portugal com “uma liderança responsável, credível e mobilizadora”.”Importa construir uma nova maioria sem linhas vermelhas, assente no diálogo e no compromisso, à esquerda ou à direita, cujo único limite será a da moderação, do respeito pelas instituições constitucionais e a do superior interesse nacional”, refere.Rio defende ainda que “ao PSD exige-se-lhe que assuma uma conduta responsável, colocando os interesses de Portugal acima dos interesses do Partido”. “Não é pelo facto de elevarmos mais a voz que passamos a ter maior razão. A ‘política espetáculo” não pode ter lugar num partido que aspira a governar Portugal”, afirma.
PAULO RANGEL
Defende que o PSD deve apresentar-se em listas próprias às legislativas antecipadas de 2022, com o objetivo de alcançar uma vitória em linha com a sua vocação maioritária”, e que “se traduz preferencialmente na obtenção de uma maioria absoluta ou na formação de uma maioria estável”, aberta aos parceiros naturais (CDS e IL), “que sustente um governo com o horizonte da legislatura”. “No quadro pós-eleitoral, e sem prejuízo do respeito pela vontade expressa pelos eleitores, o PSD deve recusar a solução de bloco central ainda que de meia legislatura. O PSD deve recusar também a formação de coligações ou alianças com forças políticas radicais, sejam de direita ou de esquerda”, refere. Por outro lado, apela a um PSD que não se conforme “com o objetivo menor de retirar a maioria absoluta ao PS ou de viabilizar ou apoiar a continuidade da governação socialista”. “O líder do PSD tem sempre de ser o candidato a primeiro-ministro, não se reduzindo a ser um proto-candidato a vice-primeiro-ministro, ou a um apoio de recurso ao PS e a António Costa”, sublinha.
COMBATE À CORRUPÇÃO E QUALIDADE DA DEMOCRACIA
RUI RIO
Elege o combate à corrupção como “uma das suas bandeiras”, considerando que a prioridade “tem de centrar-se na eliminação dos contextos que favorecem essa corrupção”. “Temos de afirmar a nossa independência face às oligarquias, eliminar a lógica clientelar no acesso aos cargos públicos e contrariar a ação das parentelas na ocupação do aparelho do Estado, das autarquias e empresas públicas, especialmente nos órgãos executivos de nomeação”, refere.
PAULO RANGEL
Aponta o combate à corrupção como “uma prioridade” e propõe a criação de “uma agência anticorrupção altamente especializada e com poderes efetivos de investigação, prossecução criminal e sensibilização”. A despartidarização da administração pública e a possibilidade de escrutínio público das decisões de investimento do Estado são outras propostas de Rangel para melhorar a qualidade da democracia portuguesa, tal como “uma nova orgânica governativa e do Estado que garanta maior estabilidade nos serviços públicos” e prémios para os funcionários públicos em função não só dos resultados, mas também de poupanças que o Estado possa obter.
JUSTIÇA
RUI RIO
Defende “uma reforma urgente” deste setor, apontando três problemas principais: “a organização com traços marcantes de corporativismo e não sujeita ao escrutínio público, a morosidade dos processos que ilude o respeito e defesa dos diretos fundamentais e os entraves ao acesso a este bem público fundamental por parte de todos os cidadãos”. Rio precisa que estes problemas “são mais expressivos na Justiça Administrativa e Fiscal pelos efeitos que produzem no funcionamento da economia” e recorda que o PSD já apresentou as suas propostas para a Reforma da Justiça, responsabilizando o PS por não ter havido um maior avanço.
PAULO RANGEL
A prioridade será o combate à morosidade, que pode passar por uma “simplificação processual”, mas também por “um maior poder dos juízes na condução dos processos”. “É necessário não permitir o uso meramente dilatório de normas e instrumentos jurídicos que visam a proteção do arguido, mas não isentar de punição certos comportamentos. As garantias do Estado de Direito não se devem transformar numa cobertura para, em nome do Estado de Direito, se atacar esse Estado de Direito, promovendo uma sujeição diferente ao Direito consoante se é rico ou pobre, poderoso ou frágil”, refere o texto.
IMPOSTOS
RUI RIO
A moção defende que “é urgente” inverter a política fiscal, apontando que “a maior carga fiscal na história das finanças públicas portuguesas é um dos maiores sufocos que inibe a mobilidade social ascendente e aumenta o risco de pobreza entre os que trabalham, não obstante serem mais qualificados, e os mais jovens”. “O Estado não pode continuar a fazer cada vez mais despesa para aumentar cada vez mais a carga fiscal. Onde e quando vamos parar?”, questiona o texto, sem mais detalhes.
PAULO RANGEL
Admite que o elevado endividamento público impede “uma redução significativa e brusca da carga fiscal”, mas defende que “é necessário ter uma estratégia para a sua redução gradual no médio prazo, que seja consistente com o novo modelo de desenvolvimento assente no talento e na inovação”. A moção considera que as negociações internacionais em curso para a fixação de uma taxa mínima de IRC de 15% “poderão também ser aproveitadas para um alinhamento da fiscalidade sobre os lucros das empresas portuguesas com o praticado nos outros países”. No IRS, que considera comparativamente elevado com o das economias europeias, admite-se “uma estratégia que faça reverter os ganhos de crescimento económico para a redução da carga fiscal, bem como as poupanças na despesa pública, que continuam a ser essenciais para a sustentabilidade das finanças públicas”.
SALÁRIOS
RUI RIO
“Não podemos continuar a assentar a nossa competitividade nos baixos salários quando demos passos decisivos no aumento das qualificações”, defende a moção do atual presidente. Para conseguir pagar melhores salários, a moção aponta como caminho “fazer crescer a riqueza gerada em cada ano a ritmos mais elevados, valorizar os recursos próprios e inovar nas ofertas e nos processos produtivos, nomeadamente pela maior integração na economia digital e pelo recurso às novas tecnologias”.
PAULO RANGEL
A moção do eurodeputado reconhece “a importância do aumento do salário mínimo”, mas defende que “é necessário recentrar a discussão no aumento generalizado dos salários”. “Uma condição necessária para o aumento sustentado dos salários é o crescimento da produtividade e esta tem estado estagnada desde o início do século XXI”, refere o texto. Como caminho, propõe “criar um ambiente económico que favoreça o crescimento de empresas inovadoras, sendo os processos de fusão e aquisição também um instrumento para dar às empresas portuguesas uma dimensão que as capacite para competir internacionalmente com base na inovação e diferenciação de produtos e serviços.
SAÚDE
RUI RIO
Entre os serviços públicos, o presidente do PSD elege a situação do Serviço Nacional de Saúde como “a mais grave”. “Para além dos crónicos problemas de subfinanciamento, o SNS é vítima de uma gestão sem critério, sem autonomia nem responsabilidade que a transforma em ineficiência estrutural”, refere o texto. Para Rui Rio, “não há alternativa” a considerar os serviços de saúde, públicos e privados, “como um todo, mobilizando todos os recursos disponíveis para a concretização do objetivo principal: assegurar um bom serviço de saúde, em tempo e com qualidade”.
PAULO RANGEL
A moção salienta que “ser defensor do Serviço Nacional de Saúde não significa ser conservador em relação a ele, antes pelo contrário”, insistindo que os regimes de gestão dos hospitais do SNS devem ser decididos em função do princípio da qualidade “e não em preconceitos ideológicos”. “É necessário pensar o SNS com base nas evidências e nos dados e não com base em preconceitos ideológicos (…) O pilar fundamental tem de ser a garantia de acesso universal a cuidados de saúde para todos os portugueses”, defende.
EDUCAÇÃO
RUI RIO
Inclui este setor como um dos “desafios prioritários” para o país e alerta que, “após quinze anos de progressos assinaláveis o sistema educativo português dá os primeiros sinais de retrocesso”. Rio aponta como principais problemas desde 2015 “a desorganização do sistema de ensino, o envelhecimento, a desmotivação e a não renovação dos quadros docentes” e define uma prioridade. “A reforma da educação tem de começar pelas bases, a saber, a educação de infância (creches e infantários) acessível a todas as crianças, promoção do sucesso escolar, rigor e clareza curricular, diversidade pedagógica, instrumentos sistemáticos de avaliação das aprendizagens, dignificação da profissão docente e autonomia das escolas”, defende-se na moção.
PAULO RANGEL
Para lá da maior autonomia das escolas e da valorização da carreira dos professores, a moção de Rangel aponta três prioridades nesta área. Garantir a oferta gratuita e universal do ensino pré-escolar entre os três e os cinco anos – podendo mesmo estabelecer-se a sua obrigatoriedade – e apostar no ensino e na formação profissional e técnico-profissional, seja no grau secundário, no nível superior, seja num nível independente de ambos ao longo da vida. Finalmente, o eurodeputado defende maior exigência no ensino básico e secundário, passando pelo regresso das provas de aferição no final dos ciclos do ensino básico.
DESCENTRALIZAÇÃO E REGIONALIZAÇÃO
RUI RIO
Apesar de se referir muitas vezes publicamente à necessidade do aprofundamento da descentralização, o atual presidente do PSD não aborda diretamente este tema na sua moção e apenas no capítulo relativo à demografia refere que a quebra de população afeta de forma mais grave as regiões do interior.
PAULO RANGEL
A moção do eurodeputado quer o reforço da participação regional nas instâncias de decisão central, sugerindo que as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) tenham “representação direta na cúpula decisória de agências económicas do Estado, como a AICEP ou a autoridade de gestão do programa COMPETE. “Deve ser criado um Conselho de Ministros para o Território, com periodicidade mensal, que integre os ministros competentes em razão da matéria e os presidentes das CCDR”, propõe ainda a moção, que aponta também a importância de garantir a cobertura universal das comunicações digitais (seja de rede móvel, seja da nova rede 5G). A moção de Rangel aborda ainda a questão da regionalização, defendendo que “deve começar a ser preparada”, e sugere que se possa equacionar uma “região administrativa piloto” como a do Algarve, que exigiria uma revisão constitucional.
SISTEMA POLÍTICO E MODERNIZAÇÃO DO PARTIDO
RUI RIO
O presidente do PSD incluiu na sua moção a necessidade de “iniciar uma reforma do sistema político que comece nos partidos políticos e acabe na própria reforma do Estado e das suas instituições centrais”. “O afastamento dos cidadãos expresso no seu indiferentismo e o défice de confiança nas instituições são sinais que deveriam mobilizar todos os partidos para uma reflexão em torno da sua organização, da sua ligação à sociedade e dos mecanismos de representação”, aponta a moção, que não se refere à proposta de revisão da lei eleitoral para a Assembleia da República já apresentada publicamente por Rio.
PAULO RANGEL
Propõe-se criar uma Comissão de Ética para avaliar a “integridade” dos candidatos do partido a deputados e presidentes de Câmara e lançar um debate sobre primárias abertas a simpatizantes, que culminaria com um referendo interno no PSD. Rangel defende ainda a criação de uma Academia de formação política permanente, passando o pagamento de quotas no PSD a poder ser substituído pela frequência de ações formativas.
Presidência do partido: eleições diretas em que podem votar perto de 46 mil militantes
O atual líder do PSD, Rui Rio, e o eurodeputado Paulo Rangel disputam este sábado a presidência do partido, em eleições diretas em que podem votar perto de 46.000 militantes.
De acordo com o site do PSD, o universo eleitoral para as décimas eleições diretas do partido é de 45.973 militantes, aqueles que têm as quotas em dia para poder votar.
A eleição decorre em todo o país entre as 14:00 e as 20:00 e, a partir do fecho das urnas, a secretaria-geral do PSD irá disponibilizar a evolução dos resultados das eleições em tempo real no site https://resultados.psd.pt, assim como o histórico das eleições anteriores.
Na sede nacional do partido, em Lisboa, uma equipa vai receber os resultados de todas as secções onde existem mesas de voto, que lançará no portal de resultados, sendo esta a segunda vez que o PSD disponibiliza os resultados das suas eleições diretas em tempo real.
Os dois candidatos votarão na mesma secção, na sede distrital do PSD-Porto, sendo Paulo Rangel o primeiro, pelas 14 horas, com Rui Rio a exercer o direito de voto uma hora mais tarde, às 15 horas.
O eurodeputado rumará depois a Lisboa, onde vai acompanhar os resultados num hotel da capital, enquanto o presidente do PSD escolheu um hotel do Porto (como fez nas duas anteriores eleições diretas) para a sua noite eleitoral.
Para Rui Rio, vão ser as terceiras diretas, tendo derrotado em 2018 Pedro Santana Lopes por 54% e em 2020 Luís Montenegro por 53%, numa inédita segunda volta no PSD.
Já Paulo Rangel disputará pela segunda vez a presidência do PSD, depois de ter concorrido em 2010 contra Aguiar-Branco e Pedro Passos Coelho, numa votração que Passos Coelho venceu com mais de 60% dos votos após uma derrota dois anos antes frente a Manuela Ferreira Leite.
Desde que foram introduzidas as diretas no PSD, em 2006, apenas um presidente em exercício se recandidatou e perdeu – Marques Mendes -, e dois recandidataram-se e ganharam, Pedro Passos Coelho e Rui Rio.
A vitória de Rui Rio sobre Luís Montenegro há dois anos na segunda volta por cerca de 53,2% dos votos contra 46,8% foi a mais curta de sempre entre os dois primeiros candidatos em eleições diretas na história do PSD, uma diferença de pouco mais de seis pontos percentuais e de 2.071 votos.
A ‘chave’ do resultado eleitoral deverá voltar a estar, como habitualmente, nas quatro maiores distritais do PSD: Porto, Braga, Lisboa e Aveiro registam, por esta ordem, o maior número de militantes em condições de votar, centralizando 53,5% do total (um pouco menos que os 57% de há dois anos), seguidas pela Madeira com quase 6% do total dos votos.
O apoio da maioria do “aparelho” a Rangel é reconhecido pelas duas candidaturas, com Rio a manifestar-se confiante de que “o voto livre” estará consigo e Rangel a rejeitar essa dicotomia entre “militantes livres e militantes escravos”.
Durante a campanha interna, o tema da governabilidade esteve quase sempre no centro das diferenças entre os dois: o presidente do PSD e recandidato foi manifestando abertura para entendimentos com o PS que permitissem viabilizar governos minoritários de um ou de outro para, pelo menos, por meia legislatura, enquanto o eurodeputado nunca esclareceu se viabilizaria um Governo minoritário do PS, rejeitando teorizar sobre cenários em que o PSD fica em segundo lugar.
Rangel foi repetindo que o seu objetivo nas legislativas é “uma maioria estável”, de preferência absoluta, embora também admitindo governar em minoria.
Ambos aceitam coligações com CDS-PP e IL após as eleições – Rio admite ainda um entendimento pré-eleitoral com os democratas-cristãos, Rangel prefere ir sozinho a votos – e os dois rejeitaram que o Chega possa ser incluído no Governo.
Se perder hoje as diretas, o atual presidente já disse que “acaba aqui” o seu percurso político, não pretendendo voltar a ser deputado. Já Rangel, se for derrotado, cumprirá o seu mandato de eurodeputado até 2024.