Cronista do “Expresso” desde 2008
Colaborou com “O Independente”, “Público” e “Diário de Notícias”, editou a “Atlântico”, fez jornalismo desportivo na “Doze”
Passei os últimos meses a dizer basicamente a mesma coisa: a grande questão não está nas escolas, as crianças não vão morrer de covid, o sarampo, sim, é uma ameaça grave para as crianças; o grande problema está nos lares de idosos; é inaceitável a desresponsabilização do Governo em relação aos lares; a obsessão com a segurança sanitária só faz sentido em redor dos lares de idosos; um #ficaremcasa tão largo e tão fanático terá como consequência o abandono dos velhos por uma série de razões, quer nos lares, quer em casa.
Foi o que aconteceu. Amedrontada, a sociedade abandonou os velhos, que são o principal alvo do vírus – uma cobardia que terá de ser analisada no seu devido tempo pela sociedade inteira.
No Expresso de sábado, João A. Correia, médico do Porto e Presidente da Sociedade de Medicina Interna, afirmou que muitas famílias abandonaram os velhos no contexto da covid. Eu adianto outro pormenor: os velhos já eram abandonados pelas famílias antes da covid. Portanto, o #ficaremcasa só veio legitimar esse comportamento, até porque a sociedade não responde com um clamor público, político, mediático. Esse clamor é para os cães.
Este é, aliás, o melhor resumo de 2020: os cães de Santo Tirso tiveram objetivamente mais atenção política, mediática e social do que os velhos de Reguengos, que morreram à sede; morreram porque foram abandonados por toda a gente: pela família, pelos responsáveis locais, pelo Governo, pelo Estado, pela sociedade urbanina e mediática que liga mais a animais do que a pessoas. O líder do CDS tem razão neste ponto: Portugal parece ser a experiência-piloto do animalismo de Peter Singer.
Portanto, chegámos a um ponto em que é objetivo afirmarmos que os cães são mais importantes para a sociedade portuguesa do que os idosos. Quando olhamos para as métricas mensuráveis da televisão, das redes sociais e do ‘ativismo’ de rua, fica claro que salvar cães mexe mais com a emoção dos portugueses do que salvar velhos (humanos). Isto não vos enche de nojo e de preocupação sobre o raio de país que estamos a construir?