Finito. Acabou-se. Para o ano há mais. Resta, aos crentes mais devotos e insanos, o “matematicamente possível” que de matemática nada tem. As dúvidas já seriam poucas, mas as poucas que houvesse foram desfeitas pelo empate do Benfica em Famalicão e mais uma vitória cinzenta de um FC Porto cinzento. O campeonato está entregue, com justiça e sem brilho.
Mas a culpa não é da equipa de Sérgio Conceição. Afinal, um campeão é pelo menos tão bom como o melhor dos seus adversários e não precisa de mais. Se o melhor adversário é paupérrimo, problema dele que assim obriga o rival a limitar-se a ser competitivo e competente. E, com altos e baixos, o Porto foi competente e competitivo, muito mais que o melhor dos seus adversários.
Uma das vantagens de um campeonato competitiva e desportivamente pobre como este é que, por paradoxal que pareça, a contestação ao campeão diminui. Os erros próprios de quem perde são tão evidentes que, por vergonha ou sensatez, ninguém se atreve a atirar as culpas para os árbitros, a Covid, o sistema – quer o sistema entendido como o conjunto de forças obscuras que supostamente controla o futebol português, quer o sistema solar.
Não quer isto dizer que a procura ativa de bodes expiatórios e o sacrifício público dos mesmos tenham terminado. Afinal, é preciso explicar aos leigos como é que o clube mais rico, com o melhor plantel e cujo presidente fez questão de não cortar salários durante a pandemia conseguiu perder o campeonato para um clube de finanças debilitadas e com um plantel desequilibrado, a galáxias de distância das melhores equipas do FC Porto.
A imolação de Bruno Lage não chega. Os deuses pedem mais. Mais sangue, mais sacrifícios. E quem melhor do que os jogadores, sobretudo os jogadores com mais peso no balneário, para representarem esse papel, poupando estrategicamente a cúpula do clube? Por essa razão, a notícia que circula há poucos dias segundo a qual Bruno Lage atribuiria o descalabro ao comportamento doloso de Pizzi, Rafa e André Almeida, e que foi desmentida pela comunicação do Benfica com uma prontidão e uma energia bastante suspeitas, chegou ao nariz dos adeptos carregando o odor inconfundível das mais engenhosas manobras de bastidores.
Vamos acreditar que Bruno Lage, qual fantasma do pai de Hamlet, anda por aí de armadura a alertar a família benfiquista – “Foi o trio! Cuidado com o trio” – em vez de permanecer caladinho a negociar os termos da rescisão. Porque é que o clube se sentiu compelido a “desmentir”? Desmentir o quê? Que Bruno Lage acha que alguns jogadores não deram o máximo? Se ele estiver convencido disso é compreensível que, ao desabafar com amigos, aponte o dedo a alguns jogadores. Seria uma atitude facilmente desculpada com o desalento, a frustração e o despeito. Mas nada que merecesse uma resposta tão longa do clube, “em defesa do bom-nome e reputação dos referidos atletas.”
E o desmentido, essa arma de comunicação que muitas vezes vem desmentir a mentira que se pôs a circular, torna-se mais suspeito do que a acusação em si. Tal como alguém que se desculpa sem ser acusado demonstra a própria culpa – excusatio non petita, accusatio manifesta – também aqueles que se excedem nas justificações apontam para si mesmos o dedo acusador. Continuando nos “latinzes”: cui bono? Quem ganha com este diferendo entre o ex-treinador e os jogadores? A quem interessa defender tão energicamente o profissionalismo e o bom-nome dos atletas que, antes desta notícia, não tinham sido postos em causa?
Uma coisa é certa, enquanto o pau vai das costas de Lage para as costas dos jogadores alguém fica de costas folgadas e a assistir de cadeirinha ao espectáculo. As manobras de diversão só não alteram a matemática e essa é clara: o campeonato, perdido ingloriamente, já foi. Mas, enfim, parece que Jesus está de volta e, se o nome não for um acaso, saberá uma ou duas coisas sobre pagar pelos pecados alheios.
– Crónica publicada pelo nosso parceiro Expresso – Tribuna.