Há nove anos a apoiar milhares de famílias algarvias, o Banco Alimentar Contra a Fome do Algarve cresceu 600% nos últimos quatro e arranca este fim-de-semana com a primeira campanha de recolha de alimentos deste ano, junto de cerca de 140 mil supermercados na região.
Mas desengane-se quem pensar que o Banco Alimentar só funciona nesta altura do ano. A azáfama é diária, afinal existem 23 mil pessoas para alimentar só na região do Algarve. “Trabalhamos todas as semanas do ano, não fechamos para férias”, afirmou ao POSTAL Nuno Alves, director geral do Banco Alimentar do Algarve.
Nuno Alves foi um dos fundadores do Banco Alimentar Contra a Fome do Algarve em 2007 e garante que, tendo em conta o crescimento que a delegação tem vindo a apresentar, não acredita que alguém, que esteja devidamente sinalizado, passe fome no Algarve.
POSTAL (P) – O que é que significa actualmente a campanha de recolha de alimentos do Banco Alimentar?
Nuno Alves (NA) – Neste momento a campanha do Banco Alimentar tem duas vertentes muito importantes: a primeira é o facto de esta ser a altura do ano em que o Banco Alimentar trabalha directamente com a comunidade. Porque um Banco Alimentar, como lida diariamente na luta contra o desperdício, acaba por trabalhar muito com a indústria e com uma série de parceiros e as campanhas são a altura em que a comunidade pode participar no projecto.
Para nós [Banco Alimentar] tem uma importância significativa porque se olharmos para os números globais do Banco Alimentar, estas duas campanhas anuais representam cerca de 20% daquilo que nós distribuímos. Dito assim podem pensar: isto é tão pouco, porque é que se dão ao trabalho de realizar a campanha? Porque a campanha representa 90% dos produtos secos, ou seja, do leite, da massa, do arroz. Se nós não tivéssemos estas campanhas não tínhamos como apoiar as instituições e as oito mil famílias que apoiamos todos os dias.
P – Como é que está a campanha do próximo fim-de-semana em termos de voluntários?
NA – Faltam sempre voluntários, até à última hora, até ao último minuto do dia em que começa a campanha, nós pedimos sempre mais apoio.
P – A ideia que existe é a de que os produtos doados são sempre os mesmos. É uma realidade?
NA – Há dois anos atrás concordava com essa ideia mas daí para cá tem mudado muita coisa. Uma delas é que actualmente fornecemos uma quantidade brutal de fruta, estamos também a trabalhar com hortícolas não só em termos de donativos mas também, desde Novembro, através da nossa horta comunitária da qual conseguimos retirar uma quantidade enorme de legumes para salada e para sopa.
Neste momento posso afirmar claramente que no Algarve ser apoiado pelo Banco Alimentar não é só comer salsichas com arroz, nem atum com massa. Portanto há possibilidade de se comer sopa, legumes e fruta. Graças a parcerias também temos fornecido com alguma frequência pescado, apesar de ser um trabalho que ainda está longe de estar concluído.
P – Para quem não conhece, em que é que consiste a “Horta solidária” do Banco Alimentar?
NA – A horta neste momento é um projecto bastante interessante e é mais um exemplo de integração e de solidariedade. O projecto da “Horta solidária” nasceu há uns anos atrás em parceria com o Ministério da Justiça e a Federação Portuguesa de Bancos Alimentares. O terreno onde está inserida vale um hectare e foi cedido pela Direcção Regional de Agricultura e Pesca do Algarve. Neste momento temos reclusos do Estabelecimento Prisional de Olhão e pessoas das instituições a trabalhar na horta.
O nosso objectivo com este projecto é demonstrar que o Banco Alimentar se preocupa em dar resposta às pessoas e incentivá-las a ser um exemplo para a comunidade, para que se possam integrar. Nós integramos reclusos, as empresas podem e devem integrar reclusos, porque manter as pessoas activas, com esperança e a poderem sonhar faz todo o sentido.
Se com a crise e com este status quo de “nós estamos cá apenas para acudir às necessidades das pessoas”, cada vez mais teremos toda a gente do lado da pobreza e do lado da “mão estendida” e cada vez menos gente a pagar impostos e a produzir e isso é que cria desequilibro. É importante integrar as pessoas.
P – Tendo em conta que as campanhas se realizam duas vezes por ano, qual é a quantidade necessária de alimentos doados para garantir a sustentabilidade dos próximos seis meses?
NA – Por muito que se possa receber nunca é suficiente. Não há Banco Alimentar nenhum em Portugal que tenha capacidade para alimentar 23 mil pessoas, tendo em conta aqueles que seriam os valores nutricionais adequados para a alimentação de cada um. Daí que esta resposta seja sempre uma resposta de apoio, nós ajudamos e não há capacidade, nunca, de fornecer exactamente tudo aquilo que as pessoas precisam.
De qualquer forma este apoio está integrado, e é por isso que ele é feito através de instituições, com outros apoios que são prestados pelas instituições, pelo próprio Estado e é a complementaridade de tudo isto que permite que as famílias não passem fome e que possam viver com o mínimo de dignidade possível.
P – Os pedidos de apoio têm aumentado?
NA – Neste momento o que verificamos é que o número de pessoas apoiadas está mais ou menos estabilizado. Digo isto porque nos últimos anos houve um aumento significativo, há dois anos atrás estávamos a trabalhar com cerca de 70 instituições e apoiávamos 16 mil pessoas e hoje estamos a apoiar 118 instituições e cerca de 23 mil pessoas.
De qualquer forma, estão-nos a chegar novos pedidos de novas instituições para aderir ao Banco Alimentar, processos esses que estão em fase de análise. Contudo, neste grupo apenas cerca de 70 das instituições recebem o cabaz completo, ou seja, produtos secos e frescos. Todas as que foram integradas nos últimos anos, bem como as que forem integradas daqui para a frente, recebem produtos frescos apenas porque a quantidade de produtos secos não é suficiente para apoiar todas.
P – Há pessoas a ser apoiadas pelo Banco Alimentar que também se voluntariam?
NA – Cada vez mais. Tem sido um desafio feito por nós às Instituições, obviamente que não é uma imposição que fazemos, mas nós próprios também desbravámos esse caminho dando o exemplo. Nós aqui dentro temos neste momento quatro reclusos e na horta temos mais três. Em Faro e em Portimão também temos 9 RSI, pessoas desempregadas, pessoas com deficiência ou com algum tipo de incapacidade, a trabalhar connosco.
Existe uma faixa etária predominante nos voluntários?
NA – Sim, se dividirmos o grupo em dois temos os voluntários permanentes e os voluntários que participam nas campanhas.
O grupo de voluntários permanentes, que no Algarve são cerca de 80, são maioritariamente senhoras entre os 30/35 até aos 55 anos. Portanto, mulheres no activo, com emprego, com filhos, família e que ainda conseguem ser voluntárias, o que é extraordinário. Depois nas campanhas de recolha de alimentos a faixa é muito heterogénea mas há um grupo significativo composto por população muito jovem, com menos de 20 anos, graças à quantidade de Escuteiros, grupos ligados à Igreja Católica e algumas escolas que estão envolvidas.
P – Em Portugal qual é o Banco Alimentar que responde “melhor” às necessidades das pessoas?
NA – Dos 21 Bancos Alimentares de Portugal existem neste momento cinco que se destacam: Lisboa, Porto, Setúbal e, pela primeira vez nos últimos dois anos, Braga e Algarve, que têm sido reconhecidos pelo seu trabalho. O Algarve cresceu 600% nos últimos quatro anos, éramos um banco que distribuía cerca de 400 toneladas de alimentos, hoje estamos a distribuir perto de 2300 toneladas por ano. Neste momento posso afirmar que não acredito que alguém passe fome no Algarve, só se não for identificado, porque neste momento há resposta.
P – Os algarvios são solidários?
NA – Não tenho razão de queixa. Ao longo dos anos o que temos sentido é que a população, quando é chamada a intervir, responde. O exemplo da campanha “Papel por alimentos” é fantástico, este Banco Alimentar, desde 2012 até hoje, foi o que mais se envolveu na campanha. Entram em média aqui entre 40 a 45 toneladas de papel todos os meses, o que se traduz no final do ano, num apoio de mais de 50 toneladas de alimentos.
O próprio Banco Alimentar também não se pode queixar porque as autarquias têm feito um trabalho extraordinário connosco. As instalações, de Faro e de Portimão, onde estamos inseridos, estão à responsabilidade dos municípios e não temos nenhum encargo directo com elas.
P – Há quem critique ou desconfie do trabalho que é feito pelo Banco Alimentar?
NA – Uma das críticas que às vezes é feita em relação ao Banco Alimentar é que quem ganha com as campanhas são as cadeias de distribuição o que está errado. Quem ganha com as campanhas do Banco Alimentar em primeiro lugar é a população, a região e o país. Estamos a apoiar um sem número de pessoas carenciadas e com necessidades e é por aí que temos que pensar.
(Com Ricardo Claro)