*
NOTA DE ESCLARECIMENTO
A Associação Portuguesa de Ortoptistas (APOR) tomou conhecimento, ao longo dos últimos dias, de notícias veiculadas em diversos meios comunicação social escrita relacionadas com a saúde da visão no atual contexto da pandemia por COVID-19.
A APOR considera inestimável a função e o papel da comunicação social para o saudável funcionamento das instituições democráticas. Porém, apenas se atinge tal desígnio quando o teor informativo é genuíno e verdadeiro, em respeito pelo rigor e salvaguarda pública.
No domínio Saúde, é imperioso o rigor da informação, o afastamento de ideias pré-concebidas e evitar a disseminação de informação não fundamentada, sob pena de colocar em risco a saúde pública dos cidadãos. Neste âmbito e no seguimento na notícia publicada a 9 de setembro de 2020, no Jornal POSTAL DO ALGARVE sob o proémio “Saúde da visão: programa de gestão de listas de espera foram um fracasso”, a APOR constata incongruências na informação tornada pública, particularmente no parágrafo: “Os optometristas são especialistas a tratar erros refrativos, síndromes de visão binocular e são treinados para detetar quando há anomalias no olho. Os optometristas são formados pelas mesmas faculdades e escolas que formam os médicos, garantindo a mesma qualidade e segurança”. Também é referida a realidade em Espanha quando esta não é comparável à de Portugal, dado que não existe a formação em Ortóptica naquele país. É também deixada a ideia de que os optometristas podem integrar equipas multidisciplinares do SNS, onde se encontram os oftalmologistas e os ortoptistas.
Neste sentido, a APOR vem prestar os seguintes esclarecimentos:
1. Existe uma confusão generalizada, não só entre a população em geral como também na comunidade de saúde, entre as competências do Ortoptista e do Optometrista no que tange aos cuidados da saúde da visão, que é imperativo e urgente desmistificar.
Com efeito,
2. Importa identificar os recursos humanos que constituem os Profissionais de Saúde que, de acordo com a Diretiva do Ministério da Saúde (http://diretiva.min-saude.pt/profissionais-de-saude/), apenas inclui Médicos e Médicos Dentistas, Enfermeiros, Nutricionistas, Psicólogos, e Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica (onde os Ortoptistas se incluem).
3. O Ortoptista é um Profissional da Saúde da Visão que exerce a sua profissão em Portugal desde a década 60 do século passado, integrando equipas multidisciplinares, nos termos de competente regulação legal – Decretos-Lei nos 261/93, 320/99, 110/2017, 111/2017 e 25/2019.
4. A profissão de Ortoptista é avalizada pela Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS) que, através da emissão da cédula profissional a estes profissionais, enquanto entidade pública, os legitima e regula no exercício da sua profissão.
5. No que tange ao perfil académico e profissional, o Ortoptista caracteriza-se pela ação de diagnóstico, terapêutica e de reabilitação, exercida em contacto direto com o utente.
6. Exerce a sua atividade em todos os níveis de cuidados da saúde da visão: desde os cuidados de saúde primários aos terciários, assumindo, atualmente, um papel fundamental, atuando em complementaridade com os oftalmologistas em todos os Serviços Públicos de Oftalmologia a nível hospitalar e na maioria dos privados, bem como na implementação de programas de rastreio sistemáticos a várias entidades, de âmbito nacional e/ou em curso nos centros de saúde. Integra igualmente as equipas que atuam junto dos indivíduos portadores de deficiência visual irreversível, nomeadamente os de baixa visão, participando ativamente nos programas de reabilitação e integração social destes indivíduos.
7. Decorrente do atual enquadramento jurídico, encontram-se definidos o perfil de competências e funções dos Ortoptistas, entre as quais: rastreios visuais; cuidados da saúde da visão (primários, secundários e terciários), abrangendo indivíduos de todas as faixas etárias; avaliação do erro refrativo e, consequentemente, prescrição de meios de compensação refrativa (óculos, lentes contacto, filtros, próteses); planeamento, realização e interpretação dos mais diversos exames complementares de diagnóstico em oftalmologia (traduzida sob a forma de relatório); assistência cirúrgica; vertente terapêutica, quer no âmbito da visão binocular quer na reabilitação do deficiente visual; realização de programas de prevenção no âmbito da promoção e educação para a saúde, bem como, colaborar na investigação, gestão e ensino da saúde da visão.
8. Os Ortoptistas gozam de competências e autonomia funcional próprias “com igual dignidade e autonomia técnica de exercício profissional” (cf. DL 320/99 – arto 3o), sem necessidade, portanto, de supervisão por outro profissional de saúde onde, para além de pertencerem à equipa multidisciplinar em cuidados da saúde da visão, têm autonomia de decisão diagnóstica, terapêutica e de reabilitação, exercendo em colaboração e complementaridade com todos os restantes profissionais de saúde que integram as equipas de saúde da visão, ocupando ainda lugares de chefia e direção, quer no sector público quer no privado, sendo, para além dos médicos oftalmologistas, os únicos profissionais a atuar nos cuidados de saúde primários da visão.
9. Não obstante, atendendo à sua especial e complexa formação académica e competências técnico-científicas, reafirma-se que o Ortoptista exerce as suas funções em complementaridade funcional com outros grupos profissionais da saúde, com igual dignidade e autonomia técnica de exercício profissional, nomeadamente com os Médicos Oftalmologistas, atuando também junto de outras especialidades médicas (medicina geral e familiar, pediatria, neurologia, etc.) e integrando as diversas equipas de saúde da visão e/ou da reabilitação em Portugal.
10. Ainda no que concerne à formação académica para se aceder à profissão de Ortoptista, é indispensável obter a Licenciatura em Ortóptica e Ciências da Visão cuja formação, por ser da área da Saúde, tem de ser obrigatoriamente de 4 anos (240 ECTS) ao invés da Licenciatura em Optometria e Ciências da Visão, ministrada nas Universidades do Minho e da Beira Interior (https://www.ubi.pt/curso/2), com duração de 3 anos, 180 ECTS, não assim sendo consideradas ao abrigo do Processo de Bolonha formações em contexto de Saúde.
11. Nos termos da Constituição da República Portuguesa, o direito à saúde integra o catálogo dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, e que deverá, acima de tudo, ser sempre salvaguardada.
12. A saúde pública, no que à saúde da visão concerne, apenas ficará salvaguardada pela informação esclarecida aos utentes quanto aos cuidados de saúde existentes e quais os profissionais com competências para a sua prestação, garantindo que os cuidados da saúde da visão são prestados por profissionais com actividade regulamentada e sujeitos a controlo de qualidade e competência.
13. Atualmente, à luz das atuais disposições legais, apenas os Médicos Oftalmologistas e os Ortoptistas cumprem os requisitos para prestação de quaisquer cuidados de saúde da visão.
14. É, pelos motivos e nos termos supra expostos, que a APOR manifesta profunda preocupação com a promoção do exercício, por profissionais não regulamentados e regulados para o desenvolvimento de atos em matéria de cuidados da saúde da visão, aproveitando-se de um claro vazio legal quanto à sua atividade.
15. Não é possível admitir que, por uma profissão não estar regulamentada, possa, a contrario sensu, desempenhar todas e quaisquer funções que discricionariamente e de forma unilateral definam como competentes para desempenhar, utilizando para o efeito os diferentes canais de comunicação social para transmitir e encontrar forma de legitimação social.
16. Referimo-nos, diretamente, aos optometristas, quer sejam licenciados ou apenas com formação profissional não conferente de grau académico.
17. O acesso à prestação de cuidados no âmbito da saúde da visão apenas poderá ser admitido a profissionais que cumpram as regras emanadas por entidade competente, segundo o princípio da igualdade e equidade entre profissionais, distinguindo os diversos perfis profissionais.
18. Ademais, a APOR, não compreende que um grupo profissional venha publicamente, nos distintos meios de comunicação social, arrogar-se de competências alheias, e divulgar informações falaciosas.
19. A definição de políticas públicas de saúde, particularmente da saúde da visão, decorre do funcionamento dos órgãos democráticos com competências legislativas, de acordo com programas de Governo e partidários, com a Constituição da República Portuguesa, com o quadro normativo e regulatório da Saúde e em concertação com as profissões de saúde, e não ditada por entidades supranacionais, como a OMS que, só por si, se possa entender por correta.
20. Encontra-se atualmente em vigor a Estratégia Nacional para a Saúde da Visão (despacho no 1696/2018, DR no 35/2018, Série II, de 2018/02/15), elencando orientações e linhas de atuação na prestação de cuidados da saúde da visão e define lucidamente os profissionais com competências (Ortoptistas e Oftalmologistas) para atuar nesta área da Saúde.
21. Em conclusão, à luz da atual regulamentação, apenas os Ortoptistas e os Médicos Oftalmologistas estão habilitados a prestarem cuidados de saúde da visão, ao contrário dos optometristas que exercem funções para as quais não têm formação ou conhecimentos necessários, laborando num total vazio jurídico, usurpando funções que não lhes estão atribuídas e, mais ainda preocupante, com os devidos riscos inerentes em termos de saúde pública nacional.
Termos em que,
solicitamos a V. Ex.a a urgente correção da notícia com igual notoriedade e espaço editorial.
Com os melhores cumprimentos,
A Presidente da APOR
Profª Doutora Aldina Reis
RELACIONADO:
Saúde da visão: programa de gestão de listas de espera foram um fracasso