Era eu criança, olhando para o céu, quando a minha mãe me ensinou que as estrelas estão fixas e brilham e que os planetas mudam de sítio e não têm luz própria. Aproveitou para me explicar o movimento de rotação da Terra para eu não protestar com o aparente movimento do Sol visto da Terra. Num qualquer passeio ao pôr do sol, fui também divertidamente enganada pela “primeira estrela do céu” que é Vénus, que não é uma estrela, é um planeta – que não emite luz e o que vemos é a luz que vem do Sol reflectida em Vénus.
Achei divertidas estas estórias de infância sobre estrelas e planetas e adorei quando tive, finalmente, autorização para pendurar posters nas paredes do meu quarto – uma muito renhida concessão maternal. Em vez de artistas do rock, como tinham as minhas amigas, preferi pendurar imagens de planetas, já não sei se comprados na loja da Fundação Gulbenkian ou na do Centro Pompidou em Paris. Lado a lado estavam Saturno, o meu planeta preferido, a Terra, Marte e Urano, com um azul que ainda hoje não consigo esquecer.
A Via Láctea, à época, era uma mancha no céu, uma galáxia, diziam, sem qualquer interesse de maior.
No entanto, às tantas ouvi novas estórias de galáxias, outras galáxias e devo até ter visto um modelo que mostrava galáxias em movimento. Suspeitei que alguma coisa estava mal na ideia primitiva de que as estrelas não se moviam. Se as galáxias rodavam sobre si próprias, então as estrelas também teriam de se mover. Oh, Mãe … francamente!
Tive direito a mais dois traumas astronómicos – ainda com menos de um metro e vinte de altura, numa noite de 1969, fiquei permanente traumatizada ao ser impiedosamente acordada e arrastada para fora da cama, para ver, em directo na tv a preto e branco, Niel Armstrong a dar a primeira pisada na Lua, cinzenta, por culpa do meu pai. Mais tarde, muito pior fiquei, quando despromoveram Plutão da categoria dos planetas, por culpa desse tal de Niel deGrasse Tyson, esse desmancha-prazeres. Planeta-anão … pfff.
Com algum sadismo à mistura, agora é a minha vez de traumatizar crianças e não perco muitas oportunidades de passar grandes secas aos meus filhos sobre física quântica. Coitados. Suspeito que já devem estar infectados, pois lá me vão taggando em posts de facebook, avulso, sempre que encontram a palavra quântica num título e não me livro de receber de prenda tudo o que é banda desenhada que explique a “acção fantasmagórica à distância”. Missão cumprida!
Também sei que, mais dia menos dia, não irei conseguir resistir a explicar a uma futura neta, ou qualquer criança de olhar curioso, o que diferencia estrelas de planetas. Tentarei contar não só aquilo que já se sabe, mas também, quiçá a parte mais gira, o que ainda não se sabe.
Afinal o que é que diferencia estrelas de planetas?
Comparando massa, as estrelas são maiores do que os planetas e o seu tamanho mede-se em quantidades de “massa de Júpiter”, que é uma unidade de massa comum em Astronomia. Só Júpiter tem duas vezes e meia a massa de todos os outros planetas do sistema solar juntos. A massa do planeta Terra é 318 vezes mais pequena do que a de Júpiter. O Sol tem 1048 vezes mais massa do que Júpiter e sozinho, o Sol, detém 98% da massa do Sistema Solar. Uma enorme estrela da Via Láctea, a Pistol Star, tem 27 vezes mais massa do que o Sol.
Como se formam as estrelas e os planetas?
Tudo começa com uma nuvem de poeira cósmica com um centro mais denso (a), que estando em rotação, vai concentrando matéria no centro desse aglomerado por via da atracção gravítica (b). Ao fim de muito tempo, no centro desse aglomerado de poeiras cósmicas, surge um objecto maciço, uma proto-estrela, rodeada por um disco proto-planetário, onde a pressão gravítica na proto-estrela irá gradualmente aumentando até obrigar átomos de hidrogénio a fundir com outros átomos de hidrogénio libertando energia e luz visível – nasce uma estrela com brilho (c) e (d). A fusão nuclear requer muita energia para acontecer, mas geralmente libera muito mais energia do que a que consome.
No disco proto-planetário em rotação, começam a definir-se anéis (e), parecidos com os anéis de Saturno, mas muito maiores, onde a matéria se vai agregando também via gravidade e é desses anéis que se formam os planetas (f). Estes, por possuírem menor massa, não criam no seu centro suficiente pressão gravítica para que o hidrogénio se funda e não brilham.
Primeira questão respondida: Porque brilham as estrelas e não brilham os planetas? – até dá para fazer uns modelos com a areia da praia. A segunda questão – se afinal as estrelas se movem ou estão paradas, também ficou fácil de esclarecer. O mesmo mecanismo de atracção gravítica que explica a formação de estrelas e de planetas também explica a formação de galáxias com mais um detalhe desenhável na areia – as nuvens [protogalácticas com mais momento angular] giram mais rapidamente e criam galáxias em espiral; as nuvens de rotação lenta criam galáxias elípticas. Vistas de telescópios, as primeiras têm braços, as outras são mais redondas. A nossa, a Via Láctea, é das espirais.
Uma estrela, portanto, não está nunca parada, move-se em conjunto com uma galáxia. Rodando à volta das estrelas estão os planetas, que para serem considerados planetas, têm mesmo de se mover à volta de uma estrela, senão não são chamados planetas, são cometas ou asteroides, ou meteoritos, mas não são planetas.
À Ciência falta ainda explicar, e as partes por explicar são também das partes mais interessantes destas estórias de ciência, porquê é que há estrelas solitárias, que andam por aí a passear por esse espaço sideral a fora sem pertencerem a nenhuma galáxia. Ah pois é …
Anãs Castanhas
Outra surpresa inesperada é que há corpos celestes que não são carne nem peixe. Não são estrelas, nem são planetas, porque na sua juventude brilharam, mas mais velhas já não brilham. Chamam-lhes anãs castanhas, porque são mais pequenas do que estrelas e porque já estavam ocupados os nomes anãs-brancas e anãs-pretas, mas nem sequer têm cor castanha, mas assim um tom mais avermelhado, bom de ser visualizado pelos telescópios de infravermelhos.
Pensa-se que uma anã castanha é criada tal qual as estrelas. Quando jovens brilham como as estrelas, porque fundem no seu núcleo deutério – um isótopo instável do hidrogénio cujo núcleo é constituído por um protão e um neutrão, e não só por um protão como o hidrogénio estável e que funde com pressão gravítica inferior à necessária para fundir hidrogénio. Uma anã castanha brilha até se lhe acabar o deutério e depois deixa de brilhar, porque não tem massa suficiente para fundir hidrogénio.
É um desafio para os investigadores conseguirem detectar estas anãs castanhas, pois ou as apanham ainda novinhas, a brilhar, ou depois é bem mais difícil visualizá-las.
Estima-se que uma anã castanha possa ter entre 13 e 75 massas de Júpiter. Acima disso teria massa suficiente para fundir hidrogénio e seria considerada uma estrela, abaixo disso não teria massa para fundir nada e seria classificada como um planeta. Teoricamente, Júpiter, por exemplo, precisava de ter 75 vezes mais massa para poder passar a ser uma estrela.
Um grupo de investigadores portugueses e não só portugueses, investiga estes invulgares corpos celestes, a partir de Portugal, no CENTRA da Universidade de Lisboa. Especificamente no projecto SONYC (Substellar Objects in Nearby Young Clusters), entre 2006 – 2015 ocuparam 15 noites de telescópios de 8 metros, varreram 5 regiões celestes, registaram mais de 700 espectros, encontraram cerca de 100 confirmadas anãs castanhas e estrelas de muito baixa massa e partilharam com o mundo todas as suas descobertas em 9 artigos científicos [browndwarfs.org/sonyc]. Estimam que o rácio estrelas/anãs castanhas esteja entre 2 e 4 e que o que se passa na Via Láctea seja universal.
Agora, estes investigadores do CENTRA focados no estudo de objectos sub-estrelares em nuvens de formação recente, aqui bem perto, na nossa Via Láctea, esperam grandes progressos com o cruzamento de informações com a Missão Gaia – que pretende mapear toda a Via Láctea, e sonham com os dados do Telescópio Espacial James Webb da NASA, cujo lançamento já foi várias vezes adiado e que está previsto para 2020.
Mas, entretanto, não é que descobriram também uma anã castanha com uma massa de somente 4 Jupiter? Oh diabo … as anãs castanhas desafiam os limites das definições actuais do que são estrelas e planetas.
SEREMOS TODOS BI?
Estas incertezas que desafiam as definições estabelecidas lembram-me as polémicas questões, ainda muito tabu, relacionadas com a bissexualidade.
Afinal, a bissexualidade é ou não é uma orientação sexual? Haverá pessoas que não são nem carne nem peixe, tipo anãs castanhas, que não são nem estrelas nem planetas? Antigamente dizia-se que não, que a bissexualidade era uma desculpa para quem queria e não tinha coragem para “mudar de lado”.
A investigação científica nesta área ainda mostra sinais de pré-ciência, pois há várias teorias, mas nenhuma ainda dominante. Há teorias que defendem que orientação sexual é uma característica pessoal que nasce connosco, como ser canhoto ou destro. Há teorias que defendem que a bissexualidade é melhor definida por um espectro continuo, onde uma pessoa até pode manifestar uma preferência pelos extremos, homossexualidade ou heterossexualidade, mas também há estudos que reportam que quando nos inquéritos é facilitada mais do que uma escolha a maioria acrescenta o desejo de experimentar, ou já ter experimentado “o outro lado”. Há outras teorias que defendem que cada pessoa se posiciona de acordo com o que sente na altura e que essa sensação até pode mudar ao longo da vida.
Já estão disponíveis estudos que mostram que pessoas bissexuais, de forma equivalente ao caso dos homossexuais doutros tempos não muitos longínquos, sofrem ainda com o receio, infelizmente fundamentado, de poder ser negativamente discriminado e até abusado, nas escolas e em locais de trabalho, por parte de uma sociedade pouco esclarecida nos assuntos da sexualidade.
“Não tenho qualquer problema se é hétero, bi, pan, trans, gay, negro, banco, roxo ou verde. Respeite-me e respeitá-lo-ei. Mas se é roxo ou verde provavelmente deveria consultar um médico” – diz o cartaz de autor anónimo com sentido de humor.
Afinal, há pessoas que só precisam que as deixem em paz, para podem ser felizes. E a orientação sexual não define a personalidade de uma pessoa.
E agora, quando vamos explicar isto aos nossos filhos? Particularmente o que explicar e em que idades? Ensinamos ciência, porque não sexualidade? Faz sentido deixar que sejam as escolas, que pouco ou nada sabem mais do que nós, assumam por nós essa responsabilidade?
Fontes e Leituras complementares