Luís Nogueira, que assina o que escreve como Luís Ene, tinha 16 anos em 25 de Abril de 1974 e reside actualmente em Faro, onde passou grande parte da sua infância e a adolescência.
O seu livro mais recente – ‘Guru de Algibeira’ (Sílabas&Desafios, 2017) – é um pequeno grande livro de conselhos e de epifanias que leva a escrita breve aos limites entre a vulgaridade mais óbvia e a sabedoria mais profunda. Uma escrita cheia de paradoxos, como a vida. E de ironias.
Em 2002, foi vencedor da 1ª edição do concurso Novos Talentos com o romance ‘A Justa Medida’, publicado pela Porto Editora. Criou o blog Mil e Uma Pequenas Histórias, fazendo em simultâneo a sua entrada no mundo dos blogs e na arte da micro-narrativa. Manteve vários blogs e publicou os livros: ‘Blogs’ (em colaboração com Paulo Querido); ‘Mil e uma pequenas histórias’ (Leiturascomnet, 2005); ‘Muchas vezes me sucede olvidar quien soy’ ( colecção Palavra Ibérica, 2006); ‘Saudade de água : memórias de Faro’ (Cão Danado, 2011) e ‘Escrever é dobrar e desdobrar palavras à procura de um sentido’ (Lua de Marfim, 2016). Está representado em diversas antologias de poesia e conto. Foi fundador e co-editor da Minguante, revista de micro-narrativas on line. Manteve durante dois anos um programa semanal dedicado à literatura na Rádio Universitária do Algarve. Esteve na origem dos grupos literários Sulscrito e Texto-al. Mantém actualmente o blogue Ene Coisas (em http://luis-ene.blogspot.com). É membro da associação Literatura Reunida. Detesta notas auto-biográficas.
Como é o quotidiano do teu poeta ou eu poético? Como vives com a poesia da/na tua vida?
No outro dia, um amigo, que é poeta, dizia-me que enquanto ele era poeta apenas quando escrevia, eu, por outro lado, era sempre poeta. Num país em que se insultam as pessoas dizendo-lhes que são uns grandes artistas – estejam com atenção em momentos de maior aperto rodoviário – não sei se ser sempre poeta será um elogio, no entanto acredito que existe poesia fora do poema e estou sempre disposto a encontrá-la no meu quotidiano. Não sei o que é a poesia, mas talvez seja esse mistério indefinível que existe no quotidiano e a que muitos poemas tão bem conseguem dar forma.
Devo começar por confessar que não me sinto um poeta, ainda que aceite que a minha escrita tem muito de poesia. Foi sem dúvida o meu gosto pela concisão que me aproximou da poesia e se é verdade que escrevo sobretudo prosa, não é menos verdade que há muito existem poemas em prosa. A minha prosa, como alguém já disse, tem todas as virtudes da poesia, e eis algo com que eu posso viver e que gostaria de acreditar, todavia prefiro considerar-me um escritor a um poeta, ainda que não enjeite ou despreze esse título.
Consegues escolher o livro de tua autoria teu preferido? O mais relevante?
O meu livro preferido é sempre o que estou a escrever e infelizmente neste momento não estou a escrever livro nenhum. O meu projecto preferido, e poderia chamá-lo livro, ainda que nunca tenha verdadeiramente sido publicado integralmente, foi o ‘Mil e Uma Pequenas Histórias’, com que me aventurei no mundo da escrita breve e em que experimentei quase tudo o que podia escrever nesse formato. Decidi escrever e publicar num blogue com o mesmo nome, mil e uma pequenas histórias, em formato de diário, alimentado todos os dias e que, começado em 2012, terminei em 2015. Esta experiência marcou profundamente a minha escrita bem como a forma de a divulgar. O blogue ainda está acessível no seguinte endereço: http://1000euma.blogspot.pt/. Como então dizia, a concluir, “Foi uma estrada longa, uma lição de paciente e teimosa persistência que espero nunca esquecer.”
Autores que gostas ou que possas dizer te inspiram a escrever?
Se quiser indicar os livros que mais influenciaram a escrita breve que tenho sobretudo escrito, terei de indicar os ‘Contos do Gin-Tónic’, de Mário Henrique Leiria e as ‘Tisanas’ (as últimas são 463) da Ana Hatherly. O primeiro pela surpresa da sua escrita libertária, o segundo pela experimentação e disciplina poética. Mas depois disso li muito e gostaria de continuar a ler cada vez mais e melhor.
Já ninguém usa caneta e papel, quanto mais máquina de escrever, que material usas para escrever?
Como a minha escrita é habitualmente breve, privilegio a escrita com caneta e papel, e confesso que me sinto mais próximo de mim e da minha verdade quando o faço. A escrita assim realizada está mais próxima do corpo e da respiração, sensação que em mim de outra forma se perde. A mão que escreve faz mais sentido assim.
E onde?
Sou, como dizia certo artista plástico, um rapaz de cafés, e gosto de escrever em cafés, ainda que, da forma como os concebo, estejam praticamente em vias de extinção. Gosto de observar as pessoas, de as ouvir, de as surpreender, e o café é ainda o melhor lugar para isso, em que podes estar presente e no entanto quase invisível.
Quando (dia, hora, estação do ano) escreves?
Quando escrevo, quando estou mesmo a escrever, estou-me nas tintas para o dia, hora ou estação do ano, ainda que goste sobretudo de escrever muito cedo, desde a alvorada, e tenho pouco tempo no meu dia-a-dia, pelo menos mental, para escrever. Julgo que a brevidade se instalou na minha escrita por esse motivo, ainda que um texto breve possa exigir mais tempo do que parece e solicita muitas vezes a experiência de toda uma vida.
Vícios, manias e segredos relacionados com a tua escrita…
Não consigo separar a minha escrita da minha vida, e esse talvez seja o meu maior vício, pelo menos vícios que possa e queira aqui revelar. A escrita é vício suficiente, que sinto a maior parte do tempo ficar aquém de satisfazer.
Que livro de poesia estás a ler, leste recentemente?
Estou a ler ‘Todas as Palavras’, poesia reunida, de Manuel António Pina. Tenho várias antologias de vários poetas, de consulta constante, e esta foi a última que comprei.
Não te limitas a escrever, participas activamente na vida cultural. És membro de associações, e organizas festivais, eventos, tertúlias ou recitais e performances….
Tenho tentado não só não confundir literatura com livro como aproximá-la o mais possível da vida de todos os dias e toda a minha atividade vai nesse sentido. Ainda há pouco me perguntavam se queria planear leituras no mercado municipal e eu respondi que era uma boa ideia e ia pensar nisso. Continuo a acreditar que a literatura toca-nos no que temos de mais humano e é preciso aproximá-la das pessoas, surpreendendo- as nos locais onde menos estariam à espera. A microficção surgiu-me muitas vezes, pela sua breve profundidade, como uma forma eficaz de chamar leitores à literatura. Sinto-me inspirado pela afirmação de José Saramago de que somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não.
Um poema inédito de Luís Ene…
Bem feitas as contas
o pouco que fica
do muito que se perde
é tudo o que somos
O resto é nada
(Artigo publicado na edição papel do Caderno de Artes Cultura.Sul de Outubro)