Cada obra deste autor é uma deliciosa descoberta, em particular para aqueles que partilham o seu gosto pela leitura, pois como afirma Alberto Manguel: «A biologia diz-nos que descendemos de criaturas de carne e osso, mas, no fundo, sabemos bem que somos filhos e filhas de fantasmas de papel e tinta.» (p. 10)
Publicado pelas Edições Tinta-da-china, à semelhança de outras obras do autor, que têm vindo a ser traduzidas a um ritmo regular, como A Biblioteca à Noite ou Embalando a Minha Biblioteca, este livro é também uma proposta de glossário, à semelhança do belíssimo Dicionário de Lugares Imaginários. O autor reconhece que há personagens, esses fantasmas de papel e tinta, que sobrevivem aos autores e ganham uma vida exterior aos livros que os viram nascer: «Os leitores do mundo veneram escritores como Shakespeare e Cervantes, mas esses seres, imortalizados em retratos imaginários e solenes, são menos tangíveis que as suas criaturas mortais.» (p. 11)
Estes monstros fabulosos que assombram a vida de um leitor – e mais do que um erudito, um ex-director da Biblioteca Nacional da Argentina, um escritor, um dos maiores bibliófilos do mundo (a par de Umberto Eco), é como leitor que Alberto Manguel se identifica – não são todos eles criaturas temíveis, mas sim seres fantásticos em que nos revemos, que nos inspiram as mais diversas qualidades quando a vida nos falha, figuras que norteiam aqueles que se atrevem a manter vivo o sonho: «Ao contrário dos seus leitores, que envelhecem e nunca voltam a ser jovens, as personagens ficcionais são, ao mesmo tempo, quem eram quando lemos as suas histórias pela primeira vez e quem se tornaram no decurso das nossas sucessivas leituras.» (p. 13)
A magia que advém das mais variadas personagens que o autor aqui revisita (Drácula, Alice, Super-Homem e Outros Amigos Literários como o subtítulo do livro sugere, onde não falta inclusivamente o Mandarim de Eça de Queirós) permite ainda o regresso ao nosso eu da infância ou da juventude de quando conhecemos estas personagens e as incorporámos.