Um estudo realizado na Universidade de York por Ricardo Miguel Godinho, investigador do Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano (ICArHEB) da Universidade do Algarve, sugere que sobrancelhas muito móveis e capazes de exprimir emoções subtis poderão ter sido essenciais na comunicação não-verbal na evolução humana recente. As principais conclusões deste estudo, intitulado “Supraorbital morphology and social dynamics in human evolution”, foram publicadas, no dia 9 de Abril, na revistaNature Ecology & Evolution.
Ricardo Miguel Godinho integrou um grupo de investigadores no âmbito do seu doutoramento na Universidade de York, onde realizou várias simulações. Para analisar a função da arcada supraciliar, utilizaram um crânio hominíneo fóssil icónico, Kabwe 1, que se encontra depositado na colecção do Museu de História Natural de Londres. Este crânio pertence àquela que é considerada por muitos como a nossa espécie ancestral, Homo heidelbergensis, que terá existido entre há 600 mil a 200 mil anos.
Utilizando técnicas computacionais de engenharia, os investigadores concluíram que as duas hipóteses mais comuns para explicar a presença de arcadas supraciliares proeminentes, a hipótese espacial e a mastigatória, não são suficientes para explicar a arcada massiva de Kabwe 1. A hipótese espacial propõe que as arcadas supraciliares se formam para ocupar o espaço entre a caixa craniana e as órbitas. A hipótese mastigatória propõe que as arcadas supraciliares se desenvolvem para estabilizar o crânio contra as forças desenvolvidas durante a mastigação.
“Através de software de modelação 3D modificámos a arcada supraciliar massiva de Kabwe 1. Como foi possível reduzi-la significativamente, percebemos que a arcada não é assim tão grande apenas devido ao espaço entre a caixa craniana e as órbitas”, explica o investigador da UAlg. “Em seguida simulámos mastigação em vários dentes e percebemos que a arcada supraciliar não se deforma significativamente durante a mastigação, sendo os resultados praticamente iguais entre o crânio original e outras versões com a arcada reduzida. Isto significa que a arcada tem relevância limitada para a estabilização do crânio durante a mastigação”.
Os investigadores puderam concluir, assim, que a forma da arcada supraciliar não se deve unicamente a factores espaciais ou mastigatórios.
Espécies ancestrais humanas apresentam arcadas supraciliares muito proeminentes
Espécies ancestrais humanas apresentam arcadas supraciliares muito proeminentes, e estas, tal como as armações dos veados, poderiam funcionar como um sinal permanente de dominância e agressividade. “Na nossa espécie, Homo sapiens, as arcadas supraciliares tornaram-se mais pequenas devido à evolução da testa para uma forma mais vertical e suave, tornando as sobrancelhas mais visíveis e capazes de uma amplitude de movimentos mais diversificada e subtil”, explica Ricardo Godinho.
Segundo o grupo de investigação, “esta mudança permitiu o desenvolvimento e refinamento da comunicação não-verbal através das sobrancelhas, sendo esta essencial na transmissão de emoções subtis como a simpatia e o reconhecimento”. Na opinião dos investigadores “esta capacidade terá permitido uma maior compreensão e cooperação entre pessoas, essencial para a formação de redes sociais de grande dimensão”.
Este estudo contribui, assim, para o longo debate acerca da razão porque outros hominíneos, incluindo a nossa espécie ancestral (Homo heidelbergensis), tinham arcadas supraciliares tão protuberantes e nós, Homo sapiens, temos uma testa vertical com arcadas muito reduzidas.
De acordo com Paul O’Higgins (professor na Universidade de York e coautor do artigo), “a função de comunicação não-verbal refinada da nossa testa terá inicialmente sido um efeito colateral da redução do tamanho das nossas caras nos últimos 100 mil anos. Este processo de redução facial acelerou nos últimos 10 mil -20 mil anos, quando mudámos de caçadores recolectores para agricultores – um estilo de vida que resultou em menos atividade física e numa dieta menos variada e mais mole”.
Penny Spikins (professora da Universidade de York e co-autora do artigo) esclarece que “os movimentos das sobrancelhas permitem-nos expressar emoções complexas assim como perceber as emoções dos outros. Erguer as sobrancelhas rapidamente (“eyebrow flash”) é um sinal intercultural de reconhecimento e de disponibilidade para a interação social. Erguer as sobrancelhas no meio da testa exprime simpatia. Movimentos ligeiros e pequenos das sobrancelhas são essenciais para identificar confiança e engano. Por outro lado, foi já demonstrado que pessoas que têm o movimento das sobrancelhas limitado devido, por exemplo, à aplicação de botox são menos capazes de causar empatia e de se identificarem com as emoções de outros”. Assim sendo, “as sobrancelhas são essenciais para explicar como os humanos se tornaram tão bons a interagir uns com os outros.”
Este estudo foi parcialmente financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.