O percurso do staff ao leme do restaurante Cafézique, em Loulé, fazia adivinhar o talento. O chef Leandro Araújo, em conjunto com Cristiana Sismeiro e o escanção João Valadas, transitaram do São Gabriel, em Almancil. Mariana Frade, também na cozinha, veio do Restaurante Pequeno Mundo, Nelson Correia, no serviço de sala, trabalhou no premiado Gusto by Heinz Beck, e Joana Jardim acumulou experiência no contacto com o público em cruzeiros. Decidiram juntar-se e, a 17 de janeiro de 2020, abriram um restaurante de (muito) bom prenúncio.
Descontraída e elegante, a sala do rés-do-chão exibe paletes, balanças, citrinos, velas, livros, vinhos, candeeiros e sofás de toque moderno. Desde o início que o serviço demonstra afinação. Recebem o comensal com simpatia, introduzem o conceito e estão disponíveis para satisfazer curiosidades sem pressas, mesmo com a casa cheia. As salas dispõem-se em forma de um Z no edifício de três andares. Há uma esplanada e um terraço onde também já se servem refeições. O nome, Cafézique, junta o modo “casual” do café e da partilha ao cuidado do fine dining.
Esta visita visita antecedeu o lançamento do novo menu de degustação de nove momentos (€75, sem vinhos) onde consta, por exemplo, um vinagre de cereja num arroz de fígados de tamboril, mas a experiência à carta também dá acesso a muitas joias. Três elementos compõem o couvert (€4,40): pão de trigo de massa-mãe; manteiga kefir a saber a iogurte natural e encimada por leite torrado; e o azeite extra-virgem da Herdade dos Grous. João Valadas serve um espumante Prior Lucas rosé de 2018 para os momentos iniciais.
Driblando as expectativas, as Ostras da Ria Formosa (€6,90) aparecem em tártaro sobre Folar de Chaves e maionese de Sumagre, uma especiaria muito utilizada na culinária do Médio Oriente. Nesta tiborna, a intensidade da ostra sobressai na relação com o pão de massa-mãe torrado, suavizado (enchidos transformados numa pasta misturada com a massa) e em dose equilibrada. Rebentos de couve Lombarda decoram o conjunto. Segue-se a excelência da Cavala alimada (€8,10). É envolvida por um puré de batata-doce fumado, um toque adensado pela salsa carbonizada. Acrescente-se a acidez do molho de escabeche (com cebola, cenoura e laranja) e o diferencial de textura da cenoura fresca e do zest de laranja.
Em vez de carne, o Pastel de massa tenra (€5,60) é recheado por polvo de Santa Luzia cozido, grelhado e envolvido num exótico caril verde e leite de coco. Ao lado uma maionese feita com a mesma massa e, em cima, ovas de polvo grelhadas. O Textura da Estrela 2019 branco, do Dão, emprestar ao prato a necessária “mineralidade, frescura e neutralidade”, explica o escanção. No topo das criações mais felizes da noite – e foram várias – esteve o Arroz de ferrado (€17,90), um produto do Sado brilhantemente tratado. Cozinhado com a tinta e as aparas da lula, e enriquecido com cogumelos shiitake de São Brás de Alportel, serve de palco a um desafio marítimo-terrestre de sabores e texturas entre a lula grelhada e os torresmos do rissol de porco. Tal como na carne de porco à Alentejana, “o porco acaba por combinar bem com o mar”, recorda Leandro.
Foto Filipe Farinha | D.R.
A sua cozinha vive, ainda assim, de “combinações improváveis”, aliciantes ao fogão e à mesa. “É uma forma de nos diferenciarmos dos outros e procurarmos sabores que as pessoas não estão à espera”, comenta o chef. O Devaneio tinto de 2017, um vinho de Torres Vedras, de “taninos suaves mas muito persistentes”, harmoniza com a sobremesa, o excelente Pudim Abade de Priscos de queijo azul e maçã assada (€6,90). Nesta versão, o tradicional toucinho é substituído pelo queijo, atenuando-se o “peso” da receita. “É uma gordura menos enjoativa e redonda do que o toucinho. Tem o toque picante, acidez e desperta sensações diferentes”, explica Leandro. A maçã aparece assada em puré, fresca e ainda desidratada em telha. Uma excecional e atrevida proposta que casa com um colheita tardia da Herdade dos Grous 2015.
O serão no Cafézique (Rua das Bicas Velhas, 5, Loulé. Tel. 289043931) parecia no fim, mas não… Houve espaço para a Azeitona verde com chocolates e azeite (€9,90). O formato da loiça lembra o da azeitona e a gastronomia é uma ode a esse produto nobre, por via de texturas e temperaturas distintas: saboreia-se o parfait de azeitona verde com uma leve mousse de chocolate de leite, a consistência das falsas azeitonas em ganache de 70%, gel de azeite e pó de azeitona desidratada. Para degustar com um vinho Solera 1927, com “grande intensidade de boca”.
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Notícia exclusiva do Boa Cama Boa Mesa do nosso parceiro Expresso