Enquanto países como Finlândia, Suécia, Noruega e Alemanha reforçam os seus planos de proteção civil perante o risco de uma escalada nuclear na guerra na Ucrânia, Portugal parece estar perigosamente atrasado. Especialistas ouvidos pela Executive Digest afirmam que o país está “muitíssimo mal preparado” para responder a cenários de ataque nuclear ou a ameaças de destruição massiva.
Em entrevistas detalhadas, os majores-generais Arnaut Moreira e Isidro Morais Pereira traçaram um diagnóstico preocupante. Apesar de considerarem improvável um ataque nuclear, ambos sublinham a importância de um planeamento adequado, a reativação de estruturas de coordenação e a adaptação de infraestruturas já existentes para garantir a segurança da população.
“O risco não é iminente, mas a preparação é imprescindível”
Segundo o major-general Arnaut Moreira, a ideia de um ataque nuclear contra Portugal é pouco provável, mas não impossível.
“Não está iminente nenhum ataque nuclear. As referências constantes a uma ameaça deste tipo fazem parte de um padrão muito utilizado pela Federação Russa desde o início das suas operações na Ucrânia, visando paralisar a capacidade de decisão do Ocidente.”
Contudo, Arnaut Moreira alerta que a ausência de iminência não deve justificar a inação: “Não estar iminente não quer dizer que não seja possível. Cabe às autoridades nacionais promover uma cultura de segurança junto da população, para garantir as melhores condições de sobrevivência.”
Portugal: um país sem abrigos
Enquanto outros países europeus, como a Alemanha, realizam inventários de bunkers e fortalecem as suas infraestruturas, Portugal permanece estagnado. As poucas estruturas disponíveis, como os bunkers militares de Monsanto ou o antigo Comando da NATO em Oeiras, têm usos muito específicos e não estão preparados para acolher civis em larga escala.
“Os bunkers de Monsanto, por exemplo, são de natureza militar e têm funções operacionais críticas. Não estão adaptados para acolher civis em grande quantidade, pois foram concebidos para proteger sistemas operacionais críticos, e não para servir de abrigo à população,” explica Arnaut Moreira.
O major-general Isidro Morais Pereira acrescenta:
“Muito poucos locais em Portugal poderiam servir de abrigo. Temos algumas instalações militares que poderiam ser adaptadas, como o Forte do Alto do Duque, mas são opções limitadas. Portugal precisa de investir em infraestruturas de proteção para enfrentar cenários de armas de destruição massiva.”
Adaptação de infraestruturas: uma solução urgente
Para Arnaut Moreira, a solução passa por adaptar as infraestruturas já existentes:
- Metro de Lisboa e Porto: Algumas estações profundas, como Baixa-Chiado ou Marquês de Pombal, poderiam servir de refúgio, desde que equipadas com sistemas de ventilação e filtros contra partículas radioativas.
- Túneis rodoviários e ferroviários: Estruturas como o túnel do Marquês, em Lisboa, poderiam ser reforçadas e equipadas com filtros HEPA.
- Grutas naturais: Locais como as Grutas de Mira d’Aire poderiam funcionar como refúgios temporários, com a instalação de portas herméticas e fornecimento de energia.
- Bases militares desativadas: Algumas instalações poderiam ser reativadas com ajustes mínimos, aproveitando os seus revestimentos de betão espesso.
A ausência de planeamento governamental
Uma das maiores críticas dos especialistas recai sobre a falta de uma estrutura governamental dedicada ao planeamento de emergências nucleares. O major-general Morais Pereira recorda a desativação do Planeamento Civil de Emergência, que dependia diretamente do Primeiro-Ministro, como um retrocesso grave.
“Este organismo era fundamental para coordenar respostas e emitir orientações à população. Atualmente, estamos demasiado focados em questões como cheias e incêndios, esquecendo outras ameaças,” lamenta.
Além disso, Morais Pereira alerta para a inexistência de uma cadeia de comando clara no caso de um ataque. “Um sistema integrado de resposta é essencial. Hoje, não temos essa capacidade operacional.”
Preparação individual: uma solução parcial
Face à inércia governamental, os especialistas recomendam que os cidadãos tomem medidas individuais. Morais Pereira sugere a aquisição de pastilhas de iodo, dispositivos de medição de radiação e alimentos não perecíveis para pelo menos 30 dias. Contudo, adverte que estas soluções são limitadas. “O Estado deve liderar estas iniciativas, orientando a população sobre o que fazer.”
Mais do que uma ameaça nuclear
Morais Pereira sublinha que o investimento em abrigos não deve focar-se apenas em ataques nucleares. “As armas convencionais modernas têm um poder destrutivo semelhante ao das bombas de Hiroshima e Nagasaki. É essencial pensar em defesas contra armas químicas, biológicas e radiológicas.”
Arnaut Moreira conclui com um apelo ao planeamento estratégico:
“A falta de preparação hoje pode custar caro no futuro. Não é preciso gerar pânico, mas é essencial agir de forma estruturada. Outros países estão a mostrar que é possível, e Portugal não pode ficar para trás.”
Um alerta que não pode ser ignorado
Os majores-generais deixam uma mensagem clara: Portugal precisa de acelerar o passo. A preparação para cenários extremos é uma necessidade básica de qualquer nação que pretenda proteger os seus cidadãos. Afinal, como bem conclui Morais Pereira, “a preparação não é um luxo, é uma necessidade.”
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