Nasceu como José Duarte Martins, mas a paixão pelos poemas do colombiano Vargas Vila deu-lhe a alcunha, Vila, que ficaria como nome próprio até ao fim. Em 1981, convenceu o amigo Lisa a abrir uma adega, numa casa perto do largo da igreja com mais de 150 anos, depois de centenas de petiscadas com conservas e conquilhas ou ameijoa, dedicada a, com orgulho, servir apenas o melhor da gastronomia do Algarve.
Nesses dias, a chamada nouvelle cuisine começava a impor-se e a dupla de amigos sentiu necessidade, diz Lisa, “de mostrar a nossa comida tradicional aos turistas. Era impossível encontrar um carapau alimado ou um xerém de lingueirão, ou berbigão nos restaurantes das redondezas” Até parecia, recorda, que “tinham quase vergonha de mostrar estas coisas aos turistas. Queriam clientes estrangeiros, com bom poder de compra e que não eram exigentes”. Tudo isso se alterou quando abriram as portas do Vila Lisa, “contrariando essa tendência. Não temos nada que ter vergonha da comida do Algarve”.
Fotos António Pedro Ferreira
José Vila dividia a cozinha com o atelier de pintura, misturando à mesa grupos de amigos e clientes habituais a quem servia, só ao jantar, um menu de degustação com pratos fixos, que mudavam ao sabor das estações e dos mercados, e que podiam muito bem incluir batatas de molho frio, tomatada, estupeta de atum, morcela algarvia e requeijão como entradas. Mas havia também canja de conquilhas ou ameijoa, xerém de lingueirão, ensopado de cação ou massa de safio, e algumas vezes servia-se polvo assado ou pernil de porco no forno. O mais emblemático dos pratos era, sem dúvida, a sopa de grão com rabo de boi, quase sempre obrigatória. Não havia cerveja nem refrigerantes, e terminava-se sempre com café de saco, doces e digestivos.
As filas à porta da Adega Vila Lisa começaram a aumentar, levadas pela fama da mão certeira nos temperos de José Vila e não tardou para que pela porta debruada a azul começassem a entrar figuras públicas, de Mário Soares a Cavaco Silva ou Belmiro de Azevedo, também graças às odes escritas por Miguel Esteves Cardoso e António Pedro Vasconcelos, que levavam a casa aos píncaros da fama. Até Robert De Niro e o já falecido James Gandolfini, o mítico Tony Soprano da série Os Sopranos por lá passaram. Conta-se que De Niro se deliciava com a amêijoa e com vinho branco gelado, Gandolfini com o pernil de porco que comia à mão e com a sopa de grão, acabando por dormir numa das mesas corridas da sala.
Gradualmente, também por motivos de saúde, José Vila afastou-se da cozinha, os clientes mais novos pouco ou nada sentiam o apelo das conversas como tempero dos jantares e o restaurante da Mexilhoeira Grande, em Portimão foi assumindo uma maior descrição, sem nunca perder a identidade ou a ementa criada por José Vila que se continuou sempre a servir. Os famosos continuaram a passar por lá e todos os anos a casa abria ao almoço, apenas uma vez, para que feliz, José Vila recebesse os seus amigos e partilhasse com eles mais do que uma refeição, uma tarde de memórias.
A história de José Vila acabou terça-feira, dia 30 de março, depois de uma complicação renal o levar ao hospital, à qual não resistiu. O funeral realiza-se quinta-feira, dia 1 de abril, pelas 10h30 no cemitério da Mexilhoeira Grande, restrito apenas aos mais próximos, devido às regras impostas pela pandemia. A Adega Vila Lisa (Rua Francisco Bívar, 52, Mexilhoeira Grande. Tel. 282 968 478) voltará a abrir portas, para continuar a perpetuar a memória de um dos mais emblemáticos símbolos da gastronomia do Algarve.
Notícia exclusiva do “Boa Cama Boa Mesa” do nosso parceiro Expresso