“No tempo em que festavam o dia dos meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto”, escreve Álvaro de Campos no poema ‘Aniversário’. Foi precisamente para manter vivo um dos mais famosos heterónimos de Fernando Pessoa, nascido a 15 de Outubro de 1890, em Tavira, e para celebrar o seu aniversário e a imensa criatividade humana, que vários artistas e associações de Tavira se uniram para realizar ‘A Festa dos Anos de Álvaro de Campos’.
A terceira edição do evento contou com mais de 25 eventos integrados num programa composto por poesia e música, desde a clássica e popular portuguesa a ritmos brasileiros e jazz, exposições de artes visuais e documentos históricos relacionados a Pessoa, programas de rádio, dança, cinema e até jantares com a música e a poesia como ingredientes principais. “A envergadura sensorial de Álvaro de Campos é tão vasta que há sempre muito por descobrir, há sempre novidades”, disse ao Cultura.Sul Tela Leão, presidente da direcção da Partilha Alternativa Associação, responsável pela promoção, criação e coordenação do programa que “tem muitas pernas para andar”, garante.
Foi em 2015 que criou a Partilha Alternativa e desde então vem juntando cada vez mais artistas e associações tavirenses para celebrar a obra do seu mais famoso conterrâneo. O projecto, referiu Tela Leão, “funciona como uma co-participação, ou seja, é um trabalho conjunto onde cada produtor participa muito activamente e é responsável pela sua própria produção”. A Partilha Alternativa divide o apoio financeiro em dois montantes, um destinado a projectos de exposições e trabalhos com as escolas e outro para os espectáculos ao vivo. Cada produtor gere a sua parte e “muitas vezes até complementa o apoio financeiro que nós damos através de acções de voluntariado ou outras iniciativas que promovem para gerar mais receitas”.
Criação de micro temporada é a grande diferença relativamente a 2016
Para Tela Leão a grande diferença do projecto, comparativamente a 2016, foi a criação de uma micro temporada. “Um dos objectivos do programa 365 Algarve para este ano era promover a auto-sustentabilidade dos projectos e nós tentámos fazer isso através da criação de uma micro temporada, fazendo com que as apresentações artísticas e os espectáculos se repetissem por duas ou três vezes e não se realizassem apenas uma só vez, e também através da cobrança de bilhetes para assistir aos espectáculos”.
A responsável pelo projecto garantiu ao Cultura.Sul que “o balanço desta terceira edição é muito positivo, especialmente devido à grande quantidade de novas criações que surgiram daqui e ao ligeiro aumento de público relativamente ao ano anterior” mas, apesar disso, nota ainda muita resistência por parte do público local no que respeita ao facto das entradas para os espectáculos serem pagas.
Projecto cultural aposta no artista local
A aposta nos artistas locais ainda é escassa e isso faz com que não existam condições para que esses artistas se tornem profissionais e consigam viver só da arte enquanto profissão. Actualmente, “quase todos os artistas locais têm outras profissões que os sustentam e arte é apenas um hobby, sendo que a falta de tempo para ensaiar faz com que sejam necessários vários anos a trabalhar e ensaiar um mesmo espectáculo para que este fique finalmente em condições para ser apresentado”, refere Tela Leão.
Acreditando que se pode contrariar este facto, a aposta desta iniciativa é fundamentalmente no artista local, sempre através da obra de Álvaro de Campos, nas mais diversas expressões artísticas. Tela Leão define o projecto como “um desafio bonito que funciona como um laboratório onde são produzidos novos produtos culturais que saem daqui prontos para novos desafios e preparados para apresentar os seus projectos e tentar vendê-los e apresentá-los noutros palcos de maiores dimensões”.
Projecto integra programa turístico-cultural 365 Algarve
Em 2016 o projecto concorreu ao programa 365 Algarve e este ano, além desse apoio, contou também com o apoio da Câmara de Tavira, que já o tinha feito indirectamente no ano anterior, através do apoio dado às associações locais, mas que este ano foi dado ao projecto, em termos logísticos e financeiros. O número de organizações participantes aumentou este ano para 30: A|NAFA Associação; Academia de Música de Tavira; Agrupamento Escolas D. Manuel; ALFA – Algarve Literature & Film Association; Armação do Artista; ARTE Associação Cultural; Arquivo Municipal de Tavira; Banda Musical de Tavira; Casa Álvaro de Campos; Casa das Artes de Tavira; Casa Fernando Pessoa; Castelo de Tavira; Cineclube de Tavira; Clube de Tavira; Corpo de Hoje – Associação Cultural; Escola Secundária de Tavira; Espaço Cultural Leão da Serra; Fado com História; Farmácia Picoito; Fundação Irene Rolo; Igreja da Misericórdia; Mercado da Ribeira; Oficina Bartolomeu dos Santos; Postal do Algarve; Rádio Gilão; Restaurante Álvaro de Campos; Restaurante Gilão; Sociedade Orfeónica de Amadores de Música e Teatro de Tavira – SOAMTT; Semente de Alfarroba Associação Cultural; Tavira D’Artes.
(Cátia Marcelino / Henrique Dias Freire)
(Artigo publicado na edição papel do Caderno Cultura.Sul de Dezembro)