Se é verdade que por vezes a prática nem sempre tem acompanhado o discurso, é gratificante reconhecer que a Igreja de Roma tem hoje à sua frente um homem que não se cansa de apelar ao amor sem fronteiras para a construção de um mundo mais justo e fraternalmente aberto à integração de todos.
O Papa Francisco não é, seguramente, uma voz solitária a pregar no deserto, mas tem a sabedoria de saber interpretar e propor uma forma de vida com sabor a Evangelho. Como S. Francisco de Assis, de quem herdou as vestes e as sandálias do despojamento, sente-se “irmão do sol, do mar e do vento”. Dos pobres e dos excluídos desta vida. Porque, afinal, isto anda tudo ligado.
Na sua Encíclica Fratelli Tutti, Francisco preocupa-se com as sombras do mundo moderno. Entende que a história dá sinais de regressão civilizacional trazidos pelos ventos de uma globalização desregulada e de um modelo económico e social que têm vindo a cavar, cada vez mais profundamente, o fosso que já separava os ricos e os pobres [ler entrevista ao Bispo D. Manuel Quintas]. A opulência e a indignidade.
E como se pode constatar, neste mundo onde prevalecem os interesses individuais ou de grupo, acabam por ficar expostas as chagas de um planeta exangue nos seus recursos, a transbordar de contradições e sofrimento, onde o homem tem sido o elemento menos considerado. É disso que fala Francisco quando afirma: “Há homens, mulheres e crianças a viver em condições semelhantes à da escravatura”.
E sem um projeto de inclusão para todos, vai-se lavrando o terreno onde medram os conflitos e as guerras, se fazem ressuscitar os nacionalismos mais anacrónicos e onde nascem e crescem todos os populismos que se apresentam sob a falsa capa protetora dos esquecidos.
Em tempos de solidão, de medos e de insegurança, é reconfortante o aconchego do Natal possível em família
Em sinal de alerta, a comunidade científica assevera que a humanidade caminha para uma fase perigosa de não retorno. E a era digital aplicada aos novos meios de comunicação em rede, veio acrescentar mais preocupações do que esperança. Como diz o Papa, esta mundialização “unifica o mundo, torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos”. Ou seja, encontramo-nos mais sozinhos com a ilusão de tanta proximidade!
Emergem cada dia novas formas de colonização cultural. E os povos, num misto de desatenção e deslumbramento, julgando deter o poder na ponta dos dedos “estão apenas a alinear a sua tradição e os seus valores e, por imitação, violência imposta, negligência ou apatia, a tolerar que lhes roubem a alma e o pensamento”.
Em tempos de solidão, de medos e de insegurança, é reconfortante o aconchego do Natal possível em família, levando connosco como presente, esta mensagem do Papa Francisco: “O amor sem fronteiras é o maior bem moral que podemos partilhar”. Começando pelo que temos dentro das nossas portas. Feliz Natal!
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