O conhecido caso Viga d’Ouro acaba de ter uma sentença final. Os ex-presidentes da Câmara Municipal de Silves, Isabel Soares e Rogério Pinto foram condenados a devolver a autarquia 267.752,58 euros acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal.
Quando ainda era presidente da autarquia, Isabel Soares garantiu ao POSTAL estar inocente e que as alegadas ilegalidades tinham partido do seio interno da Câmara Municipal sem o seu conhecimento.
Segundo noticiou ontem o jornal Terra Ruiva, de Silves, “em causa estão as múltiplas irregularidades praticadas pela Câmara Municipal de Silves no âmbito do processo Viga d’ Ouro, na presidência de Isabel Soares, e que levaram a situações de incumprimento bancário que Rogério Pinto, enquanto presidente, não corrigiu. Do que resultou, entende o Tribunal, avultados prejuízos para a Câmara.
O julgamento dos ex-presidentes da Câmara Municipal de Silves teve início no dia 8 de novembro de 2017, na 3ª Secção do Tribunal de Contas”.
“O Ministério Público afeto ao Tribunal de Contas pretendia que Isabel Soares e Rogério Pinto pagassem uma multa entre os 2.500€ e 18.360€ e que repusessem nos cofres municipais uma quantia de 668 mil euros, como fora decidido pelos juízes da 2ª secção do Tribunal de Contas.
Na 3ª secção do Tribunal de Contas foram ouvidas as testemunhas e os ex-presidentes. De acordo com a sentença proferida, a 17 de janeiro de 2018, foi julgada procedente a ação instaurada pelo Ministério Público contra Isabel Soares e Rogério Pinto, mas foi decidido reduzir o montante que estes teriam de pagar à autarquia: de 668 mil euros para 267 mil euros.
Ainda inconformados com esta decisão, ambos recorreram da sentença para o Plenário da 3ª Secção onde um coletivo de três juízes fixou a decisão final. Os juízes decidiram confirmar a sentença aplicada anteriormente, mas com alterações “na medida da responsabilidade” de cada ex-presidente, “condenando-os, individualmente” nos valores apurados.
Assim, Isabel Soares, na qualidade de “autora de uma infração financeira de natureza reintegratória” foi condenada a “repor ao Município de Silves, a quantia de € 228.339,00 (duzentos e vinte e oito mil, trezentos e noventa e nove euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal”.
Por sua vez, Rogério Pinto “como autor de uma infração financeira de natureza reintegratória” foi condenado “a repor ao Município de Silves, a quantia de € 30.623,98 (trinta mil, seiscentos e vinte e três euros e noventa e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal”.
Na base da decisão dos juízes está o facto de consideraram que os ex-presidentes da Câmara de Silves tiveram níveis diferentes de responsabilidade no caso Viga d’ Ouro, já que Isabel Soares exerceu as funções de presidente durante muito mais tempo do que Rogério Pinto.
Os montantes em causa serão pagos à autarquia de forma faseada.
O processo
O processo do caso Viga d’ Ouro começa a desenvolver-se por iniciativa do Tribunal de Contas quando este recusou aceitar as contas de gerência do Município de Silves, dos anos de 2011 e 2012, na presidência de Isabel Soares, eleita do PSD.
No decorrer da averiguação às contas do Município, verifica-se que a Câmara de Silves celebrou, entre 2004 e 2006, contratos de empreitada e aquisição de material com a empresa Viga d’ Ouro, de um conhecido empresário de Tunes, no valor de mais de cinco milhões de euros. Desses 162 contratos, apenas 3 cumpriam os requisitos obrigatórios, com um valor estimado de 298 mil euros.
A empresa Viga d’Ouro cedeu, em 2005 e 2006, os créditos que detinha sobre a autarquia, sobre parte das faturas, a três instituições bancárias: Banco Espírito Santo (BES), Banco Comercial Português (BCP) e Caixa Leasing and Factoring (CFL).
Na altura, em documentos assinados por Isabel Soares, a Câmara Municipal comprometeu-se ao pagamento dessas dívidas aos referidos bancos. No entanto, mais tarde, Isabel Soares decidiu suspender os pagamentos à banca, apesar de ter um parecer da sociedade de advogados PLMJ que afirmava que “o Município de Silves não pode de forma juridicamente lícita recusar o pagamento”.
Perante a ausência de pagamento, as entidades financeiras abriram processos contra a Câmara Municipal, reclamando o pagamento do capital em dívida, no valor de cerca de cinco milhões de euros e ainda mais de dois milhões de juros de mora – a situação herdada pelo executivo de Rosa Palma.
As “culpas” segundo o Tribunal
Para o Tribunal, ficou provado que a ex-presidente Isabel Soares assinou os ofícios e os acordos com as instituições financeiras, reconheceu as dívidas na sua totalidade, comprometeu-se a pagar os créditos reconhecidos, nos termos e nos prazos fixados e foi quem “ elaborou o despacho que levou ao executivo com a finalidade de suspender os pagamentos apesar de ter conhecimento, através das consultas e pareceres jurídicos”, da “ilegalidade que representava esse incumprimento e das consequências que o mesmo podia trazer”.
Já Rogério Pinto, que substituiu Isabel Soares, por renúncia desta ao cargo de presidente da Câmara de Silves, durante o ano em que esteve em funções (novembro de 2012 e outubro de 2013), “recebeu e teve conhecimento de 48 interpelações para pagamento das quantias em dívida”, tendo tido “os poderes” para pôr termo ou ter iniciado os procedimentos nesse sentido, às situações de ilegalidade”, o que não aconteceu.
Para o Tribunal, competia a ambos, enquanto presidentes do Município de Silves, “desenvolver as ações e proferir as decisões necessárias à assunção, autorização de pagamento e pagamento de tais despesas”. Pelo que o Tribunal recusa a tese apresentada na defesa de ambos, que alega que “todas as decisões, despachos e atos foram sempre tonados de boa-fé no único e exclusivo interesse da Autarquia… em absoluto respeito pela Legalidade, bem como pelo Princípio da Prossecução do Interesse Público…”
Para o Tribunal, o que aconteceu foi que, no referido período, a atividade autárquica foi, em parte, financiada pela empresa Viga d’ Ouro, uma vez que o Município de Silves não dispunha de disponibilidade financeira e “não houve o cuidado de assegurar a boa gestão dos dinheiros públicos, assegurando as soluções mais vantajosas, do ponto de vista técnico e económico”.
O Tribunal defende também a ideia que as autarquias locais devem dispor “sempre de meios suficientes para o desempenho das suas funções” e que um “autarca diligente e cuidadoso” deve ter uma postura de “apenas assumir compromissos, nomeadamente pagamentos, em função dos meios financeiros disponíveis, dentro do horizonte temporal para satisfazer aqueles”. Se a ex-presidente Isabel Soares assim tivesse agido, acrescenta o Tribunal, “não se teriam colocado problemas de meios suficientes para o desempenho das funções do Município”.
A “culpa” do executivo de Rosa Palma
No recurso apresentado por Isabel Soares e Rogério Pinto, os mesmos alegam serem alheios ao pagamento dos juros a que a autarquia se viu obrigada a pagar, e que estes resultariam da “incapacidade negocial” do executivo camarário de Rosa Palma.
Na sua alegação, os presidentes do PSD criticam o executivo CDU por não ter levado a cabo “qualquer esforço de instaurar processos para averiguar se tal divida de capital existia e nos valores pedidos pelas instituições bancárias”. E criticam ainda fortemente o executivo de Rosa Palma por não ter conseguido “o perdão total dos juros dos credores”.
Uma tese que o Tribunal contraria, afirmando que não tem “qualquer fundamento a alegação dos recorrentes de os juros lhes serem alheios e de resultarem de uma (in)capacidade negocial” do executivo camarário de Rosa Palma. “Muito pelo contrário”, acrescenta e lembra que o Município de Silves já tinha sido condenado ao pagamento de juros quando Rogério Pinto ainda se encontrava em funções.
Sobre as ações do executivo de Rosa Palma acrescenta o Tribunal que: “não pode merecer qualquer censura a conduta do executivo autárquico subsequente ao dos demandados (Isabel Soares e Rogério Pinto) ao ter celebrado transações judiciais, através das quais conseguiu a redução do capital e dos juros, minorando assim os danos para o Município de Silves”.
A redução dos montantes
“Na verdade, o cidadão comum, contribuinte, não compreende, em geral, que os dinheiros públicos não sejam geridos de uma forma muito prudente, de modo a que sejam bem gastos, em bens de interesse e utilização comum e não desperdiçados, até porque tais dinheiros públicos são sempre escassos, considerando as necessidades gerais. Tornar-se-ia pois incompreensível, para tal cidadão, que um caso destes, com repercussões gravíssimas no património do Município de Silves – estamos a falar de um dano superior a meio milhão de euros, no caso da demandada (Isabel Soares), e de mais de 75 mil euros, no caso do demandado (Rogério Pinto) – não tivesse quaisquer consequências para os gestores da coisa pública que produziram tais danos”, considera o Tribunal.
Tanto mais, acrescenta que “como é patente nas alegações dos recorrentes, estes ainda não interiorizaram nem assumiram as suas responsabilidades no caso, o que torna claro que, enquanto infratores de uma boa gestão da coisa pública, não justificam um “perdão” ou “esquecimento” das consequências dos seus atos, que ocorreriam caso a sua responsabilidade fosse relevada”.
Para os juízes do Plenário da 3ª Secção, foi “algo generosa” a decisão dos colegas da 2ª instância que reduziu em 60% o montante que inicialmente Isabel Soares e Rogério Pinto foram condenados a pagar. Mas admite que na base desta decisão tenha estado o facto de que não se viu na conduta dos ex-presidentes “aproveitamentos pessoais ou favorecimento de terceiros” e também não existirem “situações de anteriores infrações financeiras” cometidas por estes.
Assim, foram ambos considerados “responsáveis pela prática de uma infração financeira reintegratória” sendo fixados os montantes a devolver ao Município de Silves: 228. 399€ por parte de Isabel Soares e 30. 623,98€ por parte de Rogério Pinto.
Os acordos de Rosa Palma
Acrescente-se que no primeiro mandato de Rosa Palma, a negociação com as três entidades bancárias – BES, CFL, BCP – foi uma prioridade para evitar a acumulação de juros de mora e os processos judiciais que estas entidades tinham movido contra o Município de Silves.
Em resultado dessa negociação, o Município de Silves conseguiu o pagamento faseado da totalidade do capital que se encontrava em dívida, que atingia praticamente os cinco milhões de euros – 4.919.016,27€ – a pagar entre abril de 2014 e outubro de 2020.
O executivo de Rosa Palma negociou também a redução dos juros de mora que ultrapassavam os dois milhões de euros – 2.239,691,13, – passando a ter de pagar apenas 668,823,97€, e “atenuando desse modo, os prejuízos que foram causados para o erário público municipal”, como se lê em comunicado de julho de 2016”, segundo o artigo da jornalista Paula Bravo publicado pelo Terra Ruiva.
Documentos públicos
Os documentos, aqui citados, estão disponíveis no site do Tribunal de Contas, nomeadamente o Acórdão nº7/ 2018 e a Sentença nº 2/2018.
Podem ser consultados em: http://www.tcontas.pt/pt/actos/conjuntos/20180906-004.shtm