Neste último ano em Portugal, e no mundo, grande parte da atenção, quer dos poderes políticos como da sociedade em geral, tem estado centrada na pandemia, no seu combate e nas diversas consequências. Contudo, o nosso planeta é imune às preocupações da civilização humana e continua… continua a sua caminhada na sua órbita em torno do Sol, continua com a sua geodinâmica interna e externa, ignorando que uma das espécies que o habitam esteja a passar por um dos maiores testes à sua resiliência coletiva na era moderna. Tal poderia levar-nos a reflexões sobre a importância e impacto do ser humano para a Terra, mas não é esse o tema de hoje… hoje vamos conversar sobre sismos.
Voltando às geodinâmicas do nosso planeta, são elas as responsáveis por todos os dias ocorrerem sismos, a maior parte dos quais não são sentidos pelas populações, nem causam qualquer tipo de dano, mas são registados pelas estações sísmicas existentes em diversos locais da Terra. Contudo, até há cerca pouco mais de dois séculos apenas se sabia da existência de eventos telúricos que fossem sentidos, pois até então não havia equipamentos capazes de fazer o registo instrumental das vibrações sísmicas que se propagam através das diversas camadas da Terra e que abalam a crosta. Tal não implica que não ocorressem sismos, alguns dos quais, tal como atualmente, devastadores e destruidores de cidades, vilas ou lugares, com vítimas mortais e desencadeadores de outros eventos igualmente arrasadores, tais como tsunamis, movimentos de vertente e erupções vulcânicas. Um dos sismos mais estudados a nível mundial e que foi o precursor do estudo científico deste tipo de fenómenos foi o evento que ocorreu no dia 1 de novembro de 1755, e que destruiu, conjuntamente com o tsunami que espoletou e com os incêndios que se seguiram, a destruição de uma das capitais mais importantes e cosmopolitas da altura, Lisboa. Esse sismo promoveu um abanar de consciências e ajudou, e potenciou, a mudança de paradigma de como ver este tipo de eventos naturais.
Nas últimas semanas as notícias têm dado conta de vários eventos sísmicos com magnitude elevada um pouco por todo o globo, ou seja, com elevada energia libertada aquando da rutura que provocou a formação das diversas ondas sísmicas.
Portugal, devido à sua localização geodinâmica complexa, quer o território continental como o insular, faz com que seja palco de diversos riscos geológicos, em especial eventos sísmicos. Considerando apenas o século XX e eventos sísmicos que tenham causados danos significativos, o nosso país foi abalado por 4 vezes, tendo causado vítimas mortais e danos consideráveis. Dois eventos telúricos afetaram Portugal continental e os outros dois causaram vítimas no arquipélago dos Açores.
Ainda antes do final da primeira década do séc. XX, as áreas ribatejanas de Benavente, Samora Correia e Santo Estevão ficaram praticamente todas destruídas devido ao sismo que ocorreu no dia 23 de abril de 1909. Foi um dos sismos que causou maior número de vítimas mortais nesse século, sendo que apenas o sismo que assolou a ilha Terceira nos Açores, no dia 1 de janeiro de 1980, teve maior número de fatalidades.
Fez, no passado dia 28 de fevereiro, 52 anos que ocorreu o último grande sismo que afetou Portugal continental. Este evento teve um impacte significativo, quer a nível de trazer para debate o risco sísmico em Portugal e a necessidade de ter uma rede sísmica abrangente no país, como a nível da sociedade. O sismo que havia acontecido pouco antes do final da primeira década do séc. XX já estava praticamente apagado da memória coletiva, quer pelo tempo que havia decorrido, como pela pandemia que, entretanto, tinha surgido e afetado o país em 1918. Para a população da segunda metade do séc. XX, o sismo de 1969 foi um marco incontornável. O sismo de 1969, apesar de ter sido o evento com magnitude mais elevada a abalar Portugal no séc. XX, devido à sua localização, felizmente, o seu impacto no que respeita a vítimas e danos foi relativamente baixo. Contudo, o facto deste evento geológico ter sentido em todo o território nacional marcou significativamente toda uma geração que o vivenciou. Se é certo que em 1969 o país não estava preparado enfrentar um evento sísmico, será que estará agora?
Apesar de não ser ainda possível fazer previsão sísmica, ou seja, os cientistas ainda não conseguem prever onde, quando e com que magnitude irá ocorrer o próximo tremor de terra, é certo que cada dia que passa estamos mais perto do próximo grande sismo. Tal leva-nos à questão: “Estamos preparados para o próximo grande sismo?”. Esta questão, que pode parecer simples, encerra em si uma enorme panóplia de questões e de atores. A primeira seria relacionada com o “próximo grande sismo”, que nos remete ao “Onde? Quando? Como?”. Tal como já referido, essas são questões para as quais ainda não temos capacidade de resposta para que possa ser feito um alerta à população. Sabemos que existem zonas, que devido aos seus ambientes geológicos, ao tipo de falhas e às forças geodinâmicas atuantes, têm maior probabilidade para gerarem uma nova rutura na crosta terrestre e consequentemente um novo tremor de terra. Todavia, “Qual a extensão de tal rutura? “Quando irá dar-se essa rutura?”, ainda não é possível prever. Sendo assim, da questão que havíamos formulado inicialmente, isto é, “Estamos preparados para o próximo grande sismo?”, ficamos apenas com as duas primeiras palavras. Sendo assim, quando se fala em “Estamos” há que definir o quem é “Estamos”. Neste caso o “Estamos” engloba toda a sociedade, quer como um todo, como individualmente. Nós, cada um de nós enquanto pessoa, cidadão, somos a nossa primeira ajuda em caso de catástrofe, somos a nossa “Proteção Civil”, e temos de estar informados e preparados para o que possa acontecer. Tal leva-nos a uma nova interrogação: “Preparados como?”. Só conseguimos estar preparados se estivermos devidamente e corretamente informados, sabendo como agir, quer antes do evento acontecer, como durante e após a catástrofe. Só assim conseguimos uma resiliência pessoal, que culmina numa resiliência coletiva. Tal não impede que as autoridades competentes e governativas se demitam das suas responsabilidades, muito pelo contrário. Ter uma sociedade informada, ativa e resiliente face a um determinado perigo, leva a uma maior responsabilidade e responsabilização das autoridades competentes, o que consequentemente, implica uma melhor e maior preparação e programação dessas entidades.
*Ana Gomes, licenciada em Geologia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, mestre em Vulcanologia e Riscos Geológicos e doutorada em Geologia (especialidade Vulcanologia) pela Universidade dos Açores.
Desde a conclusão da sua licenciatura e até ao final do ano 2013 foi investigadora no Centro de Vulcanologia e Riscos Geológicos da Universidade dos Açores, onde esteve ligada à monitorização sismovulcânica, à divulgação de ciência e fez parte de vários projetos nacionais, regionais e europeus. É autora de vários artigos científicos e tem participado em diversos encontros científicos ao longo dos anos.
Presentemente é investigadora do Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra, onde desenvolve investigação no âmbito da análise de dados sísmicos da estação sísmica COI do Observatório Geofísico e Astronómico da UC e desenvolve ações de divulgação de ciência. É co-coordenadora do projeto “Escolas Associadas” do Departamento de Ciências da Terra da UC.