Polícia Judiciária está a investigar várias queixas de tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal e escravatura na zona de Odemira. A notícia é avançada esta segunda-feira pelo jornal Público.
O presidente da Câmara de Odemira, José Alberto Guerreiro, revelou, este domingo, que apresentou uma denúncia na Polícia Judiciária (PJ) sobre as situações que considerou suspeitas, que estão na base da existência de “muitos trabalhadores migrantes” no concelho. O jornal “Público” avança que há outras denúncias, para além das feitas pelo edil alentejano. A polícia está agora na fase de recolha de provas e, “aparentemente”, são casos avulsos ou levados a cabo pequenas redes criminosas.
No domingo, José Alberto Guerreiro considerou que o problema “ultrapassa aquilo que é a atividade agrícola”. Aos jornalistas, no final de uma reunião da ‘task force’ do concelho, realizada nesta vila do distrito de Beja, indicou ter denunciado as suspeitas “há cerca de dois anos” à Polícia Judiciária e que ele próprio já foi ouvido.
“Nessa altura, descrevi tudo aquilo que sei e tudo aquilo que me foi relatado, porque essa é a minha obrigação”, referiu, sublinhando que “as entidades públicas terão que avaliar” as situações denunciadas. Também a delegação de Beja da associação Solidariedade Imigrante (Solim) faz queixas sobre abusos em relação a trabalhadores no concelho.
O dirigente da Solim, Alberto Matos, sublinha que já foram feitas participações de situações análogas a tráfico de seres humanos por causa de trabalhadores que os contactam queixando-se de patrões que ficam com os seus documentos e com as palavras-passes de acesso ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Na plataforma fazem o pedido de autorização de residência, proibindo-os de entrar na mesma.
Em 2020, foram denunciadas, pelo menos, cinco situações de pessoas na agricultura que se queixaram à Solim. No entanto, não tem mais informações dos casos, uma vez que o SEF já os está a investigar.
O autarca da região descreve a situação com mais detalhe, alegando que existem estabelecimentos comerciais em Odemira que “têm um conjunto de empregados que não é justificado pelo espaço”, nomeadamente “supermercados com 200 metros quadrados” de área e que “têm 30 ou 40 trabalhadores”.
“Há espaços de venda ao público de bebidas que têm dez vezes mais empregados do que é normal”, mas também existem “outras questões muito estranhas”, em que “muitos dos negócios são em dinheiro”, disse.
Questionando, por exemplo, “como é que se compra uma casa ou um automóvel novo em dinheiro”, o autarca alentejano considerou que “tudo isto ajuda a que este processo da sobrelotação das habitações cresça”.
“Tínhamos a firme ideia de que era possível ter os trabalhadores que são quadros permanentes das empresas agrícolas a viver em meio urbano, em casas recuperadas ou em casas que eles próprios têm adquirido, mas a verdade é que essas são as que estão ocupadas pela maior parte das chamadas empresas de trabalho temporário e de prestação de serviços”, vincou.
O presidente da Câmara de Odemira frisou que as empresas de trabalho temporário “são legais, têm alvará, têm condições de verificação da saúde dos seus trabalhadores e têm planos covid”, sublinhando que a sua atividade tem de ser valorizada.
“Já não posso dizer o mesmo das chamadas empresas de prestação de serviços que nascem e morrem todos os dias”, vincou, adiantando que situações identificadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) já “foram descritas a grupos parlamentares”. “Fogem ao IVA [imposto sobre o valor acrescentado] e não pagam milhões de IVA, porque as pessoas depois desaparecem e ninguém é responsável”, acusou.
Para José Alberto Guerreiro, o país necessita de “uma regulamentação clara, objetiva e atualizada sobre a permanência de trabalhadores agrícolas numa habitação”, uma vez que “não faz muito sentido” ser a delegada de saúde a determinar se “uma habitação é salobra ou não”.
A ACT “queixa-se de não ter capacidade de intervenção em matéria de regulamentação para a habitação coletiva de trabalhadores”, referiu, considerando que têm de existir “regras claras e tem que ser definido quem é que pode intervir”.
Questionado pela Lusa sobre a Estratégia Local de Habitação (ELH) de Odemira, o autarca indicou que “uma das grandes dificuldades” deste trabalho, que está em curso, “foi em perceber qual é a dimensão deste problema” no concelho.
“A agricultura e ministérios vários nunca foram capazes de dizer que a dimensão do trabalho que se perspetiva aqui é X, nem ao menos um valor que fosse aproximado”, adiantou, insistindo que a câmara “nunca teve a objetividade de nenhuma das entidades a dizer quais são as necessidades de habitação”.
De acordo com o autarca, “não há entendimento possível”, uma vez que a câmara pretende que os trabalhadores permanentes vivem “dentro dos aglomerados” e os de mão-de-obra temporária nas quintas, enquanto os agricultores têm pretensão contrária.
O Governo decidiu decretar uma cerca sanitária às freguesias de São Teotónio e de Almograve, no concelho de Odemira, devido à elevada incidência de casos de covid-19, sobretudo em trabalhadores do setor agrícola, anunciou na quinta-feira o primeiro-ministro. António Costa sublinhou também que “alguma população vive em situações de insalubridade habitacional inadmissível, com hipersobrelotação das habitações”, relatando situações de “risco enorme para a saúde pública, para além de uma violação gritante dos direitos humanos”.
Migrantes em Odemira: Máfias controlam empresas-fantasma
A Polícia Judiciária vai investigar denúncias sobre tráfico de seres humanos no sudoeste alentejano. Os casos têm sido alvo de atenção do SEF e da ACT nos últimos anos.
Há dezenas de empresas de prestação de serviços que exploram a mão de obra migrante nas campanhas de apanha de frutos silvestres no sudoeste alentejano.
É sobre elas que incide grande parte das investigações realizadas nos últimos anos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e Autoridade das Condições do Trabalho (ACT).
“São empresas-fantasma criadas num dia e que desaparecem no dia seguinte sem deixar rasto quando são alvo de algum tipo de inspeção, ressurgindo depois com uma nomenclatura diferente.
Quase nunca se conseguem apanhar os suspeitos”, conta ao Expresso um responsável que tem feito parte destas investigações.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso