Pediu inicialmente 20 milhões de euros para desenvolver uma vacina contra a covid-19 e agora solicita pelo menos 25% desse valor para a seguir tentar apoios privados.
“Estas conversações arrastam-se há meses”, diz em entrevista ao Expresso Pedro Madureira, cofundador e diretor científico da empresa, que explica que é mais difícil ter financiamento privado quando o Estado não sinaliza o seu interesse.
A empresa está há quase meio ano à espera de financiamento por parte do Governo. Tiveram novidades entretanto?
Não. Das últimas vezes que falámos com o Governo disseram-nos para submeter o projeto a programas de apoio como o Portugal 2020 e o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]. Já o fizemos e continuamos a aguardar. Nessas reuniões foi equacionada a possibilidade de ter formas mais rápidas de investimento, mas até agora não surgiu nada.
Que formas mais rápidas?
Há várias formas de fazer um investimento mais direto. À semelhança do que foi feito quer na Alemanha, quer mais recentemente em Espanha, podiam ser assinados acordos de pré-compra de vacinas. O Governo alemão, por exemplo, investiu na BioNTech quando a vacina [que esta empresa desenvolveu em parceria com a farmacêutica Pfizer] estava na fase pré-clínica. Foram assinados acordos para fazer uma compra antecipada de doses. Sugerimos ao Governo português um acordo desse género, em que haveria contrapartidas, mas nada ficou decidido e não foi assumido qualquer compromisso nesse sentido.
Quais as consequências deste impasse para o desenvolvimento da vacina?
Os programas de apoio têm prazos de concretização demorados, como se sabe. E estas conversações arrastam-se há meses. É preciso dar início ao processo de produção de vacinas para os ensaios clínicos, recrutar pessoas para esses mesmos ensaios e contratualizar com centros clínicos, mas só podemos avançar quando tivermos financiamento. Já temos unidades de produção das vacinas mas, não tendo o dinheiro agora, podemos ter de esperar mais seis meses até estas unidades estarem disponíveis novamente. Por outro lado, quanto mais tempo passa, mais difícil o processo se vai tornar, porque quase todos os portugueses já estão vacinados e não conseguiremos recrutar pessoas para os ensaios clínicos. O nosso objetivo inicial era que esses ensaios decorressem maioritariamente em Portugal, mas isso neste momento é quase impossível.
Vão ser realizados onde?
Em países do sul de África e da América Latina. A taxa de vacinação é aí bastante baixa. As fases 1 e 2, em que participam um número reduzido de voluntários, talvez possam decorrer em Portugal, mas a fase 3, em que participam milhares de pessoas, entre três mil a cinco mil, seguramente irá decorrer nas regiões referidas, porque temos de assegurar que participam pessoas de diferentes faixas etárias e grupos de risco.
Que implicações tem isso?
A ideia inicial era beneficiar pessoas cá em Portugal, aumentando a taxa de vacinação. Também seria uma vantagem para o Governo, que poderia adquirir vacinas internamente em vez de continuar a comprar a outros países. Seria bom para a economia do país. Além disso, a nossa vacina tem características interessantes do ponto de vista da sua eficácia contra a transmissão do vírus. Mesmo na fase dos ensaios clínicos, milhares de portugueses poderiam sair beneficiados.
Que características são essas?
Como a nossa vacina utiliza o vírus como um todo — em vez de se dirigir apenas a uma proteína do vírus, como as outras —, a imunidade que induz contra novas variantes é longa e robusta. Não será necessário fazer um reforço anual, tal como acontece com as outras vacinas. Bastam duas doses para ter uma imunidade duradoura, que dure décadas.
Com base em que dados é que afirma isso?
Pessoas que estiveram infetadas com SARS-CoV em 2002 estão imunes a este vírus. Isto diz-nos que a exposição do sistema imunitário ao vírus induz uma imunidade longa. O facto de estarmos a usar o vírus como um todo, como eu expliquei, garante que a probabilidade de haver variantes que escapem a esta vacina, como tem acontecido com as outras vacinas, é muito baixa.
Era suposto a vacina chegar ao mercado no “final de 2022, início de 2023”. Mantêm essa meta?
Começa a ser cada vez mais difícil. Estamos a contar com um ano, ano e meio, para os ensaios clínicos. Se o financiamento chegasse entretanto, e se tudo corresse bem, conseguiríamos ter a vacina pronta em meados de 2023. Mas, neste momento, estamos literalmente parados, sem fazer nada. E quanto mais tempo demorarmos, mais difícil se torna rentabilizar o investimento e competir com outras empresas que possam aparecer.
Ponderam recorrer a financiamento privado?
Isso já foi ponderado. O problema é que, enquanto não houver uma garantia por parte do Governo, que é o comprador final, também não há investimento privado. São os governos que estão a comprar doses da vacina. Se o Governo não sinaliza, o privado também não se chega à frente.
O que seria uma boa sinalização?
Assegurar uma parte do financiamento seria suficiente. Nem que fosse metade ou 25% do financiamento total [20 milhões de euros para a fase de ensaios clínicos].
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL