É, invariavelmente, por volta das cinco e meia: desço, dou três puxadelas na corda de ligação do soprador e a gasolina de mistura começa a trabalhar a sua magia. Dez minutos mais tarde a avenida das pipas e todo o alpendre nascente estão sem folhas, limpinhos. Nessa altura já posso subir, tomar o meu banho, despachar-me e voltar para baixo.
E então um novo ritual: ligar a música, as cascatas de luz, trazer o pão quentinho, que o padeiro deixa lá ao fundo, e colocá-lo na grande cesta verde, nem muito abafado, nem demasiado exposto ao ar.
Nessa altura o presunto espreita-me e, por vezes, não lhe resisto: lasco-o com devoção e junto-lhe a mor tentação em forma de côdea de pão quente com um toque de manteiga.
Enquanto na cozinha já se ouvem as vozes que preparam o jantar, começam-me a chegar os meninos.
– Falta passar o pano nas mesas e verificar os cinzeiros da rua.
– Já estou a tratar disso…
– Abram também o resto dos toldos e preparem as mesas das reservas e a máquina dos copos…
Às vezes tenho tempo para parar e olhar à volta. Tempo para me encantar, outra vez como a primeira, com a beleza de tudo. Tempo para deixar que a incrível energia do espaço me atinja outra vez, como a activação de um incontestável super poder. Tempo para intuir os sorrisos orgulhosos e tão incrivelmente felizes dos fundadores que já só estão sem serem vistos.
Às vezes perguntam-me como é que é possível que aqui, atrás dos montes escondido, se encontre este surpreendente tesouro. Respondo que tal característica é a sua própria essência: é por estarem escondidos que os tesouros são tesouros… e é por terem guardadas em si, sem que se deixem ver, as soberbas energias de um clã.
(CM)