Nos últimos 20 anos, sobretudo a partir de 2008, acentuaram-se e agravaram-se as tendências verificadas desde a década de 80 do século XX, com predomínio da visão de mercado para a produção cultural e artística com redução do sector público na cultura para níveis de manutenção ou mesmo de sobrevivência.
Esquece-se que o desenvolvimento educativo, científico e cultural são a base da economia da cultura e de todas as áreas de conhecimento.
Neste milénio o orçamento do OGE para a cultura foi-se reduzindo gradualmente para níveis próximos dos 0,1 % do PIB…
Permaneceu a secular dificuldade em compreender o valor e a importância da cultura portuguesa, entendida no seu significado mais amplo e como vector estratégico relevante para todas as outras áreas. Portugal no contexto europeu possui uma importância e dimensão cultural superior à maioria dos Estados do continente, não só pela grande expressão e difusão da língua como pela presença de comunidades portuguesas e de património material e imaterial português em todo o mundo.
Nestas duas décadas foram desenvolvidas medidas conjunturais, pontuais ou avulsas, que nunca definiram ou constituíram uma política cultural, isto é, um conjunto coerente de objectivos estratégica e previamente definidos em diagnóstico, acompanhados de programas quantificados, de instrumentos organizativos, financeiros e de monitorização.
Muito evidente do aproveitamento de situações conjunturais foram os casos das Capitais Nacionais da Cultura e das Capitais Europeias da Cultura, Porto em 2001 e Guimarães em 2012…
Em 2003 por decisão do Governo e com tutela do Ministério da Cultura, Coimbra organizou uma Capital Nacional da Cultura e em 2005 seguiu-se Faro a desenvolver idêntica iniciativa. Estas foram suspensas a partir desse ano por se verificar serem acontecimentos realizados sem tempo necessário de preparação, sem candidaturas prévias das diversas cidades ou municípios, pouco inseridas em projectos de desenvolvimento e no planeamento cultural regional…
No plano internacional registaram-se óbvios progressos nas inscrições e reconhecimentos de património português pela UNESCO, como são os casos do Centro Histórico de Guimarães (2001), Paisagem do Vinho na Ilha do Pico, nos Açores (2004), fortificações militares de Elvas (2012), Universidade de Coimbra (2013), Basílica, Palácio e Convento de Mafra com o Jardim do Cerco (2019) e o Santuário do Bom Jesus em Braga (2019).
Também a lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO acolheu o Fado (2011), a Dieta Mediterrânica (2013), Cante Alentejano (2014), Falcoaria (2016), Barro de Estremoz (2017) e Caretos de Podence (2019), também na lista do património em risco, casos dos chocalhos e cerâmica de Bizalhães.
A região Algarve, por determinação governamental, teve neste período dois programas de promoção turística apoiados em entidades e recursos culturais, o “Allgarve “ e o “365 Algarve”, de natureza instrumental, sem qualquer ligação a uma política cultural regional, aliás inexistente.
A região algarvia, com atraso significativo em infraestruturas culturais qualificadas, recuperou e construiu edifícios, de iniciativa dos Municípios e com apoio do Poder Central, vários museus (Portimão, Tavira, Albufeira…), uma rede de bibliotecas e arquivos, diversos teatros (Figuras em Faro e Tempo em Portimão,…).
A “austeridade”, que na segunda década do milénio atingiu a vida pública e em particular o sector cultural, teve como consequência durante a intervenção da “troika” a extinção do Ministério da Cultura e tutela do sector por um Secretário de Estado dependente do Primeiro-Ministro.
Neste momento o futuro é imprevisível para a cultura e todos os outros sectores de actividade.
Com o surgimento de uma pandemia viral que atinge todo o planeta, os indicadores científicos internacionais apontam para uma deterioração ambiental generalizada e um aumento da população mundial com pressão junto das zonas mais férteis e recursos hídricos. O modelo económico actual em permanente “crise”, assente na produção intensiva e no consumo massificado sem limites, não é consentâneo com as urgentes necessidades sociais e ambientais.
Que fazer? O que há anos organismos internacionais, especialistas e cientistas vêm aconselhando e explicando: proteger a biodiversidade e a sustentabilidade dos territórios, reforçar as produções locais e os circuitos curtos de distribuição, reactivar os mercados locais e de bairro com produtos saudáveis e mínimo de pegada ecológica, promover uma cultura de solidariedade global e ao mesmo tempo de afirmação e reforço da diversidade cultural.
Em suma, alterar o nosso estilo de vida.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de agosto)