Em agosto de 1963, o Algarve foi palco de um episódio tão insólito quanto revelador do espírito da época. Uma aclamada atriz sueca de Hollywood, foi multada na praia de Monte Gordo por usar um biquíni. Esta história, que hoje parece quase anedótica, reflete as rígidas normas morais de um Portugal ainda fortemente conservador.
O biquíni, embora visto hoje como uma peça de vestuário comum nas praias, tinha então uma história recente e carregada de controvérsia. Criado em 1946 pelo engenheiro francês Louis Réard, o biquíni surgiu numa Europa ainda marcada pela escassez pós-guerra. Com um design que reduzia o maillot de praia ao mínimo, o biquíni tornou-se rapidamente num símbolo de ousadia e libertação feminina.
Apesar da crescente popularidade do biquíni, especialmente em Hollywood, Portugal mantinha-se à margem desta revolução social e cultural. No início da década de 1960, as praias algarvias ainda eram redutos de um conservadorismo que olhava com desconfiança para as mudanças que ocorriam além-fronteiras.
A visita de Ingrid Bergman ao Algarve
Quando Ingrid Bergman decidiu explorar o Algarve em 1963, provavelmente não antecipou as repercussões que o seu biquíni provocaria. A atriz, que se hospedou no Hotel Vasco da Gama, como nos conta o NCultura, desceu à praia de Monte Gordo, onde o seu biquíni causou sensação.
Aos 48 anos, Bergman continuava a ser uma figura deslumbrante, atraindo olhares e admiração. No entanto, o seu biquíni foi considerado indecente pelas autoridades locais. O cabo do mar, munido do seu bloco de multas, abordou a atriz e sancionou-a por “indecência”. A multa foi simbólica, apenas 2,5 escudos, mas o episódio marcou profundamente a estrela, que sentiu o peso do atraso de mentalidades e da repressão social ainda vigente no país.
O Algarve e a influência de Hollywood
Na década de 1960, o Algarve começava a emergir como um destino de eleição para turistas e celebridades. O lançamento do género “beach movie” em Hollywood, com filmes como Beach Party (1963), catapultou o biquíni para o centro das atenções como um símbolo da cultura jovem e da emancipação feminina. Este movimento, contudo, contrastava com a realidade portuguesa, onde o biquíni ainda era visto com reservas.
Ingrid Bergman, já premiada com dois Óscares e reconhecida pelo seu talento em filmes como Casablanca, não era apenas uma atriz; era um ícone cultural. A sua presença em Monte Gordo, ainda que breve e marcada por um incidente infeliz, trouxe um vislumbre da modernidade a um país que se encontrava à margem das grandes transformações sociais que varriam o Ocidente.
O episódio da multa, por mais irrisório que possa parecer, foi uma manifestação clara das tensões entre uma sociedade em transformação e as normas conservadoras que ainda a regiam. Para Bergman, o valor da multa era insignificante – menos do que um bilhete de cinema. No entanto, o impacto psicológico foi significativo. “Era o constrangimento de ser multada”, algo que a atriz não estava habituada a enfrentar, especialmente por uma questão de vestuário.
O episódio de Monte Gordo é um lembrete da rigidez social que caracterizava Portugal antes da Revolução dos Cravos. Ingrid Bergman, ao ser multada por usar biquíni, tornou-se involuntariamente num símbolo da luta contra o conservadorismo que ainda permeava a sociedade portuguesa. O Algarve, que anos mais tarde se tornaria um dos destinos mais liberais e procurados da Europa, já começava a sentir os primeiros ventos de mudança, trazidos por figuras como Bergman, que, mesmo sem o saber, ajudaram a desenhar o futuro da região.
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