No mesmo dia em que o vice-almirante Gouveia e Melo deixou a coordenação da task-force da vacinação – numa cerimónia com a presença do primeiro-ministro, do ministro da Defesa e da ministra da Saúde -, o almirante António Mendes Calado, chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), foi chamado ao ministro da Defesa e informado de que ia ser proposta a sua exoneração ao Presidente da República. A notícia foi avançada pelo Diário de Notícias e confirmada pelo Expresso.
O chefe do Estado-Maior da Armada estava de férias quando foi chamado por João Gomes Cravinho para uma reunião às 18h desta terça-feira, onde foi informado de que ia ser proposta a sua saída de funções. No entanto, a decisão depende de Marcelo Rebelo de Sousa, por ser o Presidente da República que nomeia e exonera os chefes militares mediante proposta do Governo, depois de ouvido o CEMGFA. Marcelo poderá falar sobre o assunto publicamente esta quarta-feira, ao fim da manhã, depois de uma visita à Casa do Artista, avançou ao Expresso uma fonte de Belém.
O CEMA já terá recebido do ministro a carta com o nome proposto para o substituir, apurou o Expresso, e que deverá ser aberta na reunião do Conselho Almirantado, que dará um parecer não vinculativo sobre o oficial-general indicado. Segundo fontes do Ministério da Defesa à Lusa, confirma-se a informação inicial do Expresso de que o Governo vai propor o vice-almirante Gouveia e Melo para CEMA. Uma antiga alta patente explica que esta situação é inédita, porque não tem memória de um CEMA ter sido demitido, situação que está a deixar a Marinha em “polvorosa” – mais pelo processo do que com o facto de o substituto ser Gouveia e Melo. O mandato do CEMA, reconduzido em fevereiro, podia prolongar-se por dois anos até fevereiro de 2023, mas o vice-almirante responsável pelo sucesso do plano de vacinação passaria à reserva antes disso.
As relações do CEMA com o Governo e com o chefe do Estado-Maior da General das Forças Armadas (CEMGFA) estavam degradadas a tal ponto que, na primeira semana de setembro, o almirante Mendes Calado pediu uma reunião de urgência com o Presidente da República e comandante supremo, depois de ter sido desautorizado pelos superiores hierárquicos, nos termos da nova e polémica reforma, por causa da nomeação do comandante naval. Como então noticiou o Expresso, o CEMA chegou a ser recebido em Belém, fora da agenda oficial, na sequência do veto do ministro da Defesa e do CEMGFA ao nome do contra-almirante Oliveira Silva proposto pelo ramo para comandante naval. O CEMA propôs o nome no início de julho, mas deixou-o na gaveta até setembro, depois de entrar em vigor a nova legislação que prevê que o CEMGFA seja ouvido quanto aos nomes dos comandantes operacionais. E deu parecer negativo.
Em reação a esta notícia, o ex-CEMA na reforma, almirante Melo Gomes, um dos maiores críticos da reforma do comando superior das Forças Armadas – e promotor da Carta dos 28 ex-chefes militares encabeçada por Ramalho Eanes – diz ao Expresso que está em causa a “decência”: “Parece que estamos em 1975 com os saneamentos políticos do PREC”, por o CEMA ter discordado da reforma. E acrescenta, numa crítica ao processo de exoneração: “Não tenho nada contra a observância da lei, mas tenho contra a não observância da decência”. Num recado para o Presidente da República, o ex-CEMA considera ainda que se a decisão “se não foi concertada com Belém, este processo põe em causa o regular funcionamento das instituições democráticas”, o motivo constitucional para a demissão do Governo.
O Expresso falou esta noite com vários oficiais-generais da Marinha na reforma e na reserva, que, surpreendidos pela notícia, se mostraram indignados com o processo, mas que não querem aparecer a falar do assunto antes de conhecerem mais pormenores, sobretudo as razões invocadas para a proposta de exoneração do CEMA. No entanto, se há quem refira um “ajuste de contas” político, o Expresso também ouviu a opinião de que Mendes Calado devia ter-se demitido quando as relações com o Governo e com o CEMGFA se tornaram insanáveis.
As divergências tiveram origem no processo de reforma do comando das Forças Armadas, a que o CEMA se opôs ao longo do processo legislativo, assim como os outros dois chefes militares, do Exército e da Força Aérea. A intervenção do almirante na comissão parlamentar de Defesa foi o momento mais público dessas discordâncias – apesar de a reunião ter sido à porta fechada. Nessa audiência, em junho, entre outras críticas, Mendes Calado disse aos deputados que a reforma “não pode prejudicar a competência” dos chefes para “comandar e para administrar o respetivo ramo, nem afetar a sua dependência relativamente ao ministro da Defesa Nacional.”
O almirante Calado é a segunda baixa do conflito entre o ministro e os chefes militares por causa da nova arquitetura no topo da defesa. A primeira foi o contra-almirante Oliveira Silva, que pediu para passar à reserva assim que o seu nome foi vetado pelo ministro e pelo CEMGFA para comandante naval.
Notícia exclusiva do parceiro do jornal Postal do Algarve: Expresso