Edgar Amorim é especialista em cirurgia geral e é coordenador da unidade de referência do cancro colorretal do CHUA. Segundo o próprio, “os algarvios devem orgulhar-se em ter na sua estrutura de cuidados de saúde uma unidade que é reconhecida a nível nacional”.
P – Quem é que deve e onde é possível realizar o rastreio ao cancro colorretal?
R – O rastreio do cancro do cólon e do reto nos indivíduos sem qualquer sintomatologia, deve ser realizado entre os 50 e os 75 anos. O método preconizado consiste na pesquisa de sangue oculto nas fezes. Caso seja positivo é orientado posteriormente para a realização de uma colonoscopia. O rastreio regular pode prevenir a doença oncológica, uma vez que o cancro do colon e do reto têm um crescimento lento desde o aparecimento da lesão precursora até à sua transformação em cancro.
Os cuidados de saúde primários têm um papel essencial nesta fase. Os médicos de família pela proximidade que têm, são geralmente os grandes promotores dos rastreios. Importa realçar que a redução da mortalidade e o aumento da sobrevivência está diretamente relacionada com a fase da doença (estadio) em que esta se apresenta. Deste modo, quanto mais precoce o diagnóstico maior a probabilidade de ultrapassarem com sucesso esta fase da vida.
P – Em contexto pandémico, constam alterações nos serviços prestados pelo Centro de Referência do Cancro do Reto?
R- De momento, a atividade do CR-CHUA está a ser realizada sem constrangimentos, uma vez que estão reunidas as condições de segurança necessárias para os profissionais e para os utentes. Naturalmente numa fase inicial, em que existia um profundo desconhecimento acerca da doença, e em que os serviços de saúde não estavam preparados para lidar com este tipo de situação, tivemos que ajustar a nossa atividade.
O grande problema com o qual ainda estamos a lidar, prende-se com o atraso no diagnóstico e a chegada à consulta de cancros em fases mais avançadas. Como justificações possíveis temos por um lado a diminuição da procura dos cuidados médicos que se tem constatado desde o início da pandemia, e por outro a dificuldade que existiu numa fase inicial, no acesso por parte da população, aos meios de diagnóstico realizado no contexto extra-hospitalar.
P – Quanto ao tratamento e apesar de ser orientado para cada indivíduo, no tratamento predomina com maior força a cirurgia ou a quimioterapia e radioterapia?
R – Apesar de ao nível do cancro do reto existirem várias opções de tratamento que podemos oferecer aos nossos doentes, quer seja com intuito curativo ou paliativo, a cirurgia continua a ter um papel preponderante. Contudo, a cirurgia deve ser encarada como umas das diferentes opções que temos para oferecer aos nossos doentes. Por exemplo, a colonoscopia para além de um papel de diagnóstico pode ser curativa. É esse o objetivo dos rastreios, identificar e se possível tratar lesões precursoras ou numa fase inicial. A própria quimioterapia associada à radioterapia pode reduzir o tamanho do tumor e em alguns casos conseguir uma resposta completa com desaparecimento do tumor. Nestas situações e em casos selecionados pode evitar mesmo a intervenção cirúrgica.
As diferentes opções que temos ao nosso dispor devem ser discutidas em equipa, tendo em conta o caso em concreto que estamos a discutir. Na minha opinião, o maior avanço que existiu no tratamento da doença oncológica foi a perceção da importância dos procedimentos serem realizados por equipas com experiência e após uma abordagem multidisciplinar.
P – O CR-CHUA consegue dar resposta a todos os pacientes encaminhados pelos hospitais ou centros de saúde?
R – Sim. Todos os doentes referenciados, com cancro do reto, são discutidos semanalmente pela equipa nuclear numa reunião multidisciplinar de grupo distribuídos pelas 2 unidades (Portimão e Faro) que funcionam em cooperação e em rede. Este tipo de opções permite garantir que os nossos doentes tenham uma opção terapêutica validada de acordo com as melhores práticas e em tempo útil.
De acordo com os últimos dados oficiais e publicados, tivemos um tempo de resposta de aproximadamente 9 dias, o que coloca o nosso centro bastante abaixo dos tempos definidos por lei e demonstra a capacidade que o Centro de Referência tem de responder a estas solicitações. A título de exemplo, assumimos o compromisso interno de que para a patologia oncológica do colon e reto não exista limite máximo de primeiras consultas, sendo o seu volume ajustado semanalmente às solicitações existente. Estamos a falar de cerca de 100 novos casos por ano só a nível do reto, número este que aumenta para mais do dobro se incluirmos igualmente os cancros do cólon.
P – Ao curar o cancro, que recomendações são feitas aos pacientes?
R – É sempre complicado afirmarmos que podemos curar este tipo de cancros, uma vez que existe sempre o risco do cancro voltar. O que sabemos é que ao fim de 5 anos sem doença, o risco de recidiva passa a ser semelhante ao da população geral. Assim, deixa de haver motivo para realizar o seu seguimento nas unidades hospitalares e pode passar a ser seguidos pelos seus médicos de família.
Até aos 5 anos e em especial nos primeiros 2 anos, período em que existe maior risco de recidiva, os doentes devem ser submetidos a monitorização mais apertada de modo a conseguirmos detetar a existência do reaparecimento do cancro antes mesmo de ele dar sinais.
P – Os pacientes com este cancro e acompanhados pelo CHUA são maioritariamente algarvios ou de todo o país?
R – Salvo raras exceções, os doentes que seguimos são da região do Algarve. A proximidade ao local da prestação dos cuidados de saúde é um fator importante, uma vez que estes tipos de tratamentos vão prolongar-se ao longo de vários meses, em especial quando necessitam de tratamento de quimioterapia ou radioterapia. Este é um ponto muito importante.
O que é o cancro colorretal?
O cólon (intestino grosso) e o reto localizam-se no final do tubo digestivo que transporta e processa os alimentos ingeridos e a produção descontrolada das células do revestimento interno do intestino grosso é a causa para o desenvolvimento do cancro colorretal. Numa fase inicial, esta alteração origina tumores benignos que quando não são tratados a tempo, podem transformar-se em tumores malignos.
Em 85% dos casos conhecidos não existe nenhuma relação genética associada, mas a ingestão de carnes vermelhas e de gordura de origem animal, assim como o sedentarismo e o consumo de álcool e tabaco são associados ao aparecimento da doença.
A sintomatologia do cancro colorretal não é exclusiva, mas qualquer sinal de alarme é crucial. A existência de alteração do trânsito intestinal e das suas características, a existência de sangue nas fezes, anemia e emagrecimento sem motivo aparente são sinónimos de alerta.
Em Portugal e de acordo com o plano nacional de prevenção e controlo das doenças oncológicas, o rastreio deste cancro é aconselhado a todos os indivíduos que estejam entre os 50 e 75 anos. O resultado desta avaliação é fundamental para ajudar a prevenir a doença, tendo em conta que o cancro do colon e do reto desenvolve-se progressivamente até ser maligno. Quanto mais rápido for o diagnóstico maior será a probabilidade de cura.
De acordo com a página oficial da Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva, em Portugal, o cancro colorretal é “o segundo mais frequente nas mulheres depois do cancro da mama e o segundo mais frequente nos homens depois do cancro da próstata, ocupando o primeiro lugar em termos de mortalidade”.
Ainda pode estar a tempo
O cancro colorretal, mais conhecido por cancro do cólon e reto, é uma realidade presente na vida de muitos portugueses. Das 30.118 mortes por cancro em Portugal, no ano de 2020, 4.320 foram devido ao cancro colorretal, que é posicionado como a segunda maior causa de morte por cancro.
O Centro de Referência do Cancro do Reto (CR) do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) é reconhecido a nível nacional pelo Ministério da Saúde pelo tratamento desta doença oncológica. Como o próprio nome indica, esta unidade foi submetida a um processo de acreditação externo e rigoroso, até poder ser afirmado como referência. É composta por uma equipa de médicos, enfermeiros, nutricionista, terapeutas, gestores e especialistas em radiologia e radio oncologia, gastrenterologia, oncologia médica, anatomia patológica e cirurgia geral.
O CHUA notificou que a taxa de mortalidade relativa a esta doença tem vindo a diminuir com o passar dos anos. No Algarve e comparando os dados oficiais de 2015 e 2018 é possível verificar uma descida do número de óbitos. Até meados dos anos 80 a taxa de sobrevivência cinco anos após o diagnóstico era de 42% enquanto que atualmente se encontra nos 70 a 80%.