Nestes dias de assombrações reais de um vírus que anda por aí assustando nos ajuntamentos de pessoas, preferindo, por isso, os leitores passar mais tempo em casa e, assim, acautelar riscos de contágio, talvez uma boa terapia contra o medo seja, para além, claro está, de cumprimos as recomendações das autoridades sanitárias, nos deixarmos assustar por inofensivas assombrações ficcionais que espreitam nas prateleiras mais recônditas das bibliotecas e, pela via da biblioterapia caseira enfrentar e arrumar medos, ainda que estes, ao contrário do outro, viral, que nos vem assombrando desde março passado, sejam apenas de papel.
Ora, a Rede de Bibliotecas do Algarve – BIBAL – disponibiliza gratuitamente a quem interessar, seja para combater medos seja para melhor passar o tempo, doses apropriadas de uma biblioterapia caseira prescrita pelos bibliotecários, precisamente, para nos assustar inofensivamente. Basta, para isso, ir a uma biblioteca municipal da rede, não necessitando de receita médica, mas apenas de um cartão da biblioteca, e procurar no catálogo, ou então diretamente nas estantes, uns livrinhos de bolso, de formato estreito, capa impressa a preto sobre uma cartolina cinzento-escura e miolo de papel azul, que integram a Coleção Livro B, que a desaparecida Editorial Estampa publicou entre 1970 e 1991 e que, depois de trinta anos de ausência, no ano passado, foi retomada pela E-Primatur com novos títulos e, espera-se, reedições, já que muitos desses livrinhos, entretanto, se esgotaram.
A coleção parou no número 55, A Dama de Branco e Outros Contos, do norte-americano Nathaniel Hawthorne, livrinho que inclui o extraordinário “Wakefield”, conto predileto de Jorge Luis Borges, e aí ficou durante quase 30 anos até que a E-Primatur decidiu ressuscitá-lo do vale dos livros mortos, recriando ligeiramente o design e o formato, tendo já sido publicados mais seis números, entre os quais Os Mil e Um Fantasmas, de Alexandre Dumas, construído a partir de histórias narradas por diferentes personagens que encarnam declinações da literatura fantástica oitocentista, desde os fantasmas aos vampiros. Alexandre Dumas, de quem a Livro B já publicara O Lobisomem, é, assim, um autor reincidente na coleção que conta com títulos como O Fantasma dos Canterville, de Oscar Wilde, Os Demónios de Randolph Carter, de H. P. Lovecraft, Contos Fantásticos, de Ernst Hoffmann, O Cocheiro da Morte, de Selma Lagerlöf ou Frankenstein, de Mary Shelley, entre muitos outros títulos de arrepiar.
A maioria desses livrinhos “marginais”, não dirigidos ao consumo de massas e que, por isso, nunca foram nem serão best-sellers, e que vão desde o surrealismo ao fantástico, passando pela literatura simbolista e decadentista, encontram-se esgotados, apenas podendo ser adquiridos em alfarrabistas, mas muitos, dispersos por várias moradas biblioteconómicas, integram os catálogos da Rede de Bibliotecas do Algarve, silenciosamente à espera dos leitores desassombrados que ousem perder-se nos seus fantásticos territórios de papel. Há histórias de vampiros, bruxas e demónios e outros contos cruéis, há manuscritos misteriosos à espera de se revelarem e aventuras para acompanhar, e há também paraísos artificiais, todos eles para leitura desassombrada em tempos de pandemia e em vésperas de Haloween.
João Ventura,
(Biblioteca Municipal Manuel Teixeira Gomes – Portimão)