A pequena aldeia de Cacela-a-Velha, implantada sobre arriba costeira, domina uma vasta extensão de mar entre a foz do rio Guadiana e a cidade medieval de Tavira, integrada na zona marítima da bacia de Cádis. Encontra-se protegida das águas oceânicas pela península de Cacela, cordão arenoso estruturante do sistema lagunar da Ria Formosa.
O conhecimento insuficiente sobre a história deste lugar gerou sempre inquietude nos investigadores. Por exemplo, o arqueólogo algarvio Estácio da Veiga escreveu em 1887 que «A outrora florescente vila de Cacela, hoje arrasada a ponto de não se conhecerem os antigos limites da sua grandeza, foi sucessora de mui anteriores populações, desde tempos remotíssimos, pois ali se acha largamente caracterizada a civilização neolítica, a romana e a árabe».
Ou ainda Athaíde Oliveira em 1908 escrevia: «O que é feito de Hisn-Kastala, onde os mouros se faziam fortes, e de onde saíam contra os exércitos da cruz, espalhando o sangue dos seus inimigos à custa do seu próprio sangue?
O que é feito da Villa de Cacella dos primeiros séculos da Monarquia, onde por tantas vezes se levantaram sérias discussões entre os Mestres das Ordens e os bispos?
Tudo desapareceu; e hoje sómente quem tenha o privilégio de conhecer a linguagem das ondas, pode, por seu intermédio, colher a verdadeira resposta».
A Arqueologia em Cacela-a-Velha começou em 1989, tendo sido interrompida em 2007 e recomeçado com novo projecto de investigação em 2018. Este longo caminho percorrido, que permitiu compreender que, nos séculos XII-XIII, o castelo de Cacela sofreu amplas transformações no âmbito da política do califado almóada de fortificação dos territórios, concentração da população rural junto de núcleos fortificados e reforço das povoações costeiras. Assim, a expansão do povoado foi orientada para o espaço extramuros, junto do provável porto situado na foz da ribeira. As escavações arqueológicas neste lugar denominado Poço Antigo revelaram um conjunto habitacional andaluz, abandonado no final do período almóada, primeira metade do século XIII.
Após a conquista cristã de Cacela, cerca de 1238-1240, o Castelo transitou para a posse da Ordem de Santiago, que iniciou de imediato remodelações profundas na fortificação e na sua envolvente. Por exemplo, no sítio do Poço Antigo foi construída a primeira igreja de Cacela e instalado um cemitério que acolheu a primeira comunidade cristã daquela região.
No interior do Castelo, as escavações arqueológicas puseram a descoberto a muralha original do período islâmico em taipa, compartimentos senhoriais denotando o uso prolongado no tempo e vários silos de grandes dimensões provavelmente entulhados no período da conquista cristã de Cacela,
Foi possível também identificar a fortificação construída posteriormente em Cacela, incluindo uma das torres desenhadas pelo engenheiro italiano Massaii no século XVII.
Através da Arqueologia, testemunha-se o impacto do terramoto de 1755, que desfez, por exemplo, o nivelamento de uma calçada de pedra.
Assim se vai revelando a história deste lugar através da conjugação de todas as disciplinas que com a história partilham conhecimento, o rigor na observação dos detalhes e também, ouvir as ondas do mar.
Direção Regional de Cultura do Algarve
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de julho)
(CM)