O presidente da Câmara de Odemira, José Alberto Guerreiro, revelou hoje que apresentou uma denúncia na Polícia Judiciária (PJ) sobre situações que considerou suspeitas, que estão na base da existência de “muitos trabalhadores migrantes” no concelho.
Existe “um problema que ultrapassa aquilo que é a atividade agrícola, mas, a coberto dela, o facto de haver muitos trabalhadores migrantes e uma intensa atividade agrícola”, afirmou o autarca alentejano.
José Alberto Guerreiro, que falava aos jornalistas no final de uma reunião da ‘task force’ do concelho, realizada nesta vila do distrito de Beja, indicou ter denunciado as suspeitas “há cerca de dois anos” à Polícia Judiciária e que ele próprio já foi ouvido.
“Nessa altura, descrevi tudo aquilo que sei e tudo aquilo que me foi relatado, porque essa é a minha obrigação”, referiu, sublinhando que “as entidades públicas terão que avaliar” as situações denunciadas.
Segundo o presidente do município, existe estabelecimentos comerciais em Odemira que “têm um conjunto de empregados que não é justificado pelo espaço”, nomeadamente “supermercados com 200 metros quadrados” de área e que “têm 30 ou 40 trabalhadores”.
“Há espaços de venda ao público de bebidas que têm dez vezes mais empregados do que é normal”, mas também existem “outras questões muito estranhas”, em que “muitos dos negócios são em dinheiro”, disse.
Questionando, por exemplo, “como é que se compra uma casa ou um automóvel novo em dinheiro”, o autarca alentejano considerou que “tudo isto ajuda a que este processo da sobrelotação das habitações cresça”.
“Tínhamos a firme ideia de que era possível ter os trabalhadores que são quadros permanentes das empresas agrícolas a viver em meio urbano, em casas recuperadas ou em casas que eles próprios têm adquirido, mas a verdade é que essas são as que estão ocupadas pela maior parte das chamadas empresas de trabalho temporário e de prestação de serviços”, vincou.
O presidente da Câmara de Odemira frisou que as empresas de trabalho temporário “são legais, têm alvará, têm condições de verificação da saúde dos seus trabalhadores e têm planos covid”, sublinhando que a sua atividade tem de ser valorizada.
“Já não posso dizer o mesmo das chamadas empresas de prestação de serviços que nascem e morrem todos os dias”, vincou, adiantando que situações identificadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) já “foram descritas a grupos parlamentares”.
“Fogem ao IVA [imposto sobre o valor acrescentado] e não pagam milhões de IVA, porque as pessoas depois desaparecem e ninguém é responsável”, acusou.
Para José Alberto Guerreira, o país necessita de “uma regulamentação clara, objetiva e atualizada sobre a permanência de trabalhadores agrícolas numa habitação”, uma vez que “não faz muito sentido” ser a delegada de saúde a determinar se “uma habitação é salobra ou não”.
A ACT “queixa-se de não ter capacidade de intervenção em matéria de regulamentação para a habitação coletiva de trabalhadores”, referiu, considerando que têm de existir “regras claras e tem que ser definido quem é que pode intervir”.
Questionado pela Lusa sobre a Estratégia Local de Habitação (ELH) de Odemira, o autarca indicou que “uma das grandes dificuldades” deste trabalho, que está em curso, “foi em perceber qual é a dimensão deste problema” no concelho.
“A agricultura e ministérios vários nunca foram capazes de dizer que a dimensão do trabalho que se perspetiva aqui é X, nem ao menos um valor que fosse aproximado”, adiantou, insistiu que a câmara “nunca teve a objetividade de nenhuma das entidades a dizer quais são as necessidades de habitação”.
De acordo com o autarca, “não há entendimento possível”, uma vez que a câmara pretende que os trabalhadores permanentes vivem “dentro dos aglomerados” e os de mão-de-obra temporária nas quintas, enquanto os agricultores têm pretensão contrária.
O Governo decidiu decretar uma cerca sanitária às freguesias de São Teotónio e de Almograve, no concelho de Odemira, devido à elevada incidência de casos de covid-19, sobretudo em trabalhadores do setor agrícola, anunciou na quinta-feira o primeiro-ministro.
António Costa sublinhou também que “alguma população vive em situações de insalubridade habitacional inadmissível, com hipersobrelotação das habitações”, relatando situações de “risco enorme para a saúde pública, para além de uma violação gritante dos direitos humanos”.