“Os que se fascinam com a prática sem ciência são como os timoneiros que entram num navio sem roda do leme ou bússola, nunca sabem o destino”.
Leonardo da Vinci
À medida que o estudo das culturas do mundo foi avançando, sobretudo nos séculos XIX e XX, período durante o qual se constituíram diversas ciências sociais, a análise do fenómeno cultural enquanto sistema de valores e práticas comunitárias evoluiu para a estruturação de novas disciplinas autónomas e interdependentes, designadas genericamente por ciências da cultura.
Na obra “As duas culturas” C.P. Snow subdividiu este universo em “cultura humanista” e “cultura científica”. Várias foram as categorizações propostas por outros autores e hoje dispomos de inúmeras classificações, adoptadas por organismos internacionais: cultura material e imaterial, popular e erudita, de saída e de apartamento no caso dos espectáculos, …
Mas a contemporaneidade necessita de uma visão que aborde e inclua as lições do passado.
O Renascimento na história das civilizações, inspirado pela Antiguidade greco-romana, continua sendo percepcionado como um dos períodos mais extraordinários e o seu epicentro ocorreu na Europa do Sul, em particular em Florença e Roma, um pouco por toda a Europa pós-medieval. Do modelo representativo induzido pela teologia medieval durante cerca de mil anos surgiu em contraposição uma nova fórmula conceptual, manifestando-se nela a íntima relação entre ciência e arte.
As artes visuais do Renascimento tiveram por base a geometria, a introdução da proporção e da perspectiva permitiu aos artistas calcular com rigor as obras para locais previamente definidos e com diferentes dimensões.
Ainda hoje nos surpreendemos com a facilidade com que Leonardo da Vinci e outros artistas seus contemporâneos criaram sínteses, tendo como ponto de partida a observação e interpretação científica do homem e da natureza.
A influência dessas concepções foi grande em Portugal durante os séculos XV e XVI com grandes benefícios para Portugal que ainda hoje sentimos.
Figuras do Renascimento em Portugal foram o Infante D. Pedro e D. João II, mas também Damião de Góis, intelectual multifacetado perseguido pela Inquisição, Francisco de Holanda o primeiro historiador de arte europeu, os arquitectos Diogo de Boitaca, Francisco e Miguel Arruda, Diogo de Torralva, Garcia de Resende que compilou o Cancioneiro Geral, o poeta Sá de Miranda, o médico Garcia da Orta, Gil Vicente dramaturgo, muitos grandes nomes da cartografia portuguesa como António de Holanda, Pedro e Jorge Reinel, pintores da corte… e tantos outros.
A permanência de referentes e exemplos criados pelo “homem do renascimento”, permite-nos procurar alterar uma actualidade dominada pela tecnologia e as especializações, que promove a substituição da reflexão de problemas complexos pela reprodução automática de processos e o imediatismo de tarefas.
Apesar da necessidade de quadros correctamente formados para as áreas da cultura, domínio para a qual se exige conhecimentos amplos e actualizados, as universidades portuguesas têm dado escassa atenção à oferta de cursos de investigação aplicada à gestão dos recursos culturais do País e dos territórios, o que concorre para o predomínio da conjuntura sobre estratégias de médio e longo prazo.
Se continuarmos a trabalhar sectorialmente sem entendermos o todo nas suas interligações, teremos segmentação de realidades, perda de patrimónios, corporativização do tecido cultural ao sabor das conjunturas, disfuncionalidades e afastamento dos objectivos de desenvolvimento humano.
As lições do passado, em particular do Renascimento, as relações entre Homem e Natureza, são hoje cada vez mais necessárias na educação das novas gerações para os valores, a começar pelo olhar de escolas e comunidades para o património cultural e natural que as rodeia e a compreensão das interligações entre as diversas ciências.
O mundo não é um mercado global em competição, são os territórios e as sociedades, produção de conhecimentos com milhares de anos imprescindíveis à sobrevivência humana.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de outubro)