Apertar o pescoço e suster a respiração até desmaiar por falta de oxigénio — mais conhecido no TikTok como “Blackout Challenge”. Foi este o desafio viral que colocou Archie Battersbee, uma criança de 12 anos na Inglaterra, em morte cerebral, em abril. O rapaz está em coma e a receber suporte artificial de vida desde então, mas as máquinas podem ser desligadas pelo hospital em breve — o que os pais têm tentado impedir. O caso de Archie não é único: outras crianças têm imitado este desafio potencialmente fatal. Os pais devem estar atentos porque, como alerta a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, estes atos podem espelhar uma certa de “conduta de destrutividade”.
Uma criança com 12 anos já tem, à partida, uma certa “consciência moral” para perceber que apertar o próprio pescoço pode ser perigoso e o facto de o fazer de forma voluntária pode ser reflexo de “atitudes e comportamentos destrutivos”, bem como de “atos comandados por uma reação a um mau estar psicológico”, afirma. Pode tratar-se de crianças “que são muito sensíveis ao desconforto emocional” e que procuram desta forma um certo “escape”. Por estes motivos, é importante saber qual o “histórico” da criança, continua Ana Vasconcelos, para saber se tem alguma perturbação do foro mental que possa motivar este tipo de comportamentos nocivos.
Além de Archie Battersbee que foi encontrado inconsciente em casa pela sua mãe, a 7 de abril, outras crianças estão a ser vítimas do “Blackout Challenge”. Foi o caso de, pelo menos, cinco crianças nos Estados Unidos, um rapaz na Austrália e uma rapariga em Itália — todos menores de idade que acabaram por não resistir aos danos causados por hipoxia cerebral (diminuição da concentração de oxigénio). Estes são apenas os casos conhecidos, estima-se que o número de vítimas seja maior.
O desafio surgiu em 2008, mas continua viral. Segundo a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, proibir o uso do TikTok não é a melhor solução, até porque as crianças têm outras formas de chegar às redes sociais e a estes ‘jogos’, por exemplo, quando estão com os amigos na escola.
Além de estarem atentos a sinais e comportamentos destrutivos por parte dos filhos, é importante os pais “alertarem as crianças quando estão nas redes sociais”, da mesma forma que os ensinam a não atravessar a rua sem dar a mão ou sem olhar para os dois lados, compara Ana Vasconcelos. “Alertar os miúdos é importante”, tal como informar e “dar argumentos” para que eles percebam os riscos e os perigos — as crianças “são inteligentes”, nota.
Archie Battersbee pode deixar de receber suporte artificial de vida em breve, apesar de os pais estarem a lutar para adiar a decisão do hospital onde o filho está internado. O Royal London Hospital, em Whitechapel, alega que o tratamento de suporte artificial de vida “não está de acordo com os melhores interesses da criança” — decisão que é apoiada pela justiça britânica. Por outro lado, os pais querem que o filho tenha uma morte natural e já disseram que “não vão desistir do Archie” e “vão continuar a lutar até ao fim”.
As máquinas deveriam ser desligadas esta quarta-feira e os pais apresentaram um pedido ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para adiar esta decisão, mas o tribunal já informou que não vai interferir no caso de Archie. Antes disso, a Organização das Nações Unidas, através do Comité sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, já tinha apelado a que o tratamento fosse mantido.
Como nota Ana Vasconcelos, o caso é delicado e complexo pois não está propriamente previsto na legislação nem na conduta médica. E levanta uma questão ética pertinente: “Até onde é que, por defesa dos pais, desligar das máquinas não pode ser prolongado”? Segundo a pedopsiquiatra, poderia ajudá-los a fazer o luto ou dar-lhes o tempo de que necessitam para lidar com a situação.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL