Como em qualquer condição de diferença nos filhos, é necessário existir um órgão ou entidade que consiga apoiar as famílias, neste caso, dos portadores de Trissomia 21. No Algarve, a Associação de Portadores de Trissomia é uma Instituição Particular de Solidariedade Social com fins de saúde e de utilidade pública e foi criada por um grupo de pais e profissionais de educação para responder à falta de informação e apoios nestes casos.
A Trissomia 21 caracteriza-se como uma anomalia cromossómica, onde é reconhecida a presença de um cromossoma 21 supranumerário. Estima-se que a incidência seja de 1/700 recém-nascidos, segundo os dados do Atlas da Saúde, de 2019. Esta condição provoca algumas características observáveis nos nados, como hipotonia (bebés mais moles), braquicefalia (occipital achatado), pescoço curto com excesso de pele, face achatada, fendas palpebrais inclinadas para cima e fora, epicantos (prega de pele ao canto dos olhos), orelhas pequenas e de implantação baixa, nariz curto com ponte nasal deprimida, tendência a exteriorizar a língua, membros ligeiramente curtos, prega palmar transversa, afastamento do primeiro e segundo dedos do pé (sandal gap) com prega plantar vertical entre eles.
Helena Antunes conhece esta realidade de perto e, portanto, decidiu embarcar neste projeto. O seu filho tem 27 anos e é portador de Trissomia 21. Na altura em que nasceu as coisas eram muito diferentes e existia ainda muita falta de informação. “Hoje, já se faz muita coisa para que isto mude”, refere em entrevista ao POSTAL. “A intervenção destas crianças é diferente” e a Apatris funciona como a sua segunda casa, onde se podem sentir amados e respeitados, para além de serem tratados e lidarem com crianças nas mesmas condições. “Muitas destas crianças apercebem-se da diferença, da discriminação, e têm depressões”, afirma.
A verdade é que ser diferente, seja pela cor da pele, pela maneira de vestir ou falar, sempre foi motivo de olhares e bullying, principalmente na idade jovem. A Apatris vem mostrar que estes jovens, tal como todos, são especiais e merecem atenção, uma vez que “são muito carinhosos e deliciosos”, afirma com um sorriso na cara Helena Antunes.
Projeto Escola Maior vai desenvolver atividades lúdicas e de ensino com as crianças
O advogado Bernardino Duarte adquiriu uma quinta à saída de Faro com a ideia de ajudar crianças e acabou por falar com a Apatris, uma vez que todos os requisitos estavam cumpridos para avançar com o projeto. Em São Tomé e Príncipe, o também empresário, já tinha tentado desenvolver um negócio agrícola, mas a ideia acabou por não ir para a frente. Pegando nessa ideia e no terreno da quinta decidiu comprar sementes para as crianças desenvolverem agricultura, terem contacto com a terra e ainda venderem.
Deste modo, as crianças têm agora oportunidade de passar tempo no campo, estar perto de patos, cães e ainda outros animais, como um burro, sugere Bernardino Duarte em tom de brincadeira. O espaço terá ainda um forno a lenha, ideal para construir pizzas e pão. Será feita uma cozinha, permitindo que lá se façam também refeições.
O POSTAL esteve no espaço, onde decorrem as obras e é percetível a dimensão deste e a sua utilidade na terapia e no desenvolvimento dos jovens que frequentam a Apatris. Com o objetivo claro de ensinar, entreter e aperfeiçoar as capacidades dos jovens que sofrem de Trissomia 21, a Escola Maior propõe ainda atividades de artes e artesanato, além de treino de escrita e leitura, matemática e informática. Faz ainda parte do projeto a criação de um “Manual de Boas Práticas”, uma espécie de roteiro, onde se explicam as atividades e os métodos aplicados ao longo do projeto.
“A pandemia trouxe um momento quase constrangedor”
Nesta parte da entrevista juntou-se Emília Santos, outro dos membros da direção. É igualmente mãe de uma criança especial e falou sobre os efeitos da pandemia nas associações de crianças e também nos próprios jovens.
“A pandemia trouxe um momento quase constrangedor, de rigidez, e não se pode ser assim numa altura destas”, refere. Na visão de Emília Santos, existe uma falta de flexibilidade de instituições, uma vez que “existe muito medo, mas a vida continua”. Sem descurar os cuidados impostos pela Direção-Geral de Saúde (DGS), é importante que as crianças não fiquem fechadas em casa e tenham uma rotina o mais normal possível.
Muitos destes jovens sabem que se deve colocar máscara, desinfetar as mãos e têm, mais ou menos, noção da fase em que estamos. Contudo, mudar-lhe repentinamente os hábitos é algo que pode trazer consequências a médio ou longo prazo.
Com cerca de 50 jovens (um número que varia), a Apatris pretende continuar a dar atenção aos jovens que vêm maioritariamente de Faro, Olhão e Loulé. Fundada em 2003, esta associação tem sede em Faro e aceita os apoios financeiros de voluntários, para continuar a formar e ensinar crianças, que são iguais a tantas outras, dentro das suas diferenças.