Quando se fala em obesidade fala-se daquela que é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a epidemia do século XXI.
Em termos conceptuais diz-se obesidade a doença – sim porque é de uma doença que se trata mesmo quando a sua existência resulta de causas não orgânicas mas sim comportamentais – em que o excesso de gordura corporal acumulada atinge graus capazes de afectar a saúde.
Mas as questões relacionadas com os problemas de peso começam bem antes, no chamado sobrepeso, e estendem-se até à obesidade mórbida, o grau mais grave (ver inforgrafia).
Os números da obesidade em Portugal
Na população em geral e de acordo com os dados mais recentes disponíveis – resultantes do Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física (INAAF) realizado em 2015-2016, abrangendo população entre 3 meses e 84 anos – Portugal conta com 22,3% de população obesa e 34,8% em situação de pré-obesidade.
O país não anda muito longe dos valores médios da Europa quanto à prevalência de obesidade na população em geral 23%, mas está bem melhor colocado quando comparado com a média de prevalência na América do Norte, que atinge 33% (dados de 2014 – OMS).
Mas a grande aposta no que toca ao combate à obesidade faz-se nas populações mais jovens.
Como referiu ao POSTAL a responsável regional pelo Programa de Combate à Obesidade Infantil na Região do Algarve, que desenvolve há anos trabalho nesta área na Administração Regional de Saúde (ARS), Teresa Sancho, “a obesidade é maioritariamente um problema de origem comportamental, cujo tratamento ainda que possa ser auxiliado com uma abordagem medicamentosa passa essencialmente por uma terapêutica assente na alteração de comportamentos”.
Esta realidade determina que o ‘campo de batalha’ da obesidade se situa primordialmente na infância e na adolescência, onde se enformam os comportamentos, nomeadamente os alimentares e de exercício físico, capazes de evitar o crescimento das estatísticas de prevalência da obesidade infantil e, por via, capazes de diminuir a prevalência de obesidade e pré-obesidade na população adulta no futuro.
Em suma, “é de pequenino que se torce o pepino”, diz o ditado e esta é uma verdade incontornável no que toca à obesidade.
Mais de 15 mil ementas escolares analisadas
O combate, esclarece Teresa Sancho, faz-se nas mais diversas frentes. Faz-se desde logo nas escolas onde os mais jovens passam grande parte do seu tempo controlando a dieta ao nível das refeições escolares.
“O controlo que fazemos regularmente das ementas escolares no Algarve, realizado nas escolas públicas, leva-nos a analisar mais de 15 mil ementas escolares”, revela a responsável da ARS, que afirma que “o actual panorama é muito melhor do que era há alguns anos”.
“Nesta matéria as nossas preocupações são cada vez mais com questões de pormenor e qualitativas, quando há alguns anos eram questões básicas e algumas vezes quantitativas”.
É também nas escolas que se luta contra o excesso de peso através da prática de exercício e nesta matéria Teresa Sancho realça “a importância do desporto escolar” que ao longo dos anos dotou as escolas de prática desportiva regular e democratizou o acesso ao desporto junto das camadas mais jovens da população.
“A prática desportiva é fundamental para alcançarmos os objectivos do combate à obesidade”, refere a nutricionista da ARS.
Em casa a luta contra o flagelo da obesidade e contra os apelos à alimentação pouco saudável
Ao POSTAL, Cecília Mestre, mãe de um jovem de 11 anos com obesidade, destaca que “as dificuldades na alteração de comportamentos alimentares são muitas”.
Antes de mais, as dificuldades de adaptar a alimentação da família às necessidades de controlo de peso do meu filho são o principal problema”, diz, destacando que cozinhar para uma família implica, quando se quer combater determinado tipo de alimentação, um esforço de todos em compatibilizar os hábitos alimentares de longa data com o consumo de porções e tipos de alimentos mais saudáveis”.
A mãe sublinha ainda que “o esforço esbarra diariamente no apelo feito de todas as formas aos mais jovens para o consumo de alimentos que em nada contribuem para uma dieta saudável e adequada” e assume que muitas vezes tem de assumir um papel de “má da fita” para conseguir contornar os apetecíveis e chamativos pizzas, hamburgueres, refrigerantes e guloseimas” que populam o imaginário alimentar do filho.
Os números da obesidade infantil no Algarve
O Algarve é a região com melhores resultados a nível nacional no que toca à prevalência de obesidade infantil.
Isso mesmo demonstram os resultados sucessivos do COSI (Childhood Obesity Surveillance Initiative) em Portugal desde 2008.
Este sistema de vigilância nuticional de carácter europeu e que em Portugal tem desdobramento a nível das regiões (NUTS II) revela que desde o início dos estudos de prevalência de obesidade infantil no país o Algarve se mantém como a região com melhores resultados a nível nacional.
Assim, no que toca a excesso de peso (excesso de peso e obesidade) o Algarve tinha uma prevalência em 2008 de 21,4%, em 2010 de 22,6% e em 2013 de 30% (relativamente ao valor de 2013 ver *).
Um percurso ascendente que acompanha a tendência nacional, europeia e mundial nesta problemática – tendência incontornável da epidemia da obesidade e problemas associados que se combate diariamente, mas que ainda assim de muito difícil inversão – mas que revela que a região tem conseguido controlar a escalada do problema e salvaguardar a sua posição de líder nacional no que toca aos bons resultados atingidos.
Já no que toca à obesidade em sentido estrito a região mantém, também, desde 2008, o melhor resultado do país, com uma prevalência de 9,7% naquele ano, 10,7% em 2010 e15,2% em 2013 (relativamente ao valor de 2013 ver *).
Uma vez mais o valor total da prevalência cresce, mas de forma positivamente controlada e o Algarve mantém a posição de liderança dos bons resultados a nível nacional.
Teresa Sancho revelou ao POSTAL que os números do COSI de 2016 – ainda não divulgáveis por estarem em fase final de tratamento – indicam, de acordo com o que se conhece, que o Algarve se mantém num percurso positivo no que toca ao controlo da problemática da obesidade infantil a nível nacional.
Ao mesmo tempo, realça a responsável, “os resultados do COSI de 2013, que devido a sobredimensionação da amostra do Algarve apresentavam resultados aparentemente muito negativos para a região (ver *), são agora corrigidos o que prova que os dados estatísticos de 2013 devem ser lidos como uma deformação estatística que em nada põe em causa os resultados regionais globais positivos na evolução ao longo do tempo dos diversos estudos COSI no país.
O trabalho nesta área tem de ser constante e consistente
A responsável regional da luta contra a obesidade sublinha que “na área da obesidade infantil, como em geral nesta problemática, o trabalho tem de ser constante e realizado de forma consistente para que se possa manter sob controlo a evolução do problema e suster a tendência de aumento da prevalência da doença”.
São os combates diários, feitos nos mais variados planos da sociedade e congregando as mais diversas sinergias que unem sociedade civil, pais, escolas, serviços de saúde e a comunidade em geral, o segredo de uma guerra cujas batalhas se ganham dia-a-dia.
Só assim se poderá assegurar que os efeitos nefastos da obesidade, nomeadamente ao nível das doenças crónicas não transmissíveis, em particular metabólicas e cardiovasculares, e da morbilidade e co-morbilidades supervenientes terão o menor peso possível na saúde dos portugueses no futuro e nos encargos dos serviços de saúde a quem estes problemas crescentemente afectam em termos de sustentabilidade, quer financeira, quer ao nível da capacidade de resposta.
O paradigma desta luta onde o Algarve apresenta o melhor desempenho a nível nacional em termos de prevalência é para Teresa Sancho um trabalho hercúleo ao qual se não pode, nem deve fugir e que assenta em redesenhar na realidade das populações as questões comportamentais que podem ajudar a evitar o excesso de peso e a obesidade ao mesmo tempo que se invocam todos na sociedade a implementar respostas que sejam adequadas do ponto de vista da saúde pública, mas também do ponto de vista da sustentabilidade e ambiente já que hoje estas são realidades indissociáveis de um combate de futuro e resiliente contra a obesidade.
* COSI (dados de 2013)
Quanto aos dados de 2013 do COSI os resultados do Algarve apresentam, quanto ao excesso de peso e obesidade e quanto à obesidade em sentido estrito, valores que se apresentam apenas para evitar a sua omissão.
Os valores em causa têm resultados de agravamento da realidade regional que não correspondem à realidade, resultantes do sobredimensionamento da amostra estatística que provocou uma deturpação dos resultados finais.