Balanço de quarenta anos de obra feita e seis olhares para o futuro. Com um foco no essencial: o Algarve não pode voltar a cometer os erros de um passado remoto
O POSTAL recolheu as respostas de todos os antigos presidentes da CCDR do Algarve, às seguintes perguntas:
1. As ações mais relevantes que tenham marcado o seu mandato em face da autonomia e competências existentes à época para a CCRA.
2. No quadro da realidade actual do Algarve, que projetos ou ações programáticas definiria, em termos de prioridades, como mais importantes?
Algarve não pode regredir
David Assoreira (1980-1996)
1. Relembrar 16 anos de actividade iniciados a 4 de dezembro de 1980 numa região em que a produção de trabalhos e projetos que mudaram o seu perfil, dada a importância do Algarve como região turística e a necessidade de a dotar com um organismo capacitado para intervir na área de planeamento e desenvolvimento regional, foi a marca determinante que eu quis incutir ao organismo que tive o prazer e a honra de iniciar e presidir.
Porque o espaço disponível para traduzir em poucas palavras o notável trabalho desenvolvido, como resposta ao desafio que foi colocado a uma equipa jovem, esteve sempre na entrega dos que nela trabalharam com espírito de missão, competência profissional e dedicação, porque se identificaram com os propósitos do desafio, que era, mesmo no início da sua actividade, alcançar resultados muito positivos. Por isso resta-me elencar o imenso trabalho desenvolvido correndo o risco de só selecionar as acções e os projectos mais importantes para o desenvolvimento da região sem os pormenorizar técnica e financeiramente, e retirar, porventura, acções importantes na definição da estratégia de mudança que foi definida e concretizada.
Assim destaco:
– Apoio na aplicação da linha de crédito bonificado de 3 milhões de contos para suportar as obras de saneamento básico mais urgentes para as C.M. com um juro de 3%;
– Marginal do Guadiana;
– Financiamentos externos com apoio do Gab. Coop. Externa; portos de Olhão e Ferragudo; PIDR do nordeste algarvio; PIDRd do Baixo Guadiana e Ria Formosa;
– Pré-adesão e adesão à CEE;
– QCA1 89/93 e QCA2 94/98;
– Programas Operacionais plurifundos Barlavento e Sotavento;
– PDR Plano Desenvolvimento Regional;
– Plano Regional de Ordenamento 1991;
– QCA1 89/93 e QCA2 94/98;
2 Prioridades: Hospital Central; Gestão de recursos hídricos.
Resta-me registar com agrado, que passados 40 anos da existência da CCR, o Algarve progrediu muito, está melhor, mas há uma necessidade premente de muita atenção e cautela, na aposta do planeamento, para não descambar e abrir o caminho à regressão.
Diversificação da base económica
João Guerreiro (1996-2003)
1. O meu mandato (1996-2003) correspondeu a um ciclo com fortes apoios comunitários. As intervenções mais marcantes destinaram-se a projetos de renovação urbana e ambiente. Talvez o mais simbólico, com enorme impacto a longo prazo, foi o fomento da rede de Bibliotecas Municipais. Uma outra iniciativa relacionada com o interior foi lançada em torno das Aldeias do Algarve, incidindo num conjunto de pequenos núcleos com história, distribuídos por toda a região, valorizando aspetos relacionados com a gastronomia, com os recursos locais, com a arquitetura, com as artes tradicionais e com a renovação urbana. A vocação mediterrânica traduziu-se no desempenho da Presidência da Comissão Intermediterrânica durante dois anos.
2. O futuro da região depende fortemente da atenção que se prestar às condições de vida dos residentes. A expansão do turismo, revelando uma grande capacidade de criar emprego e riqueza, entorpeceu as outras atividades e condicionou fortemente os investimentos públicos. O resultado está explicitado na situação que se vive atualmente na região. Sem negar a importância do turismo, a organização sócio-territorial da região, os seus investimentos e a sua afirmação têm de se reorientar e privilegiar a população residente (atual e futura). É a população residente que, de forma sustentada, anima o comércio, os mercados, as empresas, as escolas, os teatros, os transportes, os complexos desportivos e, naturalmente, o turismo. Sem esse tecido social de base, continuaremos a ser uma estância de veraneio, excessivamente dependente dos humores do exterior.
Saúde, mobilidade e ferrovia
José Campos Correia (2003-2007)
1. Relativamente ao meu mandato, que foi exercido entre 2003 e 2007, destacaria a oportunidade que tive de coordenar a elaboração, em paralelo e em simultâneo, de dois instrumentos de estratégia fundamentais para o desenvolvimento da Região. A saber, o Programa Operacional do Algarve (QREN 2007-2013) e o novo Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT Algarve).
A ambição e a visão para o Algarve eram idênticas em ambos, as medidas estruturais cruzavam-se e o suporte financeiro tinha uma base comum, maioritariamente comunitária.
Deste modo, através de um conjunto de estratégias e medidas coerentes e articuladas, penso que foi possível dar um contributo para a coesão económica, social e territorial do Algarve, bem como para a eficácia das intervenções que se seguiram.
2. Para ser sintético, como me é pedido, destacaria agora dois domínios.
Um deles o da Saúde, matéria em que a Região, desde há muito, apresenta insuficiências notórias, ultimamente agravadas pela pandemia.
O outro seria o da mobilidade, na vertente ferroviária, através de uma linha regional modernizada, com ligações adequadas às redes nacional e europeia, esta última via Andaluzia. Nesta matéria, hoje como ontem, continuo também a considerar do maior interesse a adaptação de parte da rede regional à mobilidade ligeira, servindo e ligando os centros urbanos com maior potencial para o aumento da competitividade regional. Nessas ligações, procuraria incluir os equipamentos mais relevantes, como sejam a universidade e polos universitários, o aeroporto, e também alguns dos principais equipamentos desportivos e centros turísticos e de lazer.
Economia verde
João Faria (2007-2011)
1. O investimento público/europeu na região concentrou-se nos anos 80 nas áreas críticas da água e saneamento, Depois, passou-se às acessibilidades, às infra-estruturas educativas, à renovação urbana e ao apoio direto ao sector produtivo. Seguiram-se, o apoio aos equipamentos públicos e à dinamização do “Algarve interior”.
Foi nesta sequência que entre 2007 e 2011 se procurou focalizar os apoios nas áreas onde poderiam fazer a diferença. No turismo, orientado os apoios para intervenções em zonas menos desenvolvidas e para equipamentos de animação e projetos com valor patrimonial. E apoiou-se prioritariamente a diversificação da economia, seja na modernização de actividades tradicionais ou em sectores novos inovadores, muitos em ligação com as áreas de saber mais competitivas da Universidade do Algarve.
É evidente, nem tudo correu bem. A estrutura produtiva pouco se diversificou, a mobilidade regional em transportes públicos continuou deficiente. E, por último, progrediu-se pouco na afirmação de uma verdadeira governança regional, essencial para responder a problemas que já não eram locais mas sim regionais.
2. O momento actual é de emergência. Mas importa que a recuperação seja aproveitada para fazer melhor. A transição para uma economia mais verde, com uma estrutura produtiva mais robusta e diversificada deverá ser o grande objetivo mobilizador. Capaz de criar empregos mais bem remunerados. Que não repliquem em cada município o que se faz no município do lado, mas explorem complementaridades num quadro regional.
Eletrificação da linha do Algarve
David Santos (2012-2016)
1. Como ações mais relevantes, na qualidade de presidente da CCDR Algarve, nomeio a responsabilidade que tive, de preparar e coordenar a elaboração e aprovação do Programa Operacional Regional do Algarve 2014/2020 (CRESC ALGARVE2020), onde o objetivo central era concluir (aprovado pela Comissão Europeia), com sucesso, um Programa Operacional Regional em linha com os prazos e orientações nacionais do Portugal 2020.
Tinha como objetivos principais da coordenação e gestão, garantir uma participação regional alargada, assegurar pontos de consenso, o reconhecimento nacional e europeu das posições regionais, articulando posições em torno de um referencial estratégico.
Ora, para o sucesso que tivemos, saliento os pontos fortes, que foram decisivos no processo de gestão do CRESC 2020:
– Pela primeira vez na Região, é assinado um protocolo para preparação dos trabalhos de programação entre sete associações empresariais (representam mais de 90% do tecido empresarial do Algarve), universidade e municípios, assegurando a participação privilegiada dos setores e públicos-alvo;
– Apresentação de uma proposta regional para a especialização inteligente em dezembro de 2013, validada pelo perito da DG REGIO e submetida a Peer Review da plataforma de Sevilha da DG REGIO;
– Consensualização de uma proposta de modelo de Governação para o Algarve
com os atores regionais e a Comunidade Intermunicipal (AMAL);
– Apresentação de proposta de Programa Operacional em Dezembro de 2013 à CE para discussão informal.
2. A base económica, do Algarve, assenta no turismo. A maioria das atividades económicas estão de forma direta/indireta ligadas ao turismo. Dada a relação direta que os efeitos da pandemia nos provocam, com pesados reflexos no aumento do desemprego, bem como o adiamento de projetos essenciais para vencer obstáculos crónicos, considero que são essenciais, as seguintes intervenções:
Na saúde– Novo Hospital Central do Algarve (lembro que estudos técnicos dizem que é a segunda prioridade a nível nacional, mas, como todos sabemos, não avançou, ao contrário de outros);
Na ferrovia– Ligação ferroviária ao Aeroporto de Faro, bem como conclusão da eletrificação da Linha do Algarve, visando potenciar a ferrovia como alternativa na mobilidade da região. Prever, em conjunto com as autoridades espanholas a ligação ferroviária transfronteiriça;
Na rodovia– Requalificação da EN 125, Olhão – VRSA, priorizando as variantes, evitando atravessar áreas urbanas;
No ambiente – Construção da barragem da Foupana, edificação de bacias de retenção e desenvolvimento da solução Guadiana, de modo a combater a seca e assegurar o abastecimento doméstico e das atividades económicas e realização de investimentos que potenciem a reutilização de águas residuais;
No mar – Intervenções nos Portos de Portimão (visando o aumento da capacidade para cruzeiros) e Faro (visando o desenvolvimento da náutica e a recuperação de zonas ribeirinhas degradadas).
Dar passos seguros, na direção da última grande reforma estrutural inscrita no texto constitucional de 1976, que ainda se encontra por concretizar, a REGIONALIZAÇÃO do Algarve.
Hospital e abastecimento de água
Francisco Serra (2016-2020)
1. Após uma profunda crise (2008-2014), a região do Algarve iniciou uma recuperação notável em vários indicadores económicos e sociais: a taxa de variação real do PIB alcançou 5% em 2016 e 5,4% em 2017, evoluindo de um peso relativo de 4,5% para 4,9% do PIB nacional (valores aproximados), cumprindo assim o “objetivo mobilizador” contratualizado com a Comissão Europeia no âmbito do CRESC Algarve 2020.
No mercado de emprego inverteu-se a tendência para a perda de postos de trabalho, tendo a taxa de emprego 20-64 anos ascendido a 78,1% em 2019, valor mais elevado do que a média nacional e europeia e superior ao “objetivo mobilizador” contratualizado com a Comissão Europeia no âmbito do CRESC Algarve 2020.
Entre 2016 e 2020 a região concretizou alguns investimentos estruturantes, como por exemplo, a ampliação do aeroporto, as novas ETAR da Companheira e de Faro-Olhão, a intervenção para a navegabilidade do Guadiana, as obras de adaptação para a instalação do Pólo Tecnológico na Universidade do Algarve e a aprovação de diversas candidaturas para modernização tecnológica e capacitação da Administração Pública e de infraestruturas de apoio à investigação científica.
2. Já estão em vias de concretização diversos investimentos cuja prioridade a CCDR Algarve ajudou a definir e a financiar com fundos europeus, nomeadamente, ferrovia, infraestruturas de apoio ao combate a incêndios florestais e a operações de socorro, investigação na área da saúde, do mar, do turismo e da digitalização (Região Inteligente Algarve). Outras ações que reputo de importantes e prioritárias são a construção do Hospital Central e a requalificação de outras infraestruturas de saúde da região, o investimento em soluções para garantir o abastecimento de água para consumo humano e o investimento em infraestruturas para melhorar as condições de ensino profissional.
– NOTA DE DIREÇÃO –
Partimos de um princípio geral: em democracia, um agente político no desempenho de um cargo público, tem como dever fundamental, quando solicitado, mostrar-se disponível para prestar todas as informações que considere relevantes sobre os assuntos ligados ao exercício das suas funções.
Ao longo dos anos, foi essa a atitude dos antigos presidentes da CCDR Algarve que de novo, hoje, prontamente se dispuseram a colaborar nesta edição do Postal do Algarve, respondendo às questões que lhe foram colocadas num prazo de tempo verdadeiramente curto.
Infelizmente, o mesmo não se pode dizer do presidente eleito, José Apolinário. Ao pedido de entrevista do Postal do Algarve, previamente combinada para depois da cerimónia de posse, respondeu com o silêncio, apesar dos telefonemas e dos emails enviados insistentemente ao longo de quase um mês, para esse efeito.
Estamos convictos de que este episódio não passará disso mesmo: um momento excecional motivado certamente pela agenda compreensivelmente sobrecarregada do recém-eleito presidente da CCDR Algarve.
Não faltarão, seguramente, novas oportunidades, logo que seja possível compatibilizar a nossa sempre total disponibilidade com a agenda do presidente José Apolinário.
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