As ribeiras do Algarve enfrentam uma ameaça crescente de inundações devido à proliferação da cana (Arundo donax), uma planta invasora que se espalha descontroladamente pelas linhas de água da região. Segundo dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), esta espécie ocupa já cerca de 225 quilómetros de cursos de água, aumentando o risco de cheias em localidades como Faro, Quarteira e Albufeira. Apesar de ser um problema amplamente reconhecido, a falta de intervenção consistente continua a deixar a região vulnerável.
Canavial bloqueia fluxo das ribeiras
A ribeira de Quarteira destaca-se como um dos casos mais preocupantes. Próximo à ponte do Barão, em Loulé, o canavial cresce desordenadamente, formando um túnel vegetal que impede o escoamento das águas. Em caso de chuvas torrenciais, o risco de inundação é elevado, com potenciais impactos devastadores em campos de golfe, aldeamentos turísticos e terras agrícolas.
De acordo com a APA, estão planeadas intervenções para a reabilitação de algumas ribeiras, como Alcantarilha, Odeleite e Beliche, num projeto integrado no Programa Regional do Algarve 2030. Estas obras, que abrangem cerca de 14 quilómetros e implicam um investimento entre 4 e 7 milhões de euros, são vistas como um passo na direção certa. No entanto, para as restantes linhas de água, ainda não há planos concretos, o que deixa comunidades e especialistas preocupados com o próximo inverno.
Conflito entre ambiente e controvérsias legais
Os esforços para controlar a invasão da cana enfrentam desafios adicionais devido a disputas legais e ambientais. Um exemplo paradigmático é a ribeira de Aljezur, onde um projeto de requalificação foi interrompido por uma providência cautelar apresentada pela associação ambientalista Arriba. O uso do herbicida glifosato, incluído no plano, foi bloqueado devido a preocupações sobre os potenciais efeitos carcinogénicos do composto.
António Carvalho, vereador do Ambiente em Aljezur, lamenta o fracasso do projeto, que incluiu apenas uma das três aplicações previstas do herbicida. “O resultado está à vista: renasceu uma floresta de canas”, afirma, sublinhando que as espécies nativas plantadas, como salgueiros e amieiros, foram sufocadas pelo crescimento descontrolado do canavial.
Por outro lado, organizações como a WWF Portugal defendem alternativas menos agressivas ao glifosato. Afonso do Ó, da associação, reconhece a ameaça representada pela cana, mas argumenta que a gestão do problema deve priorizar métodos que minimizem o impacto ambiental e promovam o restabelecimento gradual da vegetação nativa.
Desafios na manutenção das ribeiras
Para além da vegetação invasora, a deposição de resíduos nas ribeiras agrava ainda mais a sua degradação. Amélia Santos, professora da Universidade do Algarve, lembra que intervenções anteriores, como a requalificação da ribeira do Rio Seco em 2012, tiveram resultados positivos a curto prazo, mas foram insuficientes devido à falta de manutenção contínua.
No concelho de Olhão, algumas medidas têm sido tomadas, com intervenções em ribeiras como Tronco, Marim e Bela Mandil. Contudo, a APA reconhece que os recursos disponíveis não permitem abranger toda a extensão das linhas de água em situação crítica.
Comunidades em alerta
Em áreas do interior, como Alte, a ameaça das cheias também preocupa. António Martins, presidente da junta de freguesia, relembra o isolamento da comunidade de Águas Frias em 2019, alertando para a necessidade de intervenções regulares. A ocupação desordenada das margens das ribeiras por construções agrava o problema, reduzindo a capacidade natural das linhas de água para lidar com eventos de precipitação extrema.
Martins enfatiza ainda a resiliência do canavial: “Limpa-se 20 quilos de canavial, deixa-se uma raiz de 20 centímetros, no ano seguinte temos 40 quilos”. Este ciclo perpetua a vulnerabilidade das ribeiras algarvias, colocando em risco tanto a segurança das comunidades locais quanto a infraestrutura turística que sustenta a economia regional.
Soluções urgentes e sustentáveis
A gestão eficaz das ribeiras do Algarve exige soluções integradas e sustentáveis que combinem a remoção do canavial com a preservação da vegetação autóctone. A colaboração entre autoridades locais, ambientais e comunidades é crucial para quebrar o ciclo de abandono e reduzir o impacto das inundações, que poderão tornar-se cada vez mais frequentes e severas devido às alterações climáticas.
Enquanto isso, as populações permanecem em alerta, esperando que ações concretas sejam tomadas antes que novas enxurradas transformem a ameaça em realidade.
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