Aqui ficam alguns exemplos, para reflexão atual e memória futura.
1 – No meu livro, afirmo que João Vaz Corte Real descobriu o Canadá nos primeiros anos da década de 1470, sendo o primeiro europeu a fazê-lo na época moderna, depois de os vikings lá terem ido nos finais do século X.
A generalidade dos historiadores ortodoxos insiste em dizer que este território foi descoberto por João Caboto ao serviço do Rei de Inglaterra, Henrique VII, em 1497-98.
No livro “A Expansão Portuguesa, uma História Económica”, de Nuno Valério, Editora Principia, Cascais, maio de 2021, o autor escreve sem hesitar que: “Em 1474, João Vaz Corte Real e Álvaro Martins Homem chegaram ao que denominaram Terra dos Bacalhaus. (…) Em 1492, João Fernandes Lavrador e Pero de Barcelos estabeleceram a rota para o Labrador”.
É um de muitos estudiosos da História de Portugal que não hesitam em contrariar a versão oficial da descoberta do Canadá. Até que, um dia, a História mude de vez…
2 – As navegações dos portugueses em alto mar, no Atlântico, aconteceram muito cedo, tendo o mar de Baga ou dos Sargaços sido descoberto no primeiro terço do século XV, tal como as Antilhas do Mapa de Pizzigani de 1424.
Os historiadores oficiais continuam a assegurar que isso era impossível porque, até meados do século XV, as navegações no Atlântico eram costeiras e feitas em barcas, navios frágeis que não permitiriam a volta do Atlântico Norte, milhares de milhas pelo oceano dentro.
A ser assim, como foram descobertos os arquipélagos da Madeira antes de 1420 e dos Açores antes de 1427, conforme os mapas e a própria História de Portugal agora reconhece?
Como foi descoberto o mar de Baga ou dos Sargaços, expressamente identificado no mapa de Andrea Bianco de 1436?
São os mapas considerados autênticos que estão errados ou é a versão que conhecemos da História de Portugal que tem de ser ajustada a estas provas cabais?
Basta ler Jaime Cortesão, nomeadamente o artigo “The Pre-Columbian Discovery of América”, publicado no Geographical Journal, nos Estados Unidos, em janeiro de 1937, para perceber que também neste ponto a História Oficial tem de estar errada.
3 – No meu livro afirmo que, já no século XV, os portugueses usaram cálculos astronómicos para medir não só a latitude como também a longitude das novas terras descobertas.
A História Oficial diz que a longitude só foi medida com exatidão no século XVIII, com o desenvolvimento de métodos mais precisos de medição do tempo como o cronómetro naval.
Renato Pereira Brandão, historiador doutorado na Universidade Federal Fluminense professor titular da Universidade Estácio de Sá, do Brasil, diz claramente que a medição da longitude do Cabo de São Roque no mapa de Cantino de 1501-1502, é extremamente rigorosa e junta o respetivo desenho da mestria com que foi representado este ponto decisivo para aferir os limites longitudinais do tratado de Tordesilhas.
O artigo que defende esta tese, intitulado “A enigmática questão da longitude na navegação e cartografia da América portuguesa quinhentista”, foi publicado na Revista Pró-Ciência, Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, Rio de Janeiro, jan/jun 2012, págs 54 a 73.
Neste artigo o autor admite que D João II já teria conhecimento do território do Brasil antes de iniciar as negociações do Tratado de Tordesilhas com Castela, mas pergunta como seria possível que “este monarca tivesse ainda o conhecimento de longitudes do nosso litoral”, que fica provado através do mapa de Cantino?
Também o engenheiro de sistemas Arne B Molander, que trabalhou para o programa espacial norte-americano, escreveu que Cristóvão Cólon e os navegadores ao serviço do rei de Portugal, como Américo Vespúcio, sabiam medir com precisão a longitude através de conjunções entre a lua, planetas e estrelas.
Assim mapearam corretamente as Antilhas das Caraíbas e também a Florida e a costa sudeste da América do Norte que aparece no mapa de Cantino.
O segredo da contratação secreta de Américo Vespúcio por D Manuel I, afinal tem uma explicação muito simples: Vespúcio era um excelente cosmógrafo e foi nessa qualidade que participou em pelo menos duas expedições portuguesas ao serviço do rei de Portugal. O próprio o diz nas suas cartas, apesar de exagerar no papel que desempenhou e de se atribuir a si mesmo o comando de algumas das expedições. Por ter passado secretamente mapas portugueses a cartógrafos alemães, como Martim Waldseemuller, D Manuel I nunca lhe perdoou e apagou-o literalmente das crónicas da História de Portugal…
Mas ao contrário do que sugere a maioria dos historiadores, Américo Vespúcio nunca poderia ser só um mentiroso megalómano, senão não teria sido nomeado como piloto-mor da Casa da Contratação das Índias, em Espanha, cargo que exerceu de 1508 até à sua morte em 1512.
Arne B Molander, refere também no seu livro “The Horizons of Christopher Columbus, Using the Heavens to map America”, Lulu Press, EUA, 2012, que já em 1477, (quando estava ao serviço do rei de Portugal), Cristóvão Colon tinha ido à Baía de Fundy, na nova Escócia, atual Canadá, para medir a longitude daquele território através de um raro eclipse solar que tinha sido previsto no livro alemão “Ephemerides”.
Esta obra foi publicada em 1477 com previsões astronómicas para os 30 anos seguintes, (precisamente aqueles em que Colombo esteve ativo como navegador). Na biografia que escreveu sobre o seu pai, Fernando Colon afirmou que, naquela baía, o navegador mediu as maiores marés que alguma vez tinha visto, com cerca de 50 pés de amplitude, o que corresponde à realidade e prova que o futuro Almirante das Índias esteve mesmo naquele local do Canadá em 1477, já na altura sob domínio português.
4 – Afirmei no livro Factos Escondidos da História de Portugal que o mapa de Cantino mostra claramente desenhados mais de três mil quilómetros das costas sul e leste da América do Norte, desde a foz do Mississippi no Golfo do México, passando pela península da Florida, até ao estado da Virgínia. Afinal errei por defeito. O Mapa de Cantino mostra mais de quatro mil quilómetros de costa norte-americana, desde a foz do Mississippi, passando pela Florida, pelo Montauk Point no final da Long Island e chegando próximo do Cape Cod. Este promontório ficou assinalado no mapa de Cantino como a “Costa del Mar Uçiano”.
O referido engenheiro de sistemas, Arne B Molander, escreve no seu livro “The Horizons of Christopher Columbus”, Lulu Press, EUA, 2012, pág. 135, que o mapa-mundo de Cantino mostra “obviamente a linha de costa desde o delta do Mississippi até Montauk Point (New York)” e que este mapa reforça a identidade da costa norte-americana com nomes ligados às suas características reais.
Por exemplo, “Punta Roixa refere uma zona de coral vermelho que existia na costa de Saint Augustine; Rio de Las Almadias refere um largo curso de água que transporta troncos e partes de vegetação flutuante, observáveis no rio de St John; Rio de Los Lagartos, correspondente aos crocodilos do Savannah River; Las Cabras, para designar os baixios rochosos do atual cabo raso de Frying Pan Shoals, perigosos para a navegação; Costa Alta, correspondente às dunas de Jockey´s Ridge que são as mais altas da costa leste dos EUA; Cabo de Boa Ventura, para designar Cap Hatteras, onde sopram ventos favoráveis para a navegação; e Costa del Mar Uçiano para designar o ponto mais adiantando da Costa Leste pelo oceano Atlântico dentro”.
A legenda que designava a zona da foz do Mississippi no mapa de Cantino foi cortada, mas os mapas produzidos nos anos seguintes, que neste se inspiraram, mostram que dizia “Lago de Lodo”, uma expressão bem portuguesa para designar o delta constituído por um enorme depósito de lodo transportado pelo gigantesco rio americano.
A evidência mostrada nesta parte do mapa de Cantino em relação ao pré-conhecimento português da América do Norte em 1501 é tão gritante que ninguém pode levar a sério a versão oficial da História de Portugal quando refere que esta costa só foi explorada mais tarde, por espanhóis e portugueses, depois de Ponce de Léon ter descoberto a Florida em 1513.
5 – Disse no meu livro que o Brasil foi descoberto na segunda metade do século XV por navegadores portugueses anónimos, provavelmente por Bartolomeu Dias (tese desenvolvida em inúmeros artigos e livros por Gago Coutinho na primeira metade do século XX), durante as viagens de estudo dos ventos e correntes do Atlântico Sul, com o objetivo de dobrar o Cabo das Tormentas, e que Pedro Álvares Cabral não descobriu aquele território, apenas dele tomou posse oficial a mando do rei D Manuel I.
Os manuais de História de Portugal são inamovíveis na afirmação de que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil em 1500, por mero acaso, tendo os navios sido empurrados por uma tempestade para o litoral de uma terra até então absolutamente desconhecida.
João Paulo Oliveira e Costa escreve na “História da Expansão e do Império Português”, Esfera dos Livros, Lisboa, 2014, página 94, que: “As fontes mostram que os navios (da armada comandada por Pedro Álvares Cabral) procuraram deliberadamente terra naquela zona, interrompendo o caminho direto para o Índico.”
6 – A História Oficial de Portugal nega a existência de uma alegada política de sigilo da coroa portuguesa no que se refere a descobertas do outro lado do Atlântico.
Na mesma obra atrás citada, João Paulo Oliveira e Costa diz que “Cabral enviou o navio mais pequeno da armada de volta para o reino com as novas do achamento”, mas “não há notícia da chegada do navio de Gaspar de Lemos a Lisboa, nem da difusão desta notícia. (…) O achamento continuava a ser desconhecido quando em março de 1501, D Manuel I enviou uma frota de três caravelas a explorar as terras achadas no ano anterior. Assim, o Brasil só começou a ser falado quando chegou a Lisboa a primeira nau da armada de Cabral, a 24 de junho de 1501 e D Manuel I ainda retardou por mais um mês a preciosa informação. Só no final de julho, após a chegada do capitão-mor, é que notificou a rainha de Castela da descoberta”.
Haverá melhor prova da política de sigilo dos Descobrimentos Portugueses do que esta?
7 – O meu livro afirma que as fontes de informação que estiveram na base da elaboração dos mapas franceses de Vallard, de 1547 e anos anteriores, que mostram claramente os desenhos das costas da Austrália com nomes portugueses, só podem ter sido outros mapas, autênticos, desenhados por portugueses em expedições feitas aquele território a mando do Rei de Portugal no primeiro terço do século XVI.
As Histórias Oficiais de Portugal e da Austrália dizem que os descobridores deste território foram os holandeses em 1606 (quando até há poucos anos diziam que tinha sido o inglês James Cook, no século XVIII).
O insuspeito historiador João Paulo Oliveira e Costa, autor e coordenador do livro “História da Expansão e do Império Português”, Esfera dos Livros, Lisboa, 2014, escreve na página 132: “Nestes anos 20 de Quinhentos, ocorreram de certeza os primeiros contactos de navegadores portugueses com a Austrália. Existem evidências arqueológicas, nomeadamente canhões que ali foram perdidos e tradições orais de tribos do noroeste do território (australiano) que referem que uns visitantes estranhos chegaram ali vindos do mar. Como era inevitável, os portugueses foram os primeiros europeus a chegar à Austrália.”
Repito, quem escreveu as palavras “certeza” e “inevitável” associadas à chegada dos portugueses à Austrália nos anos 20 do século XVI, foi o conhecido historiador português João Paulo Oliveira e Costa. A História Oficial de Portugal diz coisa diferente…
8 – Escrevi claramente no meu livro que, se Cristóvão Colon não era português (hipótese que é cada vez mais aceite e estudada internacionalmente) era sem sombra de dúvida, um filho cultural, linguístico e espiritual da cultura lusitana e foi em Portugal que aprendeu tudo o que sabia sobre navegação e cosmografia (facto este que é reconhecido por todos os colombianos nacionais e internacionais que o dão como nascido em Génova, Itália). Defendi por isso a ideia de se assinalar os locais onde comprovadamente esteve no nosso país com placas comemorativas, referências escritas em materiais informativos, estátuas do navegador e outros registos perenes.
A reação dos críticos foi de indignação e rejeição liminar desta ideia.
Ora, a minha proposta pode ser considerada como tudo menos original.
Matilde Sousa Franco, colaboradora do Instituto de Altos Estudos da Academia de Ciências de Lisboa, sócia da Academia Portuguesa de História, membro da Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, da Academia Nacional de Belas-Artes e do ICOM – International Council of Museums, escreveu, em janeiro de 2018, um artigo intitulado “Musealizar a presença de Cristóvão Colombo em Portugal”.
A historiadora e museóloga defendeu neste artigo, publicado um ano depois no livro “Almirante Colon – um feito no Ponente”, coordenado por Carlos Calado, Chiado Books, Lisboa 2019, a criação de um Museu dedicado à Época dos Descobrimentos Portugueses. E em específico, “quanto ao descobridor da América, referir documentadamente o que aconteceu em cada um dos dez principais locais a que o navegador esteve associado em Portugal, dar sugestões para a musealização” dessas memórias, “ora no referido museu, ora nos próprios locais”, um sonho que Matilde Sousa Franco revelava acalentar “desde há cerca de quatro décadas”.
A autora chegou a concretizar a proposta exemplificando que o primeiro local a musealizar deveria ser o Largo da Luz, “lembrando aí o decisivo encontro entre D João II e Colombo”.
Matilde Sousa Franco lembrou ainda que, já em 2007, solicitara na Assembleia da Republica a realização de análises de ADN que melhor permitissem apurar a verdade quanto às origens de Cristóvão Colombo”.
Na altura, ninguém se indignou nem chamou embustes e falsificações da História de Portugal a estas iniciativas. Por que razão o fazem agora?
9 – Porque é que as afirmações de João Paulo Oliveira e Costa sobre Cristóvão Colon, no livro “História da Expansão e do Império Português”, pág. 78, não são também consideradas embustes e falsificações:
“(…) pouco se sabe quanto às suas origens. Apresentado como um mercador genovês de origens humildes, foi sem dúvida casado com Filipa Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo, o capitão da ilha de Porto Santo e membro da nobreza da Casa de Viseu. As regras do tempo mostram-nos que um plebeu nunca se casava com uma nobre, pelo que a origem de Colombo é assaz duvidosa”.
Perante estas afirmações de um autor contemporâneo de reconhecido mérito, porque é que a História de Portugal continua a chamar genovês a Cristóvão Colon e o Ministério da Educação continua a mandar ensinar isto mesmo nas escolas portuguesas?
Não me calam, os meus críticos.
Não navego nas águas turvas de redes sociais em que fazem e desfazem teses a seu gosto e destroem pessoas e reputações de quem não lhes dirige améns.
Não me calam, mas agradeço-lhes.
Pelo contraditório que me estimulam a produzir e pelo destaque que dão ao que eu escrevo.
Bem hajam.
– Notícia da SIC Notícias, televisão parceira do POSTAL