A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que os adolescentes pratiquem diariamente, pelo menos, 60 minutos de actividade física moderada a vigorosa. Porém, segundo o recente estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), os adolescentes portugueses são dos menos activos, praticando cada vez menos actividade física, quer moderada quer vigorosa, com particular destaque para os rapazes com 13 anos.
Entre os mais activos estão os jovens que integram famílias com um nível socioeconómico mais elevado. Para a psicóloga Margarida Gaspar de Matos, coordenadora da equipa portuguesa do estudo, “estes jovens têm uma possibilidade maior de se movimentarem, de terem equipamento adequado, de pagar uma mensalidade de um ginásio e, portanto, uma maior probabilidade de adquirirem hábitos de exercício físico”. Ademais, “a actividade física na escola”, acrescenta, “tem tradicionalmente carências de instalações, quer para a prática quer em questões de higiene com, por exemplo, a possibilidade de duche, sendo também frequente os jovens queixarem-se da falta de condições de segurança nos balneários”.
Excesso de peso e obesidade
Situação igualmente preocupante é o excesso de peso e a obesidade, em que os adolescentes portugueses surgem piores classificados no conjunto dos 45 países, sobretudo em jovens de famílias mais pobres, ou seja, que praticam menos actividade física, moderada ou vigorosa. De facto, no último relatório da OMS sobre obesidade na adolescência, publicado em 2017, mas com dados referentes ao intervalo de tempo 2002-2014, dava-se já conta de uma elevada prevalência da obesidade nos adolescentes aos 11, 13 e 15 anos, tendo-se registado inclusivamente um aumento de 0,3% entre 2002 e 2014.
Se a actividade física parece ser um problema, já o comportamento alimentar tem vindo a melhorar. Os adolescentes portugueses são, pois, os que mais tomam o pequeno-almoço, que comem com a família todos os dias, que consomem mais fruta, menos doces e menos refrigerantes, embora o consumo de vegetais seja ainda insuficiente. Na escola, por sua vez, apesar de reconhecerem uma melhoria da qualidade da oferta alimentar, reclamam por pratos mais apelativos e com um sabor mais agradável. Em todos estes aspectos, os jovens que pertencem a famílias com níveis socioeconómicos mais baixos são os mais prejudicados, pois não dispõem de recursos que lhes permitam encontrar uma alternativa à oferta alimentar das cantinas escolares.
(Des)Amor pela escola
De um modo geral, as raparigas gostam mais da escola do que os rapazes. No entanto, em ambos os sexos, o desamor pela escola encontra-se abaixo da média dos 45 países participantes. É, de facto, preocupante. Aos 15 anos, apenas 9,5% dos jovens afirmaram gostar muito da escola. Os adolescentes sentem-se cada vez mais pressionados pelos trabalhos de casa (os chamados TPC). Embora ambos os sexos estejam acima da média dos 45 países, as raparigas sentem mais pressão do que os rapazes, em particular aquelas que pertencem a famílias com recursos socioeconómicos mais elevados.
De acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) de 2018 – um estudo feito de três em três anos que avalia a literacia de alunos de 15 anos em vários domínios, conduzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) –, de um modo geral, os rapazes passam mais tempo a jogarem videojogos e menos tempo a fazerem os TPC do que as raparigas. No entanto, embora o tempo despendido a fazer trabalhos de casa surja associado a um melhor desempenho escolar, tal não deve ser interpretado como uma relação causal. Nos últimos anos, vários especialistas têm defendido que os TPC acentuam desigualdade sociais. “Se não aprendem ou têm dúvidas, ou os professores não são capazes de concluir a matéria prevista, os jovens de famílias com mais recursos têm acesso a um suporte de segunda linha – os centos de explicação – que se tornaram quase uma instituição obrigatória para quem quer ir para a universidade”, explica Margarida Gaspar de Matos.
Sentimento de segurança e violência
Embora uma grande maioria (80,3%) dos jovens se sinta sempre ou quase sempre seguro na escola, observa-se um aumento dos fenómenos de cyberbullying, sobretudo tendo como vítimas jovens com entre 11 e 13 anos, independentemente do sexo ou do nível socioeconómico. Curiosamente, apesar das lutas terem diminuído nos mais velhos, as situações de violência física aumentaram justamente nos jovens com 11 e 13 anos. “Em jovens com 11 anos, o cyberbullying aumenta, sendo estes, em geral, vítimas, aos 13 anos são vítimas e agressores, e aos 15 anos baixa”, explica Margarida Gaspar de Matos. “O cyberbullying, tal como o bullying, implica uma dinâmica de repetição, com intenção de fazer mal e associado a um certo desequilíbrio de poder”, acrescenta. No caso das lutas, “estas surgem mais como uma incapacidade de gerir emoções negativas, uma dificuldade de auto-regulação e de defender pontos de vista verbalmente”. Um aspecto interessante é que, com a idade, as lutas diminuem. Para a psicóloga, “tal deve-se ao facto de vítimas e agressores tenderem a encontrar um equilíbrio relacional sem recurso à provocação ou à violência. Aliás, alguns estudos mostram que, com a idade, surgem outras formas de violência mais socializadas, nomeadamente a hostilidade, isto é, comportamentos que tornam a vida dos outros menos agradável”.
Saúde mental
Margarida Gaspar de Matos está particularmente preocupada com a saúde mental dos adolescentes portugueses. De um modo geral, e em comparação com 2014, observou-se um aumento na percentagem de jovens com sintomas de tristeza, irritação, nervosismo e dificuldade em adormecer. Aos 15 anos, as raparigas sentem-se tristes mais frequentemente do que os rapazes. E o desamor pela escola é verdadeiramente problemático, uma vez que, de acordo com o estudo, aqueles que mais gostam da escola, apresentam maior satisfação com a vida, menor risco de consumo de substâncias e melhores indicadores de saúde mental. “Para além da aprenderem e de serem fisicamente saudáveis, os adolescentes têm de se sentir bem, consigo mesmos, mas também com os outros, e este aspecto é muitas vezes descurado”, alerta a psicóloga. “Por exemplo, só muito recentemente é que os psicólogos, que não os de orientação vocacional, entraram na escola”, continua, “pelo que uma rede de psicólogos a trabalhar em prevenção e na promoção de competências socioemocionais faria toda a diferença, aliás, como o demonstram vários estudos”.
Uma interpelação para a mudança
Quais são, então, os grandes desafios que este estudo nos traz? “Eu salientaria, pela negativa, a questão do desamor pela escola e a falta de actividade física”, afirma Margarida Gaspar de Matos. “Maior apoio dos pais e amigos, e melhoria na qualidade da alimentação, pela positiva”, conclui. Para tal, é necessário que todas as partes interessadas – famílias, comunidade escolar, sociedade, decisores políticos – se sintam convocadas para a reflexão e, sobretudo, para a acção. E este é, para Margarida Gaspar de Matos, um momento propício para a mudança. “Durante este período de confinamento, por causa da pandemia por COVID-19, foi espantoso ver o modo como professores e alunos, directores e dirigentes políticos do sector, se organizaram para responder de modo a diminuir os danos. Penso que esta dinâmica pode vir a despoletar um amplo debate e provocar uma excelente mudança. Não para manter este estado de coisas, mas para mudar práticas educativas seculares. E a verdade é que este processo já começou em muitas escolas.”
O HBSC realiza-se desde 1983, com uma periodicidade de quatro, e envolve 45 países. Em Portugal, começou a ser realizado a partir de 1998. O estudo agora apresentado refere-se a dados recolhidos em 2018, junto de uma amostra representativa de adolescentes portugueses com 11, 13 e 15 anos de idade. A equipa portuguesa foi, uma vez mais, liderado pela professora e investigadora Margarida Gaspar de Matos, da Aventura Social, da Faculdade de Motricidade Humana e do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
( 2020 – Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva)