O processo facilitador na gestão urbanística
Os objetivos instituídos pelo Decreto Lei 10/2024 visam concretizar as mais elementares aspirações manifestadas pelo extenso número de agentes envolvidos na qualidade da gestão do solo, bem como na sua importância para a economia e qualidade de vida da população.
As áreas envolvidas no processo de planeamento e gestão do solo são incontáveis… desde a construção civil e todas as vertentes envolvidas nas matérias primas, produção, distribuição, transporte, até à utilização e manutenção de cada unidade de edificação. Apercebemo-nos da sua importância quando, ao chegar à nossa residência, abrimos a torneira e a água não corre…
A ocorrência de deferimento tácito acarreta para a autarquia e para os autarcas uma responsabilidade acrescida
O legislador ao longo de décadas procurou implementar a desburocratização, a simplificação, a responsabilização dos intervenientes, a uniformização de normas e conceitos, na gestão de processos, a transparência, a modernização, eficácia e eficiência da máquina administrativa, afinal é praticamente tudo o que a sociedade exigia, quase em desespero.
A obstrução no processo administrativo
Naturalmente, muito embora se confirme a partilha de responsabilidade pelos obstáculos burocráticos na tramitação processual, entre a Administração Pública, os promotores, os projetistas, diretores de obras, construtores e outros agentes, o legislador direcionou as imposições relativas à simplificação para a jurisdição das autarquias municipais.
A transformação dos regulamentos municipais
O Simplex Urbanístico não impõe apenas alterações aos regulamentos municipais abrangidos pela gestão urbanística como ferramentas essenciais no desenvolvimento do complexo processo de utilização e transformação do solo que “suporta a vida”.
A Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos – PEPU
A criação desta plataforma tem como finalidade facilitar a tramitação processual, uniformizar procedimentos e tornar transparente toda a atividade “urbanística” a nível nacional, tal como, de certa forma, já acontece com outras áreas integradas na gestão urbanística, no âmbito da extensa componente da utilização, tais como, empreendimentos turísticos, alojamento local, atividades económicas e outras, existentes no Portal “e-portugal.gov.pt“.
O deferimento tácito surge como uma opção impulsionadora na tramitação processual
O deferimento tácito, que “acontece” perante falta de resposta da câmara municipal no prazo legal, já estabelecido na versão anterior do RJUE, mas tal como a comunicação prévia, praticamente sem utilização, surge agora como uma figura jurídica – virtual – reforçada, cuja função não seria apenas implementar o princípio de “quem cala consente”…, mas também e especialmente acelerar o processo burocrático, em relação a todos os procedimentos estabelecidos no RJUE (artº 111º) e não apenas na deliberação final a que se refere o artigo 23º do RJUE.
Partimos do princípio que as câmaras municipais, receosas da utilização generalizada da figura do deferimento tácito, iriam desenvolver a apreciação dos processos com maior celeridade, o que, estranhamente, em muitas autarquias, não parece ter acontecido.
Com o deferimento tácito, a responsabilidade dos autarcas e das autarquias surge reforçada
A opção pela certificação do deferimento tácito através do Balcão do Empreendedor, da responsabilidade da Agência da Modernização Administrativa, não tem sido tão utilizada como se previa com toda a justificação (DL 135/99, de 22/4).
Em primeiro lugar, porque a certidão comprovativa do deferimento tácito não confirma que o projeto cumpra todas as normas legais e regulamentares aplicáveis à pretensão.
Depois, a reação das câmaras municipais, perante a comunicação do pedido de certidão de deferimento tácito, desenvolve-se no sentido de realizar uma verificação pormenorizada e criteriosa quanto à legalidade da operação urbanística.
A extensão quase ilimitada, a complexidade e a subjetividade das normas aplicáveis, só na gestão urbanística abrange tal amplitude que os técnicos municipais identificam com relativa facilidade algum incumprimento, suficiente para permitir à câmara municipal inviabilizar o pedido apresentado.
Porém, a ocorrência de deferimento tácito acarreta para a autarquia e para os autarcas uma responsabilidade acrescida.
Representa um risco agravado para quem delibera, a não aplicação do determinado no artº 126º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7/1, (CPA), que impõe a apreciação do relatório pormenorizado, elaborado pelo superior hierárquico da unidade orgânica responsável pela apreciação do projeto, propondo o sentido e os fundamentos para a resolução.
Ainda que a câmara municipal manifeste a intenção de inviabilizar a pretensão, artº 121º do CPA, esta revogação implícita só pode ser concretizada através do cumprimento de formalidades específicas, por se tratar – o deferimento tácito – de um ato constitutivo de direitos, os quais só poderão ser revogados quando, para o efeito, cumpram os requisitos consignados no nº 2, do artigo 167º do CPA.
Nesta situação, em que o órgão executivo delibera ou o autarca decide por delegação de poderes, se for o caso, a responsabilidade pela revogação implícita do ato tácito recai sobre o titular ou titulares do órgão decisor, permitindo ao promotor interpor a ação necessária para reposição da legalidade.
Um longo caminho a percorrer
A simplificação e desburocratização transformaram-se numa imposição da sociedade, que não aceita que qualquer processo para realização da operação urbanística mais simples possa arrastar-se por vários anos.
Mas o caminho faz-se, caminhando.
Leia também: Simplex Urbanístico complicou a tramitação de projetos nas câmaras municipais | Por António Nóbrega