Mal haviam posto os pés em terra e já tinham a recebê-los uma grande surpresa. Aquele toque das torres de Ceuta soava-lhes familiar. Eram os sinos da igreja de Lagos que tinham sido roubados uns anos antes pelos mouros num assalto à vila algarvia.
Mas esta não foi a única surpresa. A praça africana que D. João I escolhera para ali armar os seus filhos cavaleiros ofereceu, afinal, pouca resistência. De tal modoque “à hora do jantar a cidade estava tomada”. A sua conquista demorou apenas um dia.
E se a sorte protege os audazes, os portugueses tiveram os deuses com eles. Os ventos, o nevoeiro e a agitação marítima haviam dispersado a frota de D. João I e enganado o alcaide da cidade.
Salah Ben Salah, presumindo que os portugueses tinham desistido da operação, virou costas e mandou retirar os reforços de 10 mil homens que tinham chegado em seu auxílio. Se assim não fosse, o assalto a Ceuta poderia ter resultado numa enorme tragédia. Tanto mais que estavam lá o rei, o príncipe herdeiro D. Duarte e os infantes D. Pedro e D. Henrique.
Foi uma conquista um pouco ao sabor dos ventos e das marés!
Tudo havia começado uns seis anos antes, numa operação organizada no maior sigilo e pensada para não falhar. Partilhada apenas por um grupo restrito de conselheiros do rei e pelos infantes seus filhos.
As ribeiras do Tejo e do Douro transformaram-se em estaleiros gigantes, tendo sido mobilizados enormes recursos do Estado. Os que havia e os que não havia. Construíram-se navios, encomendaram-se outros ao estrangeiro, mobilizaram-se soldados e mercenários, carpinteiros, calafates, trons e bombardas. E encheu-se a despensa de víveres: biscoitos, carne de salga, vinho e frutos secos. Mel, ovos, galinhas e outros animais vivos.
Era um frenesim.
Com Ceuta, D. João de Portugal passaria a controlar o Estreito de Gibraltar, o que abria o país ao comércio mediterrânico. E além disso, desviava para Marrocos “uma nobreza turbulenta, ávida de conquistas, tenças e comendas, afrouxando algumas das tensões sociais internas”. A tomada de Ceuta era, pois, um objetivo estratégico do ponto de vista económico, político e militar! E religioso também.
Finalmente, chegou a data anunciada. Uma quinta-feira. Dia de Santiago.
A armada, constituída por mais de 200 embarcações e 20 a 30 mil homens, zarpou do Restelo a 25 de julho de 1415. A bordo seguiam o rei, o príncipe herdeiro, D. Duarte, e os infantes D. Pedro e D. Henrique. E a mais alta nobreza do reino. Muitos estrangeiros também.
“O vento frio nas velas começou a lançar a frota pela boca da foz” – assim reza a crónica de Zurara, assinalando a partida da expedição que marca o início da expansão portuguesa que há-de revolucionar a geografia e a história do mundo.
Ao sábado sobre a tarde, começaram a dobrar o Cabo de S. Vicente. Em sinal de respeito pelos mártires que ali jaziam, recolheram as velas e detiveram-se por alguns momentos antes de seguirem para Lagos, onde fundearam nessa mesma noite.
No dia seguinte, 28 de julho, o rei incumbiu Frei D. João De Xira de anunciar, na missa desse domingo, o objetivo e o destino da missão: “El Rei nosso senhor vos faz saber… ir sobre a cidade de Ceuta”. E é anunciada uma bula de cruzada com a promessa de absolvição dos pecados e salvação das almas.
A armada segue viagem, quarta-feira, último dia do mês de julho, com destino a Faro. E aqui, “porque em seguindo, encalmou o vento, foi necessário de estar ali até outra quarta-feira que eram sete do mês de agosto”. Oito dias de espera.
E na sexta-feira, um pouco antes da noite “houveram vista de terra de mouros”. Em Algeciras “mandou el-Rei que fizessem andar todos os navios de mar em roda porque não era vontade entrar pela boca do Estreito senão de noite”.
Seguiram-se 13 dias de uma longa espera. Perdeu-se o efeito surpresa!
No meio de peripécias várias, imprevistos, avanços e recuos devido aos ventos e às correntes, – provavelmente uma ‘suestada´ – que obrigaram a frota a afastar-se ao largo, o alcaide de Ceuta, Salah ben Salah, convencido de que os portugueses tinham desistido da operação, decidiu dispensar os 10 mil homens que tinham vindo em seu auxílio.
Quando deu por ela, estava cercado. O tempo amainou e, na noite de 20 de agosto de 1415, a esquadra de mais de 200 velas com tochas e candeias acesas, fundeava no porto de Ceuta. E, conta Zurara: “A cidade respondeu ao desafio, iluminando todas as janelas e terraços. E assim pela grandeza da cidade, e por ser de todas as partes tão iluminada, era muito formosa de ver”.
Ao alvorecer do dia 21, começa o desembarque. É o dia D.
O batel de João Fogaça, contra as indicações do comando, desembarca na praia de Stº Amaro. E o algarvio Vasco Eanes Corte Real foi o primeiro a romper as muralhas defensivas e a lutar corpo a corpo nas ruas e vielas da cidade: “150 cristãos foram entrada na medina e o primeiro foi Vasco Eanes Corte Real e depois outros após ele” – relata Zurara.
Em poucas horas a bandeira portuguesa é colocada no alto do castelo que tinha sido abandonado pelo alcaide. Não houve mais resistência naqueles dias.
“(…) Já passavam de sete horas e meia depois do meio dia, quando a cidade foi de todo livre dos mouros”. Diz o cronista que descreve o desvario das pilhagens habituais em ações bélicas daquela época.
Ceuta havia sido conquistada num dia.
No domingo seguinte, 25 de agosto, depois de limpa e sagrada a mesquita de Ceuta, foi celebrada uma missa de acção de graças, seguida das cerimónias em que foram armados cavaleiros os filhos de D João I.
No regresso, já em Tavira, a 3 de setembro, o rei chamando os seus filhos, disse-lhes: “O Infante D. Duarte é herdeiro de meus reinos, a D. Pedro faço duque de Coimbra e a D. Henrique faço duque de Viseu e senhor da Covilhã”.
E El Rei e a sua comitiva partiram por terra para Évora que se vestiu de festa e regozijo!