Quantas vezes já deu por si a comer sem que tivesse realmente fome? Come porque ofereceram, porque apetece, porque está habituado, porque tem mesmo bom aspecto, porque já não come há muito tempo, porque merece, porque está só, porque se sente triste ou ansioso ou para preencher aquele vazio…
as razões são imensas e a lista não acaba!
Na verdade, a única fome a que realmente deveríamos responder e que necessitamos é a fome fisiológica. Esta fome dá-se quando o organismo tem necessidade de reposição nutricional e energética.
Existe uma série de mecanismos fisiológicos que nos informam acerca desta falta de energia e nutrição, provocando-nos a sensação de fome e depois, a sensação de saciedade quando essas necessidades já foram repostas.
Assim, se o nosso corpo nos diz que temos que repor nutrientes e energia, é importante que o saibamos ouvir e atender às suas necessidades e daí a diferença entre comer e alimentar-se. Embora possam ser vistos como sinónimos, podemos fazer a distinção entre a intenção por detrás da acção. Comer pressupõe encher a barriga, atender à emoção e não à procura da real necessidade fisiológica. Já alimentar-se pressupõe um acto pensado, consciente, baseado em escolhas alimentares cuja função será nutrir o organismo. Aqui começa a primeira mudança: alimentar-se, nutrir-se, não comer simplesmente!
Toda a comida que é ingerida sem fome fisiológica ou para além da saciedade, ou seja, sem a necessidade de reposição de energia por parte do organismo, é armazenada em forma de gordura. Assim, se consome mais energia do que necessita, o seu corpo fará as suas reservas. No entanto, existem diferenças entre as pessoas, pois existem indivíduos cujo metabolismo lhes permite comer muito e não engordar, enquanto outras, ao mínimo excesso engordam.
Comer é, assim, um comportamento complexo que não é apenas orientado pela fome fisiológica mas também por inúmeros factores de ordem biológica, nutricional, social, económica, psicológica e emocional.
A fome emocional é aquela que não é o organismo fisiológico que solicita, mas sim, uma fome que aparece como preenchimento de emoções. A ingestão de alimentos açucarados, como bolos, doces ou sobremesas ou os salgados e gordurosos, como as batatas fritas, snacks e aperitivos não surge apenas pela necessidade de ingestão de calorias, mas pela necessidade de conforto, de pertença, preenchimento ou razões sociais.
A inúmera disponibilidade, variedade e acesso à comida, levou-nos à obsessão pela mesma, pelo aspecto físico e peso. Cada vez são mais as pessoas que têm alterações do comportamento alimentar, tal como a compulsão alimentar, restrição alimentar e provocar o vómito e, por vezes, padecem dos três tipos de comportamentos.
As comidas apaladadas, como os açúcares, sal e gorduras, podem activar o sistema de recompensa que existe no nosso cérebro através da activação do sistema dopaminérgico (libertação de dopamina – hormona geradora do prazer) que explica a adição à comida. Estas comidas normalmente fazem elevar a sensação de fome, baixando as respostas dos sinais de saciedade, levando-nos a perder a percepção da fome devido à activação do sistema de recompensa, alterando a regulação do apetite.
Estudos demonstram, que o mesmo parece acontecer com sentimentos de tristeza e stress (crónico) que favorecem a ingestão destes alimentos a que normalmente se chama comida de conforto, que activam os mecanismos de recompensa. Estes têm como apoio a memória e o prazer que promovem o desenvolvimento de hábitos e alterações cognitivas que modelam o cérebro, levando à adopção de hábitos e comportamentos relativamente à comida.
Assim, o stress crónico presente, os sentimentos negativos que levam à ingestão da comida apaladada que activam os mecanismos do prazer, atenuam a percepção do stress, provocando um certo alívio ou conforto, que reforçam a ingestão alimentar, contribuindo, para o aumento do peso, entrando-se, sem muitas vezes se ter a percepção, num ciclo vicioso. A comida acaba, assim, por funcionar como um calmante ou tranquilizante que atenua os estados de humor negativos.
Esta forma de comer, como alívio do desconforto mental, acaba muitas vezes por se tornar num acto reflexo, levando muitas vezes a comer por hábito e pouca consciência. Para que este comportamento se altere, é necessário tomar consciência do mesmo, assim como partir à descoberta das causas do stress crónico e dos estados de humor negativos que levam à ingestão da comida sem fome. Para isso, é necessário um grande investimento pessoal, atenção e esforço para mudar estas ingestões alimentares.
Deste modo, é importante que conheça o seu comportamento alimentar, mesmo quando o seu peso está dentro dos seus padrões, pois é possível que seja do tipo de pessoa que, para manter o peso, trave uma batalha com a comida entre restrições e controlo ou compulsão e descontrolo total, com ataques vorazes à comida, voltando depois, de cometido o erro, à restrição, envolvendo-se num ciclo vicioso.
Na Psicologia do Emagrecimento e Comportamento Alimentar com o Programa RAFCAL – Reabilitação Afecto Cognitiva do Comportamento Alimentar, iremos procurar o cerne dessas emoções, afectos e comportamentos, que influenciam o comportamento alimentar, e embarcar numa jornada de mudança, de hábitos e comportamentos para a adopção de comportamentos magros e a manutenção do peso magro saudável.
Conheça o seu comportamento alimentar, a sua fome emocional, e irá partir numa viagem de auto descoberta e fazer as pazes com a comida e a balança.
(Artigo publicado no Caderno Semear Saúde)