Miguel Torga através da sua perplexidade genuína, inicia uma busca incessante pela compreensão da sociedade que o viu nascer, tentando dissipar a dúvida que, citando Franz Kafka “toda a cultura impõe ao legado recebido”, inspirando-se a partir dessa desconfiança, versejando a terra de sol a sol, contendo cada poema uma gota de suor. Idealizou na sua obra que todas as defesas fossem legítimas, que todos os glóbulos tivessem cor, que todas as opiniões tivessem conhecimento e que todas as vidas tivessem direito.
A sua analítica meditação está implícita no desejo de um quilo de uma outra sociedade no seu sangue, uma sociedade livre, onde não houvesse lugares desabitáveis, onde a humildade não fosse confundida com humilhação, uma sociedade onde o pão e o poema fossem feitos pelas mesmas mãos.
Explica-nos que a cultura do povo está associada antes de mais à sua sobrevivência em necessidade premente, que cada um investe no tempo que lhe concedeu, na injusta condição da dificuldade apesar de todos os esforços, explica a relação entre prioridade e necessidade.
Sonhando com a possibilidade de um quotidiano livre e criativo, Torga procura a clarificação dessa mesma possibilidade através da sensibilidade da palavra e da eternidade da escrita, dando-nos dessa forma a visão de um mundo mais equilibrado e mais habitável.
A obra de Miguel Torga é uma metáfora à sua vida, uma canção de antítese à pobreza, sintetizada pela sua alma ancorada à sua terra e à esperança que a vida seja uma rua Villaret por onde passam poetas sorrindo perante a declamação das suas almas.
A verdade contida na sua criação foi a sua maior virtude e a fraternidade contida na sua voz humanitária o seu persistente desígnio.
Ao tomarmos conhecimento com a sua obra, podemos constatar a gradação do inconformismo da sua mensagem à medida da reiteração da sociedade no intuito que esta se encontrasse com os seus propósitos léxicos.
Os seus contos escalaram montanhas, como persistentemente idealizou, mesmo contra todas as adversidades conseguiu vencê-las, tornando-se num prosador alpinista que no cume da montanha mais alta descansou ao lado da bandeira da paz e lançou o verso da escalada que voou guiado pela brisa da receita criadora.
Guerreiro da dissecação, passou por sacrifícios em trincheiras sem fundo através de uma personalidade treinada desde cedo para ser ela própria, que mesmo ferida e prisioneira, prosseguiu a sua caminhada ao encontro da luz incerta do seu inconformismo.
A sua obra suporta as causas humanas e agita os porquês da insatisfação da natureza destas, tentando encontrar respostas que acalmem uma evolução ancestralmente sofrida.
No conto “Morgado” do seu livro “Bichos”, encontramos a seguinte afirmação: “…À chegada, logo uma manta a resguardá-lo dum resfriado, e milhão branco e graúdo na manjedoura. Um céu aberto!…”. Nas dificuldades da vida rural, a expressão “céu aberto” era utilizada para indicar fartura e consequentemente paz e tranquilidade, sendo hoje uma expressão pouco conhecida e pouco utilizada a não ser por pessoas que estejam relacionadas de alguma forma com a vida no campo.
A obra de Miguel Torga é a idealização de um céu aberto para todos, através das incidências luminosas de um sol benévolo.
Perante tudo o que foi dito até hoje por profetas, idealistas ou poetas sobre o rumo da civilização, associando-me à mensagem da obra de Miguel Torga, arrisco a dizer que a civilização estará no rumo certo desde que se lute sempre para que haja um céu aberto para todos, para que todos possam trabalhar de sorriso na mão.
A sua obra é um autêntico hino aos direitos humanos e aos direitos dos animais, é um hino de humanitarismo em aldeia poética e evoluída.
Torga através do inconformismo dos seus versos, lutou contra todos os desígnios que não contivessem liberdade, que é a anáfora da sua obra.
Miguel Torga fez da sua vida um genuíno poema.